sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Shin Godzilla (2016)

Saudações do Crítico Nippon


Após 12 anos sem uma produção japonesa, sendo a última Godzilla: Final Wars, o leviatã nuclear ganha praticamente um remake pelas mãos de Hideaki Anno (Evangelion) e Shinji Higushi (Shingeki no Kyojin). Já acostumados com seus kaijus particulares, os diretores criam um filme que desperta nostalgia por acompanharmos a descoberta do monstro “pela primeira vez”, e encantamento diante da nova visão contemporânea que deram. Assim, criam um longa dinâmico e envolvente que resulta na melhor versão de Godzilla até hoje.


Acertadamente, colocando o personagem-título como o vilão da história ao invés de fazê-lo lutando contra outros kaijus, o filme não perde tempo em iniciar o ataque do monstro. A partir daí, acompanhamos a evolução gradual de Godzilla (e nessas sequências podemos notar facilmente o toque de Shinji Higushi), simultaneamente com os esforços do governo e militares em detê-lo. E esse é o filme. Na teoria, tinha tudo para dar errado: não há um grande esforço em esconder o leviatã e gerar suspense em função disso; não há um arco dramático entre os humanos (um pai de família, ou um jovem casal, nenhuma fórmula pronta que Hollywood adora) e constantemente transitamos entre supervisores, comitês, superintendentes, ministros, cientistas, chefes de gabinete, entre outros. Na prática, porém, o longa é dirigido com maestria por Anno, com cortes rápidos entre os núcleos e focando na descoberta gradual daquelas autoridades e deduções de todos os departamentos.


Não há sequer personagens secundários encarnando vilões unidimensionais para atrasar ações contra o monstro ou algo do gênero. Não, todos são extremamente colaborativos e tratam aquela situação com a seriedade de um documentário. Aliás, as primeiras câmeras do longa são estilo found footage, em primeira pessoa, como se estivéssemos realmente ali presenciando um ataque do qual não sabemos nada. É fascinante presenciar discussões sobre capturar a “criatura” viva devido aos ambientalistas e a opinião pública, quando ainda desconhecem a proporção do bicho. Aliás, ao intercalar os ataque e as reuniões simultaneamente, a direção é inteligente em fazer a evolução de Godzilla sempre um passo a frente. Por exemplo, quando discutem que o monstro aquático pode estar criando pernas, já o testemunhamos de pé, afinal, a informação sempre chegará atrasada até eles. 


Mantendo a alegoria do trauma japonês em seu personagem-título, Anno respeita a importância histórica e cultural da mitologia que tem em mãos. E no processo, faz duras críticas à submissão japonesa e ao governo dos Estados Unidos e sua política de se meter em basicamente todos os assuntos do planeta. Em um piscar de olhos, sem qualquer tipo de autorização, os exércitos estadunidenses sobrevoam território nipônico e dão prazos para suas decisões. Quando estão discutindo sobre usar uma ogiva nuclear no meio de Tóquio e ouvimos a frase “Se estivessem em Nova York, disseram que fariam o mesmo” é impossível não revirar os olhos e balançar a cabeça. Sabemos que quando se trata do próprio território, a história é completamente diferente.

Construindo uma atmosfera angustiante e um universo extremamente plausível, o longa cria discussões das mais diversas, tanto que os primeiros ataques ao leviatã ocorrem quase na metade do filme. São discutidos os efeitos colaterais, procedimentos de evacuação de milhões de cidadãos, conferências para tranquilizar o público, a dificuldade de velhos e doentes em se locomover, as origens de lixo radioativo do monstro. Isso tudo transitando com segurança na tela, sem desacelerar a narrativa, e mostrando a devastação dos ataque com a frequência que mantém o espectador sempre envolvido. O tom de urgência é forte e constante, mesmo que estejamos em grandes salas de reuniões com homens de terno.


Finalmente, chegamos à criatura título. Feita com uma mistura de captura de movimento, ator fantasiado, cabos sustentando a cauda e efeitos especiais, Godzilla é de tirar o fôlego. Apesar dos olhos vidrados em alguns momentos e de não parecer muito ágil, seu rastro de destruição faz jus às origens de seu nome, que significa “deus encarnado”. O vilão evolui diante de nossos olhos, descobrindo sua força aos poucos, o que é um exercício fascinante. E a sequência em que descobre o seu icônico sopro atômico (e as fendas dorsais!) é uma das mais belas que veremos esse ano. É como se Tóquio tivesse se transformando em outro inferno de Hiroshima e Nagasaki.

O compositor Shiro Sagisu embala esse e outros momentos de maneira absolutamente impecável, homenageando a original de Akira Ifukube e pincelando com novas camadas. São acordes e corais poderosos, quase sacros, elevando a escala de tudo que testemunhamos. As batalhas, aliás, são sublimes, dificultando gradativamente e quase de forma didática. Primeiro o exército usa metralhadoras, e então mísseis, passando por bombas largadas de aeronaves, e assim sucessivamente. E mesmo que na maior parte do tempo Godzilla pareça absolutamente indestrutível, a inteligência daqueles humanos torna o embate sempre cambiante com estratégias novas.


Hideaki Anno investe em planos quase sempre centralizados e simétricos, técnica que me lembrou muito George Miller em seu recente Fury Road. Isso torna a ação deliciosamente clara e panorâmica. Bem como constantes planos de inúmeros objetos repetidos, realçando a escala de pessoas afetadas e envolvidas no planejamento contra o monstro. Embora nem sempre se saia bem sucedido em suas ideias. Como quando tenta colocar a câmera na ponta de objetos inusitados (muito utilizado em Breaking Bad), e cria um plano absolutamente pavoroso em que ela se encontra dentro de um computador e vemos os códigos flutuando no ar.



















Shin Godzilla (ou Shin Gojira, ou Godzilla Resurgence) é um exercício narrativo fascinante, com uma fotografia deslumbrante e uma trilha sonora evocativa. Encarando a humanidade com otimismo surpreendente,  o filme celebra entusiasmado o esforço do coletivo para vencer um desastre natural. E como somos admiráveis quando esquecemos nossas diferenças em prol do bem maior.




(Para mais dos meus textos é só ir no menu “Crítico Nippon”)
Twitter: @PedroSEkman

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