quarta-feira, 3 de julho de 2013

Nekomonogatari Black (2013): Família Tsubasa


Tsubasa Hanekawa refletida sob outra ótica, que não aquela anterior.

Este artigo possui spoilers. E está extenso, leia ouvindo música ou tomando algum chá. Grata.

Aquela garotinha bonita, quietinha, estudiosa, que pouco fala sobre si, mas está sempre ostentando um enorme e disposto sorriso na face; você sabe realmente quem ela é? Como ela se sente? Seus pensamentos mais obscuros? Que aquele sorriso não representa toda sua vida? Se aquela pessoa convencida, descolada e articulada na verdade sofre de uma terrível insegurança?  Não sabemos. Não tem como saber, a não aquelas pessoas mais próximas. Talvez somente sua família. Costuma se dizer que ninguém conhece os defeitos de alguém tão bem quanto sua família, e que sua família não conhece tão bem sua virtudes quanto alguém de fora. Todos carregamos uma máscara, conscientes ou não. Seu comportamento [modo de se vestir, de falar, de se portar publicamente] ou seus pensamentos mais íntimos que você não permite passar da boca para fora inerentemente irá criar esta mascara e criarão imagens pré-concebidas suas. Quem nunca passou por algo assim, de alguém se surpreender com um palavrão dito, só porque você passa uma outra imagem?

Se revelar no mais profundo intimo, é se despir. Em Nekomonogatari compreendemos Hanekawa através de um contraponto. Quando seus conflitos chegaram num aspecto psicologicamente sufocante, ela encontrou uma válvula de escape em que pudesse descarregar todas as suas frustrações e estresse, distante daquela fachada limitadora. Ela se despe desta casca conservadora, que lhe impõe aspectos de fragilidade, de submissão, de sorrisos plásticos e posturas de boa moça impecável. Como Black Hanekawa ela é livre, descarada, sem papas na língua e é quem domina e mostra as garras desta vez.


Nekomonogatari é sobre os nove dias durante o Golden Week em que Arararararararagi Koyomi-oniichan (Hiroshi Kamiya) precisa lidar com Hanekawa Tsubasa (Yui Horie) possuída por um kaii que se descobre ser o gato branco sem cauda morto por atropelamento que os dois haviam enterrado anteriormente. Algo que parecia trivial, se transforma em mais um jogo subversivo em que a menina se transforma num monstro e Araragi é aquele homem que elas desejam que venha lhes salvar. Este arco se coloca cronologicamente entre Kizumonogatari (O inicio das crônicas sobre monstros que possuem belas garotas, prometido como filme pelo estúdio Shaft e que só Deus e Akiyuki Shinbo sabem quando irá sair) e Bakemonogatari (Bakemonogatari: Uma Sátira ao Gênero Harém?). Como se nota, há muitos flashbacks interligando os eventos deste arco com os ocorridos em Bakemono, além de passagens que só poderemos conferir em Kizumono. Nekomono Black fora lançado na virada de 2012 para 2013 como um especial longa metragem de cerca de 1 hora e 40 minutos na virada de ano e lançado posteriormente em formato de DVD/BD (aka, OVA’s).

Navegando casualmente no Pivix, encontrei essa montagem feita por um membro de lá, que ilustra exatamente o que eu penso sobre a visão de Shinbo com relação à Hanekawa. Fora isso, a interpretação do afresco é um bônus muito bem vindo. Por isso traduzi, é só clicar na imagem para ampliar.

Há um ponto em comum entre santidade e luxuria – Hanekawa, ao menos na visão de Shinbo, se assemelha em perfeição a Jesus. Uma perfeição que fere a ela e a seus familiares; afinal, eles são os únicos que conhecem a Hanekawa despida de qualquer casca por serem aqueles que convivem com ela a maior parte do tempo. O maior opositor da santidade é o corpo, que simboliza os pensamentos mais promíscuos e degenerados quando fetichizados ou despidos. Supõe-se então, desde os tempos primórdios, que a mulher deve se vestir “adequadamente” em recintos sociais para que não atraia pensamentos maliciosos. Um pensamento que atende pelo estilo de roupa conservadora de acordo com cada época. A densa história dos Borgia no período mais negro do vaticano retratado por diversos autores desde então, denunciando a podridão da monarquia; os autores franceses Flaubert e Baudelaire que escandalizaram a sociedade francesa ao expor a depravação em oposição à repressão dos conservadores; a ode de poesia maldita do conde de Lautréamont ao culto à satisfação da dualidade amoral, seguindo o mesmo refrão do hino à beleza corrompida de ‘As Flores do Mal; a antítese de castidade e promiscuidade de Marquês de Sade; etc e etc. Autores que se empenharam em esfregar na cara da sociedade sua hipocrisia.

