Saudações do Crítico Nippon!
Makoto
Shinkai definitivamente é um dos melhores diretores orientais em atividade. Com
uma galeria de obras excepcionais (e um único tropeço), ele encontrou no tema
“distância” o que Park Chan-wook encontrou em “vingança”. E tão bem sucedido
quanto. Este novo filme não só é formidável como romance, mas como uma quase
ficção científica, que desenvolve ao máximo, com propriedade e segurança, seus
conceitos e ideias. Uma combinação ambiciosa que dá vida ao melhor filme da
carreira de seu autor.
(Contém um único parágrafo com spoilers, e ele está muito bem sinalizado, fiquem tranquilos)
Em
certo momento, acordamos com o ponto de vista da jovem Mitsuha. Ela olha com estranheza
ao seu redor, toca os próprios seios com curiosidade, e quando finalmente se
olha no espelho, parece completamente apavorada. Em outro instante, acordamos
através dos olhos do garoto Taki. Ele toca o próprio pênis com receio e fica
completamente vermelho. É assim que somos jogados na trama, sem maiores
explicações e tão perdidos quanto os personagens. E funciona maravilhosamente
bem.
Ou
seja, o filme já começa totalmente imerso em sua premissa, adentrando
imediatamente no descobrimento gradual de ambos sobre a troca de corpos. E
torna-se uma tarefa extremamente complexa largar isso de cara no início. Afinal,
estamos recém conhecendo os protagonistas, mas suas mentes são de um e o corpo
de outro. Para transformar isso numa bagunça incoerente e nos perdermos na
personalidade de um e de outro, seria a coisa mais fácil. Porém, Makoto Shinkai
tem plena confiança na capacidade do espectador e conduz a primeira meia hora
com calma e coerência.
O
filme me lembrou imensamente o desenvolvimento de outra obra de outro diretor
que gosto muito, Mamoru Hosoda e seu A Garota que Conquistou o Tempo. É uma
premissa que vai ganhando uma dimensão cada vez maior, com uma montagem
deliciosamente energética e, vejam só, uma paleta de cores muito mais clara do
que estávamos acostumados com Shinkai. Porém, ainda que as cores quentes tenham
seu papel, o filme possui alguns dos momentos mais desesperadores de sua
filmografia.
Estão
lá todas as marcas dele, closes rápidos em belíssimos objetos ao redor, no
chão, em placas, poças d`água, estações, objetos escaldantes rasgando céu e
nuvens. Tudo com o apuro visual absolutamente espetacular de seus trabalhos
anteriores. Cada cenário conta com uma diversidade incomparável de detalhes e
objetos ao redor de seus personagens. E assim mesmo, os ambientes se
diferenciam facilmente uns dos outros.


Contudo,
o que garante o sucesso absoluto do filme é a dinâmica gradual de seus
protagonistas. É muito divertido ver as pequenas confusões de ambos com os
corpos trocados. Aliás, fazer com que o espectador não veja o que um faz com o
corpo do outro em determinados momentos, nos deixa tão às cegas quanto e nos
coloca plenamente no lugar de cada. Particularmente, ri muito da confusão de
Mitsuha no corpo de Taki, usando as palavras mais femininas e formais da língua
japonesa, causando estranheza nos amigos (Watashi, watakushi, boku, ore). E a
gag constante de Taki mexer nos próprios seios, jamais se torna enfadonha e
milagrosamente funciona bem em todas suas variações.
O
filme consegue a proeza de fazer com que o espectador sequer suspeite como irá
crescer o tão esperado amor entre eles. Geralmente cineastas adotam estratégias
óbvias e aborrecidas do brigam-mas-se-amam, e é possível ver o amor há um
quilômetro de distância, mas neste filme realmente funciona de forma natural.
Quando nos damos conta, estamos completamente envolvidos nos laços afetivos
entre eles.

