sábado, 7 de julho de 2012

Lupin III: Uma Mulher Chamada Mine Fujiko


Ou deveria ser “A história de uma mulher chamada Mari Okada”?. Depois de quase 30 anos da última animação para TV, Lupin e sua turma voltam com tudo. Ou... era o que se pensava.

Essa definitivamente não é uma série que irá agradar ao fã hardcore de Lupin III por muitos motivos. Porque possui outro feeling, outro character designer, que está menos macaconesco (macaco + cartunesco = Explico: originalmente, o personagem Lupin tem um traçado que se assemelha e muito a um macaco e toda série tem um estilo de arte muito mais próxima ao cartoon americano, algo comum na década de 60, onde a influência americana num Japão pós-guerra, iria definir o traçado de grandes quadrinistas, como Tezuka e o criador de Lupin,  Monkey Punch), a animação deixa de ser mais flexível – essas animações repletas de movimento rápidos, frenéticos e com seus personagens repletos de gestos e expressões, algo bem exagerado, uma técnica bem mais usual na animação ocidental – e se torna mais cheia de poses. E o principal: A história gira em torno de Mine Fujiko e deixa de lado todos os outros personagens, que estes fãs têm em alto estima. A bem da verdade, pelo pouco que pude observar no comportamento desse quieto – porém – crítico fandom, é que a própria Fujiko não é uma personagem tão querida quanto os outros.


Arsene Lupin III é neto do lendário ladrão Arsène Lupin. Juntamente com seus companheiros de crime, Daisuke Jigen [o melhor atirador do mundo], Goemon Ishikawa [e sua katana que corta qualquer coisa] e seu interesse amoroso Mine Fujiko [uma femme fatale melindrosa], se envolvem nos maiores e audaciosos roubos da história, isso enquanto fogem do alcance do Inspetor Koichi Zenigata, que supostamente é sempre ridicularizado – Algo que vimos pouco aqui, onde ele tem uma postura bem mais séria.

Então, na comemoração dos 40 anos da franquia, produzir algo contando a forma como essas figuras se reúnem parece uma decisão acertada. Claro, muito da decisão se deve ao “apelo” de Fujiko. Uma história protagonizada por uma forte personagem feminina, repleta de erotismo e sexismo, certamente pesou mais do que qualquer outra coisa. Com isso, também veio à decisão de fazer uma animação que seja próxima a esse público casual, que ainda não teve contato com a franquia. Podemos questionar até onde isso pode ser válido, mas com certeza conseguiu chamar a atenção de um público novo.



A parte ruim disso tudo é que Fujiko Mine não passa de uma série mediana, pretensiosa, mas que está longe de qualquer Panty & Stocking with Garterbelt ou REDLINE (que eu não gostei... não gosteeeei... mas reconheço que é bem feito e tem apelo crítico), que são obras igualmente pretensiosas – Oras, são séries talhadas artisticamente como não se vê muito na indústria, e como a maioria que possuem este apelo, estão fadadas ao ostracismo popular.

No caso de Fujiko, esse ostracismo é até justo. Embora, deva dizer que de um modo geral, essa primeira experiência que tive com o universo de Lupin III, foi bastante proveitosa. E eu gostei, com algumas ressalvas. A caprichosa produção do estúdio TMS Entertainment, com uma equipe de primeira no projeto é o destaque da série, mas que infelizmente não consegue ofuscar o fraco roteiro da Mari Okada. Eu até havia comentado no post de primeiras impressões, como o roteiro havia deixado a dever apesar da boa direção de Sayo Yamamoto, mas desacreditei que isso fosse afetar significativamente a história. Mero engano.


O ritmo de Mine Fujiko to Iu Onna oscila bastante entre um episódio e outro, tanto quanto o roteiro, direção e animação (embora não seja realmente um problema. A bela arte compensa). Como argumentista e escritora principal, Mari Okada acaba sendo o principal problema do anime, assim como ocorreu com o sucesso de vendas e público chamado Hanasaku Iroha. Aqui, dos sete episódios escritos por ela, destaco apenas o primeiro e o nono – Que embora não possuem linhas de diálogos fantásticos, tem uma direção que é bem perspicaz em te fazer sentir tudo o que está acontecendo na tela. E claro, nesses dois episódios o Lupin está solto, divertido e fazendo piadinhas que conseguem soar engraçadas, mesmo que as atitudes de Fujiko ali soem desajustadas.

