Saudações
do Crítico Nippon!
Contando
com o diretor e o escritor do célebre Serial Experiments Lain, esse anime segue
justamente aquela linha narrativa quase sensorial. Repleto de sons incômodos,
silêncios desconfortantes e imagens que muitas vezes soam jogadas ao acaso,
Ghost Hound cria um clima de tensão contínuo e, muitas vezes, sublime. Trata-se
de uma história um pouquinho mais clara que seu antecessor, ou mesmo que
Boogiepop Phantom, pelo
menos na primeira metade.
Tarou
Komori e sua irmã foram sequestrados quando crianças e só ele sobreviveu ao
ocorrido; Makoto Ogami testemunhou o suicídio do próprio pai por motivos
desconhecidos; Masayuki Nakajima desenvolveu o medo de altura após ver um
colega se atirando do prédio da escola e colocando a culpa nele, escrito no
quadro. No presente, os três são capazes de terem experiências extracorpóreas,
ou projeções astrais, com sua alma deixando o corpo e vagando por aí. Aos
poucos, eles se tornam amigos e tentam estabelecer uma ligação entre o passado
dos três.
É
uma historinha relativamente organizada se comparada aos dois antecessores dos
mesmos criadores. Mas não se enganem, é uma obra para se prestar atenção aos
detalhes, e que muitos espectadores poderão interpretar conforme as suas
próprias sensações. Repleto de símbolos e sons que não devem (nem podem) ser
interpretados literalmente, criam uma narrativa profundamente angustiante.
Contribuindo
para o tom opressivo da obra, o design sonoro varia de ecos cavernosos vindos
das montanhas ao redor da vila; bem como de enxame de moscas desconfortantes
(que, não por acaso, são o símbolo de corpos putrefados); chiados de televisão;
e vozes inaudíveis de personagens como se falassem embaixo d’água. Trabalhados
com inteligência, por exemplo, nas tentativas de Makoto em abrir a porta do
quarto em que seu pai tirou a própria vida. O som fica estourado, refletindo o
sofrimento interno que aquele cômodo provoca no personagem. Porém, a obra é
inteligente também ao não dar sustos bobos com gritos da trilha. Extraindo
tensão muitas vezes do silêncio agonizante, por exemplo, quando combinados com
a assustadora imagem de um espírito correndo atrás do protagonista no
subterrâneo de um hospital abandonado.
Ghost
Hound mescla com eficiência o mundo dos espíritos com o real, demorando um
pouco para estabelecer o que faz parte da realidade ou não. Por exemplo, o
colégio dos garotos é constantemente mergulhado em uma neblina claustrofóbica,
dando a impressão de sempre estarem em um pesadelo. E a casa do Makoto é de uma
penumbra angustiante, com corredores sombrios, uma guitarra preta e o cobertor
da cama negro. Aliás, em uma fotografia vemos que o pai do garoto veste uma
camiseta preta com uma branca por cima. Já o filho, Makoto, é justamente o
contrário, com o branco por baixo e o preto por cima, como se tomasse conta em
um eterno luto. A avó do garoto, aliás, é composta somente por cores mortais.
Quando alguém diz que ela fazia orações para outras pessoas se machucarem,
imediatamente corta para os aposentos sombrios da senhora. Com arcos da cor roxa
(morte) sobre ela, e enfeitada com faixas na cabeça e batom escarlate (perigo).
E
como é o passado dos garotos que define cada um deles, os outros dois também
seguem vestimentas significativas. Masayuki Nakajima constantemente usa peças
vermelhas, incluindo seu cachecol e até mesmo um chapéu. A cor é
constantemente vista nas cenas que piscam sobre o colega que se jogou do prédio
e causou o seu trauma por alturas. Já o protagonista, Tarou, continua vestindo
os mesmos trajes azuis que aparece usando quando era criança e sua irmã ainda
estava viva. Inclusive seus tênis e seu cachecol surgem desta cor em
determinados momentos, como se tudo o prendesse ao passado.
Aliás,
de todos os três, Tarou é o único que se interessa logo de cara pela jovem
Miyako. Uma menina que pode ver projeções astrais e espíritos (não por acaso,
seus olhos são roxos). E, assim como a irmã de Tarou, Miyako constantemente
veste roupas da cor rosa. Como se o garoto, inconscientemente, sentisse essa
atração devido a tal semelhança. Aliás, quando Tarou entra no quarto que era da
irmã, a mochila da garota está no encosto de uma poltrona da cor... isso mesmo,
rosa. E,
como constatamos ao longo do anime, havia sim uma relação muito forte entre
ambas.
Com
alguns cuidados interessantes de continuidade, como nunca vermos os olhos da
irmã de Tarou nos flashbacks, e no presente, as fotografias sempre ganham um
reflexo da luz que impede de vermos também. Ghost Hound também faz arcos
dramáticos através das cores, que vão mudando nos personagens. Por exemplo,
Reika, que sempre vestia cores frias, passa a reta final transitando entre
vermelho e roxo, quanto mais suas pesquisas adentram o mundo dos mortos. E
Makoto encerra seu arco finalmente se vestindo igual ao pai, com uma camiseta
branca por cima do preto que lhe tomou conta durante toda série.
É
uma pena, portanto, que o anime acabe caindo demais para os fantasmas bobinhos
e seres coloridos. As projeções astrais dos garotos parecem até o gasparzinho.
Colocando personagens demais em uma história que já seria complexa o bastante
com poucos, Ghost Hound era mais eficiente quando estava com os pés um pouco
mais no chão. O suspense, os sons, o clima de tensão dão lugar a tecnologia e
uma expansão do universo demasiada. De qualquer forma, é sempre um prazer
assistir uma obra que planta suas sementes nos detalhes e traça arcos
dramáticos com a ajuda de diversas ferramentas. Se o anime respeita a inteligência do
espectador, merece todo nosso respeito idem.
(Para mais dos meus textos, só ir no menu "Crítico Nippon" lá em cima)
Twitter: @PedroSEkman
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