“E se Deus fosse um de
nós? Apenas um desajeitado como um de nós. Apenas um estranho no ônibus. Tentando
fazer seu caminho de casa. Se Deus tivesse um rosto, com o que seria parecido?”
Quando eu tinha uns 09 anos, eu adorava sentar em frente à
MTV e ficar assistindo clips musicais. Era divertido, mesmo que a música invariavelmente
não me dissesse nada. Numa dessas, ouvi One of Us da Joan Osborne pela primeira
vez. E de certa forma ficou marcado porque do meu lado estava o vizinho que era
minha paixãozinha platônica, e ele começou a me contar uma pressuposta história
por trás dessa música, de que a Joan realmente havia encontrado com Jesus num
estado de quase morte. Nunca fui atrás pra procurar saber, mas a letra fala
sobre isso; “se você desse de cara com ele
e toda a sua glória? O que você perguntaria, se você pudesse fazer apenas uma
pergunta?”.
Já pensou uma versão materializada do Rei Midas, que
transformava tudo o que tocava em ouro? Imagina a geniosa Afrodite no meio de
nós, ela seria uma mulher de muitos amantes? A garota de programa mais
requisitada da agência, enlouquecendo figuras politicas? Ou essas divindades
seriam apenas meros humanos relaxados em seu apartamento alugado com as contas
vencendo uma a uma, como Buda e Jesus em Saint Young Men (originalmente Saint Oniisan)?
Jesus Cristo e Siddhartha Gautama (Buda), fundadores do cristianismo e do budismo, trabalharam initerruptamente
para o bem da humanidade durante centenas de anos, salvaram o planeta do caos durante
a transição do ano 2000 e como as leis divinas não dão direito à carteira
assinada e férias remuneradas, obviamente eles acabaram adoecendo. Sendo
obrigados a tirarem férias forçadas, o local escolhido é a terra, mais
precisamente Tóquio.
Saint Oniisan é uma comédia gag full-throtle extremamente absurda
e hilariante da mesma autora do louco Arakawa Under the Bridge (que também recebeu adaptação em anime,
pelo Shaft). Tá certo que comédia é algo muito subjetivo, mas Saint
Oniisan tem um humor refinado e ao mesmo tempo despirocado, que fala sobre coisas
tão cotidianas que é difícil não se identificar e rir nervosamente enquanto assente
com a cabeça – Poucas vezes eu ri tanto lendo um mangá (eu sou bem chata com comédias. Este e Yankee-kun to Megane-chan são
os únicos mangás do gênero gag que leio e choro de rir).
Hikaru Nakamura fez um brilhante trabalho de pesquisa e
adaptação dos conceitos místicos e das divindades, tornando a série muito assertiva
com relação a fatos do cristianismo e budismo. O
melhor exemplo é como ela representa Jesus e Buda. Na fé cristã, Jesus nasceu
como um homem humano, juntamente da divindade, para perdoar os pecados da
humanidade. E o Jesus da Nakamura é incrivelmente humano (uma característica que você irá notar, e que é muito comum em séries
humor e biografias/dramas, é a forma como o artista maximiza os pontos de
destaque de cada figura que representa, ou simplesmente os inverte. Tudo se
torna maior e mais grave) e um pouco despreocupado, se parecendo mais com um
ícone de glam-rock vestindo camisetas com slogans.
Jesus tem um apelo mais jovem, dificuldade de controlar seu
hábito de comprar coisas, enquanto Buda o repreende por não poupar o dinheiro
do aluguel (Buda representa a sabedoria,
afinal de contas, então é o mais maduro aqui). Jesus também é dono de blog (!) de relativo sucesso na internet.
Sim, ele é blogueiro e passa o dia praticando o blogging. Ele analisa novelas (os doramas japoneses), comentando os
episódios assim que são lançados na internet. Ele é muito amado na internet e
conhecido por ser amável com todos os seus leitores (ele diz que é uma técnica usada por blogueiros, que respondem os
comentários de todos que postam no seu blog, incentivando os a comentarem mais
e mais – HUEHUEHUE Parece tão verídico. NHAM NHAM desculpem por não sair
respondendo os comentários de todos, mas eu leio tudo, continuem comentando
u_ú), até mesmo com Judas Iscariotes. A dependência de Jesus para blogs
pode ser explicada logicamente pelo fato de ser uma manifestação de que
historicamente ele estar sempre rodeado de seguidores e ser popular.
