domingo, 10 de novembro de 2013

Dragon's Heaven (1988) – Um Brasil que não é o Brasil

Alimentando a curiosidade e voltando no tempo para a década dos OVAs! 
O ano é 3195 d.C., a humanidade se desenvolveu de maneiras inimagináveis até chegar o ponto de eclodir um guerra entre um exército de robôs rebeldes e a humanidade – e não, não é Blade Runner, heh. Em meio a essa guerra, Shaian (Iemasa Kayumi), um mecha senciente projetado para ser o apoio dos humanos na guerra contra os robôs revoltosos, acaba perdendo seu companheiro de batalha e ficando inativo por um longo período, enterrado em algum lugar de um deserto. Passados 1.000 anos, os circuitos de Shaian se reestabelecem ao detectarem a presença dos seus inim-, quer dizer, de uma bela, mas geniosa garota que entende bastante de mecânica. O maior temor de Shaian é seu arque rival, El Medine (Kei Tomiyama), que ainda se encontra operando. Logo, ele faz parceira com a garota que o despertara de seu sono, Ikuuru (Yuko Minaguchi), para que ela se torne sua piloto contra El Medine.
Em circunstâncias comuns eu acredito que jamais teria assistido a este OVA, mas como amante de vintage, o belo character designer me chamou atenção e ao rolar os olhos superficialmente pela descrição, li “Brasil”. Acontece que o cenário distopico da história é uma terra chamada Brasil. Nos primeiros minutos do OVA, enquanto rola uma abertura live action de garage kits com modelos de animatrônicos, simultaneamente letreiros situam os expectadores do contexto da trama.

Dragon's Heaven é fruto do boom dos OVA’s nos anos de 1980, onde uma quantidade enorme de mangás começaram a receber adaptações em OVA’s, cobrindo alguma parte de sua história e ficando nisso, geralmente. E com Dragon's Heaven não foi diferente, embora o processo tenha sido curioso. Seu diretor, Makoto Kobayashi, também é o autor da obra original. Makoto Kobayashi apesar de seu envolvimento em séries conhecidas como Space Battleship Yamato e Gundam series, seu nome é muito restrito aos fãs de mecha e comunidade de modelagem.

Mesmo sem a popularidade de um Shoji Kawamori, mesmo eu que não caio de amores por mechas, não pude deixar de notar os quão lindos e detalhados seus projetos são. Eles têm algo de sobrenatural e orgânico, com uma perspectiva angular que se distingue de mechas atuais, se assemelhando mais àqueles primeiros mechas que não respeitavam muito a lei da robótica, falavam e tinham habilidades quase magicas. Os mechas de Dragon's Heaven, pra todos os efeitos, respeitam o mínimo da lei da robótica, sem habilidades mágicas, embora se comportem como seres humanos. 
 
Nos primeiros segundos é possível que notar que, como a maioria dos OVAs desse período, a qualidade de animação é baixíssima, embora a produção desempenhe um papel fundamental em lançar um olhar artisticamente belo através do cenário, desenho de mechas, personagens e layout. As paisagens empoeiradas e sujas, em uma paleta de cores quente, ao lado do desenho de mechas que dão a impressão que vão se desmontar a qualquer momento, é um verdadeiro show pitoresco. O cenário é tão incrível com seu design artesanal retro futurístico que faz lamentar a qualidade baixa da animação e imagem. O esboço granulado do deserto árido a se perder de vista é algo inusitado, e não poderia ser diferente, já que foi inspirado diretamente no estilo único do magistral Jean Henri Gaston Giraud (1938 - 2012), também conhecido como Moebius, que tanto inspirou artistas japonesas naquela década.
Outra coisa que chama a atenção é a adaptação do character design original de personagens humanos de Kobayashi por Toshihiro Hirano, que ficou simplesmente belíssimo. A loira Ikuura é a típica garota de animes dos anos 80/90 e é uma espécie de par romântico para Shaian, ou seja, para o telespectador masculino da época naquela clássica combinação tecnologia + mulher. 
Infelizmente, apesar da beleza não convencional do OVA de Dragon's Heaven, a história uma porção de remendos sem substância dramática e uma progressão anticlimática. Como resultado, os momentos de tensão são fracos e superficiais, assim como a amizade entre Ikuuro e Shaian. Está mais como um pequeno fanservice para os fãs do gênero e divulgação do mangá. O OVA soa como um grande videoclipe, a trilha sonora oitentista ao fundo permeando todas as ações denuncia. Provavelmente um achado para os fãs hardcore.