Como comentei nas primeiras impressões, o grande temor era a vulgarização do corpo de Fujiko, ironicamente essa não se confirmou como a grande crítica da série. A nudez de Fujiko não se qualifica como fanservice, nem tão pouco as cenas picantes são direcionadas para provocar tesão. As atitudes combinam com a personagem, que além de usar o corpo para conseguir o que quer, também é forte e inteligente. Sabe muito bem o que faz e faz consciente. Aliás, ela é quem costuma sair por cima em todas as situações, apesar do obvio sexismo já próprio da obra original.

Mari Okada, Hiroki Azumi e Yamakan - Trio
de Fractale
Bom, pra quem acompanha a cena, ou melhor, os bastidores da indústria – conhecem bem a figura de Mari Okada e que, ao mesmo tempo em que vem se destacando nesse cenário e se tornando figurinha fácil em diversas produções [Hanasaku Iroha/Gosick/Fractale/Black Rock Shooter TV/Ano Hana/Aquarion Evol e....wow~muitas outras series conhecidas] e ao mesmo tempo, conquistando o repudio da crítica, que observam em sua escrita os mesmos maneirismos de sempre que sustentam um raso roteiro. Depois do sucesso de Ano Hana, vários detalhes da produção vieram à tona, revelados por Okada. E fugindo um pouco do assunto e a termos de curiosidade, ela chegou a revelar que o personagem Jintan Yadomi, teria sido escrito inspirado em sua pessoa. E outro detalhe, e este realmente interessa, é de que tinha o desejo de tornar Ano Hana, uma série que dialogasse mais com o erotismo [daí temos todo aquele subtexto fetichista e o obvio apelo sex appeal  de Anaru], mas ela teria sido “obrigada” a reescrever a pedido do diretor, excluindo esses elementos. Bom, o ponto é que sua criação original para Mine Fujiko to Iu Onna, o personagem Oscar, acaba ganhando um plot totalmente fora do contexto da série e o seu desfecho acaba sendo pior ainda. Enquanto, particularmente, gosto do personagem, para a trama ele não possui relevância alguma e o crescimento que ele acaba ganhando na história soa descabido e um tanto quanto, jogado ao vento. Não pude deixar de pensar em Black Rock Shooter no momento em que ele tem uma crise de histeria. E eu ainda estou pensativa sobre a sua forçada [spoilers, selecione pra visualizar >>> e que forçada de barra. Não vejo o porquê dele morrer, se era só jogar a bomba no oceano, ao invés de cair junto com ela] retirada da trama e seu conflito com Fujiko, que no fim não levou a nada satisfatório, além das próprias ações do personagem não fazerem sentido.



Eu poderia ficar aqui apontando vários exemplos pra provar o quão inconsistente foi à escrita de Okada, mas vamos ao que interessa apenas. Enquanto nos primeiros oito episódios temos casos que aparentemente até então, não se interligavam [episódios que eu descrevo como uma montanha russa; enquanto uns foram divertidos e aventurescos, outros eram apenas aborrecedores – Em comum, o fato de nenhum deles trabalharem satisfatoriamente todos seus personagens principais para o grande momento final que deveria ter sido. Algo que só fui entender quando assisti ao episódio final], na sequencia final nos temos uma intricada trama que se propõe a enfim, contar a história de Fujiko.

No fim, tudo é esplendorosamente justificado. Vários acontecimentos de episódios anteriores acabam sendo bem amarrados aqui. Não consigo enxergar nenhuma ponta solta. O problema não é a montagem, mas sim as escolhas. Dai Sato (Eureka Seven/ Ghost in the Shell), embora tenha escrito o competente, mas insosso e mal dirigido, episódio sete, nos brindou com um bom episódio três e o melhor que a série teve: O episódio dez. É o episódio mais viajado e bem montado da série, onde Sayo Yamamoto monta um excelente espetáculo, que além de bem desenhado, é pulsante, nervoso e instigante. Um delírio entre fantasia e realidade, que manteve uma boa harmonia entre melodia, suspense, ação e drama, sem perder o tom, como ocorreu no bom episódio nove. A forma como o Lupin se mexia, se divertia e interagia com Zenigata foi ótimo.