Jesus e seus probleminhas com milagres. MORRI HUEHUEHEUEHUE -- essa foi fácil de pegar né? Essa é uma das passagens mais emblemáticas da Bíblia. |
Buda, por outro lado, é representado como mais sério e a
figura mais madura da dupla, por toda a sua história de peregrinação e
desprendimento mundano para alcançar a sabedoria. Ele sempre demonstra tristeza
pelas pessoas o retratarem em estátuas e ídolos pequenos. Certa vez ele murmura
deprimido “Eu deveria ter proibido imagens de escultura”.
Nakamura as veze transforma sua sabedoria em tolice e
ingenuidade, com Jesus sendo o mais safo da dupla. Fiel à doutrina budista,
Buda está sempre repreendendo Jesus pelo seu desleixo e luxúria, gastando os subsídios
em coisas supérfluas HUEHUEHUEHUEHEUHEU PQP.
A série é repleta de referências culturais, místicas e
religiosas. Se você for um completo ignorante no que tange à religiosidade
cristã e budista, muito do impacto do humor acaba se perdendo, afinal, como
você vai achar graça de uma tiração de sarro de algo que nem tem conhecimento?
Vai passar batido e é isso ai. Por exemplo, há uma sequência (inclusa no primeiro OVA), onde os
animais querem se sacrificar porque Buda e Jesus estão morrendo de fome. A
história real de Buda tem inicio justamente nesta icônica passagem.
Nakamura tem um senso de atenção aos detalhes e técnica
narrativa tão apurada que o turismo de Jesus e Buda por Tóquio é algo capaz de
tocar a qualquer um que tenha o mínimo de conhecimento religioso (ah, vá, mesmo em lares ateístas, é difícil
não ter conhecimento acerca de preceitos bíblicos, principalmente) e vive
uma vida repleta de infortúnios. Comparativamente à Arakawa under the bridge, Saint
Oniisan é muito mais acessível ao grande publico, e seu mangá publicado desde
2006 nas páginas da revista seinen, Morning Two da Kodansha, é uma grande
sucesso de crítica e de vendas no Japão. Claro que diversos prêmios como “Short
Work Prize” e “Tezuka Osamu Cultural Prizes”, acabam elevando o seu status, mas
não se trata de propaganda enganosa, realmente se trata de uma série classuda.
Acontece que mesmo Saint Oniisan sendo mais acessível que a
obra anterior da autora, sua temática assusta os conservadores. Mas o que ela
faz com um tema tão espinhoso como este, é de fazer arquear as sombrancelhas.
Estamos diante de uma excelente artista, e as vendas expressivas para um mangá
como esse, fazem justiça ao seu talento.
Essa velha é os diabo, muito zica!!! KOPSODKAPDOKAD |
Assim como os sitcons americanos, Nakamura visa com essa
obra, tecer uma sátira à costumes culturais dos habitantes do arquipélago,
utilizando dois dos maiores expoentes religiosos inseridos naquele cotidiano
mundano para criar diversas situações absurdas, deixando a série com um
diferencial bem atrativo, além das criticas acabarem sendo mais suavizadas com
um humor leve que o dos sitcons americanos. Oiisan caminha em trilhos muito
tradicionais.
Saint Oniisan ganhou 2 OVAS de 26 minutos recentemente (o primeiro já foi comercializado juntamente
do último volume do mangá que saiu, o oitavo) e um longa metragem que está
para ser lançado nos cinemas japonês no próximo mês. A produção do estúdio A-1 Pictures, mesmo que econômica, artisticamente está deslumbrante. As linhas mais
grossas na animação e o visual hiper color, se assemelha muito ao estio visual
da série em mangá. Fora que a animação estilizada e com o bom uso do CG, que é usado discretamente, fazendo o 2D se sobressair, é um charme à parte. Mas o que rouba a atenção, são as atuações dos dubladores, que já soariam cômicos apenas com suas entonações. Destaque para a veterna Reiko Suzuki, que faz a vizinha chata. Em tempos onde tudo parece muito repetitivo, Saint Oniisan é
um sopro bem refrescante, pena que o filme demorará pra chegar por essas
bandas.
Avaliação: ★ ★ ★ ★ ★
Autora: Hikaru Nakamura
Ano: 2007
Volumes: 08
Adaptação: OVA, 2 volumes
Estúdio: A-1 Pictures
Ano: 2013
Jesus quando está muito feliz, sua coroa de espinhos floresce, e a careca de Buda brilha quando ele fica diante de situações de muito virtuosismo |