Ah, sim, o Brasil não é exatamente uma referência direta ao nosso país. É uma referência indireta, uma vez que Makoto Kobayashi confessou se inspirar para criar o “Império Brasil” no clássico sci-fi retro futurístico Brazil (1986), de Terry Gilliam, que faz uma referência indireta ao Brasil ao selecionar a música Aquarela do Brasil como trilha sonora do filme. Aquarela do Brasil, composta por Ary Barroso (1903 – 1964) em 1939, é considerada um hino informal do nosso país e lá fora é conhecida apenas como “Brazil”. Segundo Terry Gilliam, se inspirou na música como titulo e tema do filme por considera-la a mais adequada por ressaltar o ambiente fantasioso que é criado nas ilusões do protagonista. A história do filme se passa numa sociedade que é controlada por uma organização monolítica, regendo o país com regime ditatorial, fazendo com que os cidadãos levem uma vida paranoica de extremo controle da liberdade. 
Acho esse pôster genial! O personagem com asas saltando de uma gaveta de arquivos e o nome da nossa Aquarela como título contextualizando a ideia. 
Burocrático, tecnocrata e autoritário e com um governo que some com pessoas e os tortura fisicamente, Brazil conta fabula de pessoas confinadas em apartamentos minúsculos e sufocantes, com tubos passando por todos os lados, exigindo dezenas de papéis para fazer as coisas mais simples.

Com inspirações de 1984 de Orwell e Metrópoles de Fritz Lang, traz a história de um personagem atormentado pela rotina sufocante e restritiva, que encontra por meio de fantasias escapistas, uma forma de escapar para um Brazil de sonhos e liberdade. Ele sonha com este Brazil diferente até mesmo sentado numa cadeira de tortura. Não por acaso, a ufanista Aquarela do Brasil é descrita pelo próprio Ary Barroso como uma forma de libertação. Fala tanto de um Brasil idílico que acaba por retratar um Brasil dos sonhos, desfocando-se da terrível realidade daquele momento. Então, mesmo que não tenha sido uma referência direta, é interessante ver que o conceito se manteve e que, é irônico como a narrativa de Brazil parece de fato tratar da realidade do Brasil não só daquela época, mas que ainda perdura através de suas imensas burocracias que retardam tanto o andamento das leis. Mas principalmente na época do regime ditatorial, na forma displicente e violenta como o governo militar tratava a população, cometendo diversas injustiças jamais reparadas. Ao ver o protagonista na cadeira de tortura escapando para suas fantasias de um Brazil que reside em seu interior, é difícil não fazer uma ligação com tudo o que ocorreu por aqui. 
Enfim, certamente o mangá de Dragon's Heaven deve ter um desenvolvimento bem mais substancial, mas se trata de uma raridade. O mangá surgiu na revista de nicho Model Graphix, que tem como público alvo justamente aficionados por modelos de mechas. Saiu uma versão curta na antologia Robot, de Range Murata, além de outras páginas esparsas no qual dá pra se constatar se tratar de um material incrível.

Trivia:
Para os fãs, a sequência de encerramento com os créditos, de aproximadamente 10 minutos, segue em live action com Kobayashi e seus modelos de mecha de plástico. Na minha versão não veio este encerramento, mas o youtube existe pra isso!

Nota: 03/10
Direção: Makoto Kobayashi
Roteiro adaptado: Ikuyo Koukami
Trilha Sonora: Yasunori Iwasaki 
Estúdio: AIC
Tipo: OVA
Duração: 30 min.
ANN: http://goo.gl/k1PC45
MAL: http://goo.gl/zOzA8O
Onde Encontrar: http://goo.gl/wNNE1M

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