domingo, 11 de janeiro de 2015

Guest Review – Ookami Shoujo to Kuro Ouji: Sobre Romance, Risos e Respeito

Olá, eu sou a Pss do falecido Kotodama Reviews e estou aqui para sugerir uma reflexão sobre o animê Ookami Shoujo to Kuro Ouji.

Já faz algum tempo li posts criticando a atitude de protagonistas de shoujo, como esse aqui do Gyabbo! falando sobre Sukitte Ii na Yo e este do Shoujo Café falando sobre Tonari no Kaibutsu-kun. Sinceramente, concordei em alguns pontos, discordei em outros, mas no geral, acho que é necessário sim refletir sobre o que assistimos e apreciamos.

Antes de mais nada quero deixar claro que vou falar aqui sobre relações abusivas. Não vou falar de violência contra a mulher, porque vejo muitas relações abusivas em animês e isso é prejudicial para os dois lados. Por isso mesmo não suporto tsunderes, por exemplo, porque mesmo com toda a revelação cômica e fofa dos sentimentos por trás das atitudes há agressividade, muitas vezes gratuita, dirigida ao rapaz por quem elas são apaixonadas.
Então vamos lá: Pra quem chegou agora, o animê fala da relação entre Shinohara Erika, uma menina que quer ter um colegial perfeito e por isso mente para as novas amigas sobre um namorado, e Sata Kyouya, que se dispõe a fazer o papel de namorado desde que Erika seja seu cachorrinho. É. Isso aí.

Bom, para começo de conversa não é qualquer mangá que vira animê, então esse já devia ter um sucesso razoável e a divulgação só se amplia com a animação. Mas temos um pequeno problema: O casal tem uma relação bem conturbada e esse é um ideal que se reproduz junto com os shoujos.

Ninguém nasce com um conceito de romantismo e relacionamento ideal já formado, nós temos referências que nos ajudam e, aqui sou obrigada a dizer, principalmente as mulheres são bombardeadas com exemplos desses ideais. Em Ookami Shoujo to Kuro Ouji, o que vemos é Erika se esforçar para ficar com um rapaz que a destrata propositalmente. E aí é aquele show de horror.
Primeiro temos as brincadeiras com relação a ele ser sádico e ela masoquista. Há um engano aqui. O BDSM (Bondage, Dominação e Sadomasoquismo) é uma prática sexual, não um estilo de vida. É algo em que as pessoas sentem prazer em determinados momentos reservados para isso, não algo que elas vivenciem durante sua rotina – os praticantes da RL que eu conheço destoam bastante do que a mídia em geral anuncia. E aliás, Erika não sente prazer, ela não se diverte, ela sofre, chora e se sente humilhada quando ele frustra suas investidas amorosas, uma por uma, de forma cruel.

O segundo ponto é que ela, em seu ideal romântico, se apaixona por ele e – outro grande erro aqui – decide que vai mudá-lo. Vai fazê-lo se abrir e se apaixonar por ela. Ela até protesta, quando sua amiga San lhe repreende por se submeter a tudo aquilo: “você podia pelo menos admirar meu esforço”. Temos aqui tanto o ideal japonês do esforço e superação quanto a ideia de que se você SOZINHO se dedicar, o relacionamento dará certo. Só que relacionamentos a dois não tem esse nome a toa, não é mesmo?

Em terceiro lugar, a forma como ela se envolve com ele é pelo simples fato (ok, também tem o fato dele ser lindo, mas deixando isso de lado) de ele a encantar com técnicas não muito recomendáveis... A mão que bate é a mão que acaricia. Além dele ser rude e depois, de forma aleatória, a tocar ou fazer algum gesto que ela interpreta como favorável em relação a si (e o esforço dela em encontrar esses significados é visível) também há vários momentos em que ele a deixa se expor a situações em que é agredida e humilhada para então ser o príncipe no cavalo branco que a salva, porque, afinal, “ela é dele e alguém mais a maltratar o irrita”.
E nas diversas brigas e momentos em que Erika decide reagir, fica sofrendo (o que é natural após uma briga com quem se gosta) e se perguntando se a culpa de tudo aquilo é dela (o que já não é tão natural assim). Claro que a culpa também é dela, ela decidiu levar a mentira adiante, depois ela decidiu levar o relacionamento adiante, não estou defendendo aqui uma postura irresponsável. Mas essa palavrinha mágica - também – não aparece. E esse aspecto relacional unilateral (sim, isso é completamente sem sentido) exaltado na obra constrói expectativas relacionais muito ruins (um lado só tenta, um lado só falha, e a outra pessoa deixa de existir, é uma relação do um com o imaginado).

Claro, no final ele percebe o valor dela (logo após ela dispensar um garoto completamente agradável que a tratava muito bem, porém tímido e longe do estereótipo homem-problemático-e-desafiador que as garotas aparentemente adoram), um trauma explica seu comportamento abusivo e, para coroar com chave de ouro, a família de Kyouya agradece Erika: “Obrigada por encontrar isso nele.”
Não é lindo, gente? Todo mundo pode mudar e se você se esforçar pra valer sua relação vai dar certo, não importa se a outra pessoa é babaca, se ela te trata com mesquinhez, se ela nem quer estar naquele relacionamento de verdade.

Claro, o garoto fofo também daria muito trabalho a ela em algum momento, e que bom que ela conseguiu entender os motivos dele e a relação deles melhorou, não estou dizendo que é impossível. Todos tem seus motivos, mas as vezes não é um trauma de uma separação, é o modelo de relacionamento que a pessoa escolheu para si e não quer nem vai mudar. As coisas nunca são perfeitas, mas acho importante ressaltar que quando um não quer, dois não fazem nada.

Isso sem contar que todas as agressões (lembrando novamente que o mesmo vale para as tsunderes dos shounens da vida) são piadinhas, aparentemente. Mas o mesmo na vida real não tem a menor graça, e quando as pessoas perceberem, se perceberem, estarão em relacionamentos falidos e se responsabilizando sozinhas por algo que devia ser construído em conjunto. E é por isso que acho Ookami Shoujo to Kuro Ouji e congêneres um desserviço para a humanidade.

A animação é bem feitinha, o chara design é muito bonito, mas a proposta é perigosa. Somos seres de discurso, nele nos apoiamos e a partir dele nos construímos. O que o discurso do entretenimento tem dito a você?

@vulgoPss 

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Pandora, vulgo Pss, escreve no Kotodama Reviews, que apesar de estar fora de atividade, possui diversos artigos muito bons esperando por sua leitura. Como amiga e admiradora de sua escrita, espero que um dia ela encontre mais tempo para continuar se expressando sobre animes.

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