Tudo isso foi para chegar neste ponto: houve um tempo em que os homens andavam nus sobre a terra, mas tão logo a decadência fez com que se escondessem de vergonha um dos outros, em que corrompidos, não aguentariam olhar para a pureza do outro, sem se sentirem agredidos e provocados (é com base neste conceito, em que os deuses são descritos como entidades que andam e interagem uns com os outros, nus). Nekomono Black faz esse paralelismo entre castidade/pureza e luxuria como duas faces da mesma moeda (e de fato, a pureza infantilizada atrai a luxuria. Muitos costumes culturais hoje tidos como comuns nasceram deste inconsciente desejo). Eu não a conheço o suficiente para dizer que Hanekawa esconde seu verdadeiro eu, mas posso dizer que ela o resguarda/protege sob a fachada de uma comportada e simpática representante de classe. Em uma determinada cena, onde Hanekawa conta sobre os maus tratos que recebe dos pais, ela continua agindo como uma boa moça, ainda que não diga uma mentira sequer, apenas praticando a omissão. Na sequência, Shinbo mais uma vez, usa de muitos simbolismos para contextualizar e auxiliar a interpretação. Hanekawa e Araragi estão andando, com ela lhe contando sobre o caso, enquanto lhe permite acesso às informações; se mantêm atrás. Quando chega num ponto em que ela não permite mais acessos ao seu intimo, o ultrapassa e se distancia, com os faróis de um carro [que anteriormente piscavam em amarelo] piscando em vermelho, indicando perigo. Você vê. É Hanekawa fugindo e se afastando do que a aflige de qualquer chance que alguém possa ter de descobri-la. Quando Hanekawa enterra o gato, não é porque sente pena, ela o faz mecanicamente, seguindo um protocolo comportamental, mas sem quaisquer sentimentos. O gato para ela é como se fosse um objeto qualquer fora do lugar, o que expressa sua frieza, embora quem a observe terá a ideia errada. Sua bondade, os conselhos que emite em Bakemono, apesar de não ser dito claramente, é Hanekawa representando um papel que mascara seu verdadeiro eu, pois ela sabe que todos teriam a mesma reação inicial que a de Araragi ao descobrir que não havia bondade alguma naquele gesto de enterrar o gato. Então quando questionada, ela apenas esboça um sorriso com alguma evasiva. Ela não mente, mas se omite.


Assim sendo, nada melhor para representar esse caráter dúbio de Hanekawa que a imagem popular que a sociedade tem dos gatos (ainda que não represente a verdade): cínicos, falsos, frios, rebeldes, indomáveis, elegantes, atraentes, manipuladores, graciosos e selvagens. Mostra-se como verdadeiramente é, uma pervertida (não apenas na conotação sexual, mas de degeneração moral também segundo a ótica da sociedade). Como Black Hanekawa, ela até mesmo mostra seu amor por Araragi, algo que nunca colocou antes em palavras. Como já de praxe, descobrimos que tudo não passou de uma farsa. Hanekawa sempre esteve no controle, reforçando a necessidade que todos possuem de utilizar máscaras, seja para si próprio, ou para os próximos. Como já dito algumas vezes durante as Monogatari Series, kaiis são monstros que refletem o verdadeiro espirito da pessoa possuída, “E assim começou a história de kaiis criando kaiis” – podemos ler como pessoa criando seus próprios monstros (Nos perderemos entre monstros da nossa própria criação, já disse um grande poeta).

Isso nos leva à “Então, não vai mesmo, ser meu herói...”, um lamento de Hanekawa.  Araragi está disposto a dar sua vida pela da neko, mas não a dar lhe seu amor romântico. Em interação prolixa com Tsukihi ( Yuka Iguchi -- algo muito bem vindo em um dos melhores diálogos de Nekomono Black, tendo em conta que em Nisemonogatari é Karen -- Eri Kitamura -- quem rouba os holofotes), fora o jogo subversivo de fetiches incestuosos, a retorica dos irmãos sobre o amor baseado em luxúria e o romântico é o que define essencialmente Nekomono Black. A todo o momento há um link com Bakemono, mas é na interconexão com Nisemono que enxergamos claramente a relação de Araragi com Hanekawa e Senjougahara (Chiwa Saito).


