Saudações
do Crítico Nippon!
Já
assisti diversos filmes com loop temporal, desde Feitiço do Tempo, Source Code, ARQ, ou mesmo os ótimos terror Triângulo do Medo e Crimes Temporais, inclusive a adaptação desta obra, No Limite do Amanhã. E vi todos eles antes deste mangá
(que também é uma adaptação do original de Hiroshi Sakurazaka), e assim mesmo,
a força desta obra é inegável. Combinando a escrita minuciosa de Ryuosuke
Takeuchi e o mestre dos magos do desenho, Takeshi Obata (Death Note, Bakuman),
a história ainda se mostra extremamente envolvente e frenética, com um
desenvolvimento sempre interessante e um final muito mais coerente que sua
covarde adaptação.
(sem
spoilers)
A
obra conta a história de Keiji Kiriya, um soldado que, após morrer em sua
primeira batalha contra uma raça alienígena chamada Mimetizadores, acorda um
dia antes do ocorrido. Assim, se vê preso em um loop temporal que o fará viver
o mesmo dia inúmeras vezes, permitindo que aprimore suas habilidades com o
passar dos confrontos.
Com
uma estrutura interessante por natureza, Takeuchi conduz a história com uma
fluidez impressionante, aproveitando para desenvolver o protagonista com
eficiência ao obrigá-lo a encarar as mesmas situações. E o desespero inicial
crescente com a situação torna Keiji muito mais humano. Aliás, o seu desgaste
físico e mental é ilustrado em ondas, mesclando entre o empolgante e o
puramente exaustivo. A própria contagem que ele faz na mão, a dor de cabeça com
o passar dos loops, o enjoo de comer sempre a mesma comida, são detalhes que
vão ajudando no incômodo do leitor.
Um
dos prazeres de acompanhar essa história, reside na habilidade de seu autor de
explorar aquele “poder” com cuidado, apresentando situações novas para o
leitor, mas que o protagonista já tinha vivido. Por exemplo: os momentos no
refeitório; a maneira com que invade o prédio da mecânica, sabendo todos os
passos dos seguranças; etc. E apesar do roteiro, às vezes, ser didático demais
em suas explicações (como uma página para colocar a programação completa do
dia), são rápidas suficientes para não incomodar. Inclusive, os esperados fan service,
como a já citada clichê da jovem
mecânica bonita (obviamente sempre agarrada a uma chave inglesa), e a
peituda cozinheira, soam camufladas e breves suficientes no contexto.
Com
uma arte absolutamente espetacular de Takeshi Obata (um dos meus desenhistas
favoritos em atividade), como ele mesmo já disse em entrevistas, busca fazer
quadros ricos e críveis, porém sem soarem pesados e poluídos. Percebam a
complexidade e leveza de seus cenários, bem como os quadros largos que dão
respiro e uma dimensão espacial mais clara. Exemplos como aquele do treinador
caído com uma polaroid presa em seu capacete; ou aquele em que a página é
dividida entre duas viseiras contrastantes, a de Keiji e de Rita. E se
geralmente tentam fazer esses protagonistas sempre com olhares forçadamente
vazios, de baixo pra cima, envolto em sombras, aqui ao menos o artista encontra
a justificativa perfeita nos loops. A repetição que deixa Keiji cada vez mais
fatigado e acostumado com sangue e sentimento de superioridade por prever os
movimentos alheios. Combine essas características com o que já vimos das
expressões de puro deleite de Light Yagami, e teremos um personagem fascinante
diante de nossos olhos.
Assim, chegamos a personagem de Rita Vrataski, que ciente do que está
ocorrendo com o protagonista, ganha um desenvolvimento surpreendentemente nada
misógino em comparação com o que estamos acostumados do Japão. Conseguindo o
milagre de não torná-la um estereótipo de durona nem de kawaii, ela encontra o
equilíbrio perfeito transitando entre essas duas. E seu desgaste pessoal é
explorado de uma forma diferenciada de Keiji, indo para o lado mais melancólico
e contemplativo, um acerto cuidadoso para não vermos repetidamente a mesma
coisa. E, claro, demonstrando a diferença entre homens e mulheres. Assim, os
melhores momentos do mangá são quando Rita e Keiji estão juntos em quadro. É
tocante perceber como, apesar de psicologicamente corrompidos por aqueles
loops, ainda lhes restam humanidade, buscando naquele fiapo de relação algo que
há muito perderam com o resto do mundo. Tornando, assim, a necessidade de não reiniciar o dia muito mais que uma
questão de sobrevivência, mas de preservar aquelas lindas memórias que estão
construindo juntos.
O mangá culmina em um clímax corajoso, empolgante e triste, que nos leva à mesma confusão interna de seu protagonista. E histórias envolventes como essa nos fazem desejar que tivesse continuado por mais alguns volumes. O que, obviamente, tiraria parte da urgência e colocaria ainda mais fan service. All You Need is Kill se mostra especial justamente pela finitude rápida, compensando em uma história cativante, personagens complexos e um desenho absolutamente deslumbrante.
(Para mais dos meus textos, é só ir no menu "Crítico Nippon")
Twitter: @PedroSEkman
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