Com montagens
extremamente eficiente, o filme varia com maestria pelas mais diversas
sensações, transitando com segurança entre carinho, desesperança, comédia,
suspense. E aquela de quando Taki e Mitsuha finalmente começam a se comunicar
se deixando bilhetes é inegavelmente o momento mais divertido e alegre da
carreira de Shinkai.
Contando
com nada menos do que três sequencias musicais, a primeira delas é quase auto
indulgente, soando como uma abertura de anime. Não conhecemos aqueles
personagens ainda e nada do que aparece ali faz muito sentido no início. E a
quantidade de pessoas que acabam suspeitando dos protagonistas, o pai e a avó,
soa bastante forçada, como se quisessem gerar uma pitada a mais de tensão
totalmente desnecessária.
[O
parágrafo a seguir será especificamente para spoilers, mas você pode continuar lendo a partir do seguinte numa
boa, tá bom? Avisados... vamos lá:]
Se
inicialmente pensávamos acompanhar uma simples história de amor, com um leve
toque sobrenatural, a partir de sua metade, o filme mergulha com força na mais
pura ficção científica. Envolvendo grandes mistérios, linhas temporais diversas
que interagem uma com a outra, e quase viagens no tempo que modificam seus
respectivos “presentes”. E o processo de descoberta do que está acontecendo
(Mitsuha morreu? É um fantasma? Com que tipo de história estamos lidando??) é
absolutamente impecável graças a direção ambiciosa de Shinkai. Despertando o
mais absoluto terror com a descoberta inicial, transitando imediatamente em
ações que buscam resgatar aquela dinâmica tão divertida que vimos
anteriormente. Aliás, é a partir desses esforços atemporais (?!) que a paixão
de ambos cresce como mágica. Seu diretor, aliás, se mostra extremamente
inteligente (leia-se: sádico) ao brincar com nossas expectativas. Por exemplo,
quando Taki e Mitsuha interagem `pessoalmente` pela primeira vez, escrevendo na
mão um do outro, é apenas o garoto que tem a chance de anotar o seu nome. Mas
ao invés disso, o autor revela que ele escreveu uma breve declaração (“eu te
amo”). Por mais comovente que seja, dificulta imensamente a vida de Mitsuha em
encontrá-lo, numa ambiguidade de sensações apaixonante. E a revelação de que
Mitsuha foi atrás de Taki 3 anos atrás (onde se passa sua linha temporal) é
mais um exemplo de brincadeiras (leia-se: filhadaputagem) geniais do autor, de
partir o coração e com um efeito dramático devastador.
[fim dos spoilers] A
obra ainda conta com personagens secundários que não comprometem nem inflam a
narrativa, mas contribuem para esta. Assim, temos a graciosa irmã de Mitsuha,
passando pelos colegas de escola de ambos (e fazer um dos amigos ter uma breve
queda por Taki enquanto a garota está em seu corpo, é um divertido e inusitado
acerto). Além da senpai do trabalho de Taki e o irmão dele, que ganham
aparições breves, mas eficientes.
Conseguindo
criar uma analogia fabulosa entre o cometa e o poder do amor deles (sim,
lembrei da expressão “Ai no Chikara”, desculpa), sem soar nem um pouco cafona
(o maior milagre do filme). O clímax das ações de Taki e Mitsuha culmina
paralelamente à queda do asteroide, que desempenha o papel mais importante,
embalado pela evocativa trilha sonora. É inquestionavelmente outro dos grandes
momentos da filmografia de seu diretor.
Encerrando
com aquele que provavelmente será considerado o final mais satisfatório de
todos, a paleta de cores do filme já indicava uma resolução mais esperançosa
que os anteriores. Assim, se antes terminávamos essas obras num eterno dilema
agridoce de uma paixão não consumada, desta vez a sensação é de que encerrou no
lugar certo e na hora certa (seja esta qual for). Ao menos o futuro de seus protagonistas soa
radiante e promissor, como também o de seu cada vez mais impressionante criador, Makoto
Shinkai.
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Twitter: @PedroSEkman