Se no episódio nove temos como destaque a ótima química entre Lupin e [o rude e sarcástico numa dublagem maravilhosa] Jingen, enrolados numa perseguição nervosa com uma então transloucada Fujiko em sequências divertidas, nos três últimos que foram escritos pela Okada, o feeling da série se perde completamente. Foi como um balde de água fria, pois eu estava bem empolgada. Um espetáculo que deveria ser de ação, suspense, diversão e sequências endiabradas, nós temos um roteiro pretensiosamente psicológico. Como se estivéssemos num filme do Satoshi Kon [ou quem sabe, Tarkovski?], onde a trama aparentemente simples vai ganhando contornos cada vez mais complexos, de uma forma alucinada onde o tema é sempre sociologia; uma confusão violenta e instintiva entre o artificial e o autêntico. Ao menos, essa foi à pretensão em Mine Fujiko to Iu Onna, que não passou de uma experiência frustrante.

[Ah, esse aqui foi um bom momento do episódio 13]
Homens-coruja que sim, possuem toda uma simbologia [corujas representam o conhecimento e o mistério] dentro da trama, mas que neste contexto acabam dando mais é sono, além de soarem fora do lugar. É uma tentativa pós-moderna de criar algo[ pseudo-cult] bonito e sofisticado, onde aquelas corujas que observam Fujiko de forma repetitiva, dão um apelo artístico à escrita e hipoteticamente elevam o aspecto da grande reviravolta da história. Mas não funciona, porque não é uma história típica do Ikuhara [que sabe o que faz, sabe criar harmoniosamente tensão e humor na mesma série]. Se no episódio dez, toda aquela viagem, onde Lupin encontra uma versão criança da Fujiko, e todo aquele aspecto artístico parecia pretensioso, a direção eficaz e a “ação” acontecendo, não deixavam isso se tornar um incômodo.

Já no episódio treze, nos temos boa parte do episódio onde é explicado à lá Sherlock Holmes, todos os detalhes do intricado enredo, as reviravoltas e como tudo isso se amarra na revelação final. Nada empolgante. Envolvente. Ou contagiante. Um saco. Apesar de tudo se encaixar, o Deus Ex-Machina usado por Mari Okada me cheira a ferramenta barata de roteiro [que é sua especialidade, verdade seja dita. Em Ano Hana funcionou. Em Fractale foi aquela coisa] para sustentar sabe o quê? A inclusão das malditas corujas na reta final. Imagine algo assim: “Preciso de algo contundente para essa reta final da série, uma grande reviravolta que na verdade é só uma farsa, porque a verdade sempre esteve lá.” – Verdades, afinal, Mine Fujiko sempre foi Mineko Fujiko. A autêntica. A que não busca subterfúgios como justificativa de seus atos.



Tudo se encaixa, é verdade. Mas não deixa de ser inconsistente a forma como Fujiko é representada na fase final [levando em conta o Deus Ex-Machina], de personagem forte, a uma garotinha fragilizada que necessita da ajuda de um homem para se levantar, enquanto o restante do anime mostra o exato contrário [novamente, levando em conta o Deus Ex-Machina]. E assim, é respeitada a origem da personagem. O que me faz pensar que eu fui completamente trollada com um roteiro meia boca e sutilmente mentiroso, tirado diretamente da bunda da Okada. É como um tapa na cara do espectador de Mine Fujiko. A série é constantemente comparada como influenciada pela franquia James Bond. Aqui, a Fujiko assume o controle e de uma personagem estereotipo fetichista de uma época (ela pode ser uma ótima personagem, forte e com personalidade, mas ainda é um estereotipo, um personagem arquétipo) onde representa o papel de última integrante em nível de relevância do bando, passa ser o próprio James Bond. A personificação da fantasia de ambos os sexos. Acaba sendo decepcionante e sente-se como que todo o desenvolvimento da personagem nos 12 episódios anteriores, não passou de punhetação, afinal, pra quê serviu se ela não conseguiu nem se safar sozinha do maior conflito de sua vida?

