segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Kimi no Na Wa - Makoto Shinkai

Saudações do Crítico Nippon!

Makoto Shinkai definitivamente é um dos melhores diretores orientais em atividade. Com uma galeria de obras excepcionais (e um único tropeço), ele encontrou no tema “distância” o que Park Chan-wook encontrou em “vingança”. E tão bem sucedido quanto. Este novo filme não só é formidável como romance, mas como uma quase ficção científica, que desenvolve ao máximo, com propriedade e segurança, seus conceitos e ideias. Uma combinação ambiciosa que dá vida ao melhor filme da carreira de seu autor.


(Contém um único parágrafo com spoilers, e ele está muito bem sinalizado, fiquem tranquilos)



Em certo momento, acordamos com o ponto de vista da jovem Mitsuha. Ela olha com estranheza ao seu redor, toca os próprios seios com curiosidade, e quando finalmente se olha no espelho, parece completamente apavorada. Em outro instante, acordamos através dos olhos do garoto Taki. Ele toca o próprio pênis com receio e fica completamente vermelho. É assim que somos jogados na trama, sem maiores explicações e tão perdidos quanto os personagens. E funciona maravilhosamente bem.

Ou seja, o filme já começa totalmente imerso em sua premissa, adentrando imediatamente no descobrimento gradual de ambos sobre a troca de corpos. E torna-se uma tarefa extremamente complexa largar isso de cara no início. Afinal, estamos recém conhecendo os protagonistas, mas suas mentes são de um e o corpo de outro. Para transformar isso numa bagunça incoerente e nos perdermos na personalidade de um e de outro, seria a coisa mais fácil. Porém, Makoto Shinkai tem plena confiança na capacidade do espectador e conduz a primeira meia hora com calma e coerência. 


O filme me lembrou imensamente o desenvolvimento de outra obra de outro diretor que gosto muito, Mamoru Hosoda e seu A Garota que Conquistou o Tempo. É uma premissa que vai ganhando uma dimensão cada vez maior, com uma montagem deliciosamente energética e, vejam só, uma paleta de cores muito mais clara do que estávamos acostumados com Shinkai. Porém, ainda que as cores quentes tenham seu papel, o filme possui alguns dos momentos mais desesperadores de sua filmografia.

Estão lá todas as marcas dele, closes rápidos em belíssimos objetos ao redor, no chão, em placas, poças d`água, estações, objetos escaldantes rasgando céu e nuvens. Tudo com o apuro visual absolutamente espetacular de seus trabalhos anteriores. Cada cenário conta com uma diversidade incomparável de detalhes e objetos ao redor de seus personagens. E assim mesmo, os ambientes se diferenciam facilmente uns dos outros.  

 










Contudo, o que garante o sucesso absoluto do filme é a dinâmica gradual de seus protagonistas. É muito divertido ver as pequenas confusões de ambos com os corpos trocados. Aliás, fazer com que o espectador não veja o que um faz com o corpo do outro em determinados momentos, nos deixa tão às cegas quanto e nos coloca plenamente no lugar de cada. Particularmente, ri muito da confusão de Mitsuha no corpo de Taki, usando as palavras mais femininas e formais da língua japonesa, causando estranheza nos amigos (Watashi, watakushi, boku, ore). E a gag constante de Taki mexer nos próprios seios, jamais se torna enfadonha e milagrosamente funciona bem em todas suas variações.

O filme consegue a proeza de fazer com que o espectador sequer suspeite como irá crescer o tão esperado amor entre eles. Geralmente cineastas adotam estratégias óbvias e aborrecidas do brigam-mas-se-amam, e é possível ver o amor há um quilômetro de distância, mas neste filme realmente funciona de forma natural. Quando nos damos conta, estamos completamente envolvidos nos laços afetivos entre eles. 






Com montagens extremamente eficiente, o filme varia com maestria pelas mais diversas sensações, transitando com segurança entre carinho, desesperança, comédia, suspense. E aquela de quando Taki e Mitsuha finalmente começam a se comunicar se deixando bilhetes é inegavelmente o momento mais divertido e alegre da carreira de Shinkai.

Contando com nada menos do que três sequencias musicais, a primeira delas é quase auto indulgente, soando como uma abertura de anime. Não conhecemos aqueles personagens ainda e nada do que aparece ali faz muito sentido no início. E a quantidade de pessoas que acabam suspeitando dos protagonistas, o pai e a avó, soa bastante forçada, como se quisessem gerar uma pitada a mais de tensão totalmente desnecessária.


[O parágrafo a seguir será especificamente para spoilers, mas você pode continuar lendo a partir do seguinte numa boa, tá bom? Avisados... vamos lá:]

Se inicialmente pensávamos acompanhar uma simples história de amor, com um leve toque sobrenatural, a partir de sua metade, o filme mergulha com força na mais pura ficção científica. Envolvendo grandes mistérios, linhas temporais diversas que interagem uma com a outra, e quase viagens no tempo que modificam seus respectivos “presentes”. E o processo de descoberta do que está acontecendo (Mitsuha morreu? É um fantasma? Com que tipo de história estamos lidando??) é absolutamente impecável graças a direção ambiciosa de Shinkai. Despertando o mais absoluto terror com a descoberta inicial, transitando imediatamente em ações que buscam resgatar aquela dinâmica tão divertida que vimos anteriormente. Aliás, é a partir desses esforços atemporais (?!) que a paixão de ambos cresce como mágica. Seu diretor, aliás, se mostra extremamente inteligente (leia-se: sádico) ao brincar com nossas expectativas. Por exemplo, quando Taki e Mitsuha interagem `pessoalmente` pela primeira vez, escrevendo na mão um do outro, é apenas o garoto que tem a chance de anotar o seu nome. Mas ao invés disso, o autor revela que ele escreveu uma breve declaração (“eu te amo”). Por mais comovente que seja, dificulta imensamente a vida de Mitsuha em encontrá-lo, numa ambiguidade de sensações apaixonante. E a revelação de que Mitsuha foi atrás de Taki 3 anos atrás (onde se passa sua linha temporal) é mais um exemplo de brincadeiras (leia-se: filhadaputagem) geniais do autor, de partir o coração e com um efeito dramático devastador. 


[fim dos spoilers] A obra ainda conta com personagens secundários que não comprometem nem inflam a narrativa, mas contribuem para esta. Assim, temos a graciosa irmã de Mitsuha, passando pelos colegas de escola de ambos (e fazer um dos amigos ter uma breve queda por Taki enquanto a garota está em seu corpo, é um divertido e inusitado acerto). Além da senpai do trabalho de Taki e o irmão dele, que ganham aparições breves, mas eficientes.

Conseguindo criar uma analogia fabulosa entre o cometa e o poder do amor deles (sim, lembrei da expressão “Ai no Chikara”, desculpa), sem soar nem um pouco cafona (o maior milagre do filme). O clímax das ações de Taki e Mitsuha culmina paralelamente à queda do asteroide, que desempenha o papel mais importante, embalado pela evocativa trilha sonora. É inquestionavelmente outro dos grandes momentos da filmografia de seu diretor.


Encerrando com aquele que provavelmente será considerado o final mais satisfatório de todos, a paleta de cores do filme já indicava uma resolução mais esperançosa que os anteriores. Assim, se antes terminávamos essas obras num eterno dilema agridoce de uma paixão não consumada, desta vez a sensação é de que encerrou no lugar certo e na hora certa (seja esta qual for). Ao menos o futuro de seus protagonistas soa radiante e promissor, como também o de seu cada vez mais impressionante criador, Makoto Shinkai.


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Twitter: @PedroSEkman

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