Em Nekomono, Araragi afirma “só ela pode salvar a si mesma”, em relação à Hanekawa. Em Nisemono, é a vez de Oshino dizer para Araragi o mesmo que ele lhe havia dito em Nekomono, com relação à Senjougahara. Porém, o roteiro subverte a vontade dele, com Senjougahara superando por si própria o seu problema [narrado em Bakemono] e Hanekawa é quem acaba salva por sua intervenção. O que podemos tirar disto é a vontade de Araragi em ser o príncipe que Senjougahara queria e o amigo que Hanekawa precisava ao lhe dizer não, mas estender a mão em auxilio a um mal que ela não poderia superar sozinha. Para Araragi, Hanekawa é superior à Senjougahara em todos os sentidos, então, por quê? Por uma ótica fria, Araragi sente que com Senjougahara, ele pode fazer o jogo até onde ela quiser, enquanto se mantém no controle absoluto, o que não aconteceria [e não acontece] com Hanekawa. Senjougahara, a despeito de toda a pose que ostenta, é dependente e carente, teoricamente tudo o que um homem mais aprecia numa mulher, enquanto ele sente que Hanekawa é autossuficiente.  Romanticamente, você pode olhar como os sentimentos de Araragi por Hanekawa sendo muito mais intensos por transcender o sentimento romântico, sendo a amizade um sentimento muito mais forte que o amor carnal. Com Senhougahara ele pode jogar o jogo do relacionamento romântico e interpretar papéis.  Novamente, é algo calculado, com a neko-chan esse jogo seria complicado, mas o amor romântico é uma fruta que se faz melhor saboreada quando madura, logo, os laços entre os dois se tornarão cada vez mais sólidos e sinceros.

Nisio Isin faz em Monogatari Series um astuto desenho do pensamento médio japonês por uma ótica objetivamente masculina, e eu nem acho que se restrinja ao pensamento otaku. E sua relação... Hmm... Com as garotas do seu harém, embora toda a extravagância é bem comum; seu relacionamento oficial é com a mulher ideal, o que não impede que flerte com os outros arquétipos dos sonhos do homem japonês – a lésbica, a loli, a yandere, a peituda, dominadora e etc. Claro, há um jogo subversivo, e é este criativo uso das linguagens aliados à parafílias/fetiches otakus que faz de Isin um autor fora de série.


Bem, falei tanto que nem sobrou espaço para comentar do corpo maravilhoso da Neko Hanekawa (assim como os cabelos, lindíssimos) e suas lingeries estimulantes. Nekomono Black faz um misto da narrativa de Bakemono com Nisemono. O ritmo é mais lento e mais casual que em Nise, se aproximando mais da direção artística de Bake, com estética lúdica que faz muitos usos da emblemática artwork característica o estúdio Shaft, vulgarmente chamados de “slides show”, em oposição à animação bem polida e frenética de Nise.  Assim como essa série leva a marca que Shinbo impôs para as Monogatari Series; letreiros, os cortes abruptos de câmera, as alternâncias de estilo artístico, as diversas referências à cultura pop (dessa vez foi com ‘As Meninas Super Poderosas’ e um repeteco com o Joe do amanhã, Ashita no Joe) e o uso diverso das cores e a iluminação para subliminar o emocional em determinado contexto, e claro, as geometrias exóticas minimalistas na construção do cenário como artificio sacana para poupar grana e ainda soar cool – Shinbo é mesmo um discípulo da velha escola.

Nekomono ainda traz muitos dos solilóquios e diálogos espirituosos (com Tsukihi e Hanekawa na parte final, são os momentos altos). De um modo geral, eu acredito que esta série soube utilizar o fanservice de um modo igualmente criativo ao de Nise, mas sem soar agressivo (o que é irônico, afinal, tem uma garota gostosa andando de lingerie em poses provocantes por boa parte do tempo). Aquela coisa soft porn, de trabalhar a perversão e tensão sexual, de acordo com o imaginário. Desse modo, você mostra uma calcinha preta rendada, o bico de um seio estrategicamente sob um objeto, as marcas da roupa intima sob a vestimenta tradicional e assim, estimulando a mente. Eu tenho certeza que muitos dizeres em forma de brincadeira sobre fap envolvendo as garotas de Monogatari, são de fato executadas de modo hardcore, LOL. Enfim, a montagem de Nekomono é envolvente (o modo como se vincula à Bake é sensacional), mas foi um prologo que não me instigou tanto quanto anteriormente, provavelmente por ser um material bem mais simples e direto ao ponto. Que venha Nekomonogatari White. 


Nota: 07/10
Direção: Shinbo Akiyuki, Tomoyuki Itamura
Roteiro: Shinbo Akiyuki, Fuyashi Tou
Estúdio: Shaft
Produção: Aniplex, Kodansha, SHAFT

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