Mine Fujiko to Iu Onna se destaca pelo bom e criativo storyboard. Mesmo quando a escrita pudesse soar um pouco confusa ou menos inspirada, houve ótimos momentos onde a narrativa visual garantiu altos pontos no conceito de audiovisual da série. O episódio cinco, escrito por Shinsuke Onishi, foi um espetáculo e sem dúvidas, um dos melhores momentos da série. Os personagens estavam expressivos, sequências criativas e que consegue te transportar para um universo mágico e repleto de perigos capsulados por uma animação bem sólida. Aquela coisa de aventura na areia do velho Egito.


[Outro ótimo momento, do mesmo episódio 13, pena ser alguns segundos]

Falando da parte de áudio, Shinichiro Watanabe como produtor musical fez um excelente trabalho. O jazz se parece mais com jazz aqui, sem muitas firulas. Aliás, não sou grande fã do gênero, mas aqui, acabou se mostrando muito superior a Sakamichi no Apollon. Tem um tom de acidez e selvagem, diferente do que ouvi em Sakamichi, e que complementou muito bem o que se via em cena. Destaque também para a ótima dublagem e trilha sonora como um todo.

Se a animação é apenas algo na média para o padrão atual de animação, a arte é excelente. Apesar de Lupin casar melhor [pelo próprio feeling do original] com a arte disforme e carismática de Monkey Punch, aqui o character designer se mostra muito mais elegante e refinado, do que na série clássica. Mas na tentativa de capturar o mesmo feeling clássico de Lupin, ainda que comedido, o sombreado sobre o filtro aplicado [fazendo com que o forte traçado estilizado pareça que foi desenhado a lápis] no lugar do cel shading tradicional, acaba prejudicando a narrativa visual em alguns momentos, como visto no episódio oito, onde várias sequencias parecem recortes + colagens. Em estática é lindo, em cenas que não exigem uma narrativa mais ágil é ok. Agora, quando precisa se movimentar, ai complica, como visto no mesmo episódio oito onde Goemon salta do avião e corta tudo com sua katana. Com esse tipo de arte, se requer um pouco mais de tempo de produção e um orçamento maior que o normal para uma produção de anime para TV. Vale lembrar também, que o anime se aproxima muito de tipo de animação [a arte, execução e feeling] que o Ikuhara é mestre, que é emular o estilo shoujo em sua narrativa audiovisual.


Se você chegou a assistir clássicos do shoujo da década de 70/80 como Rosa de Versalhes,  Onisama-E.., Ace o Nerae! (esse eu estou assistindo ainda), Mine Fujiko to lu Onna possui o apelo melodramático, a sensibilidade, a narrativa romantizada que era típico dos shoujos dessa época. Storyboard, pequenos detalhes na arte, angulações que dão um sentido mais intenso para a expressão da personagem. O episódio quatro, do fantasma da opera, juntamente com o episódio seis, onde tem a escola exclusiva para garotas e possui todo aquele subtexto lésbico. Tá certo que foi escrito e dirigido por duas mulheres. Mas o ponto é que isso foi feito pensadamente, incluindo ai as inúmeras referências, ao qual só me darei ao trabalho de mencionar o Oscar, que não apenas é um personagem pensadamente para o público feminino, como também é referência obvia à Lady Oscar. Claro que esteticamente, é bem mais sútil do que o Ikuhara costuma fazer. Mas o feeling, é o mesmo. Daí se explica, o fato da série parecer tão atrativa aos olhos femininos. 

Lupin vale pela arte e alguns bons momentos de lucidez, mas assim como Tasogare Otome X Amnesia, é algo sem muita substância, que apela para efeitos artísticos pra camuflar o [fraco] roteiro.

Nota: 06/10
Direção: Sayo Yamamoto
Roteiro:Dai Sato (epsódios 3, 7, 10)
Itsuko Miyoshi (episódio 2)
Junji Nishimura (episódio 8)
Mari Okada (7 episodios)
Shinsuke Onishi (episódio 5)
Estúdio: TMS Entertainment
Episódios: 13
Ano: 2012

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Surpresinha. Eu adorei essa sequência, então tinha que rolar um flood de imagens.