A linda guerreira em roupa de marinheiro que luta pelo amor
e pela justiça
Final de ano as coisas tendem a ficarem bem corridas. Foi o
que aconteceu comigo, e então meio que fui deixando Sailor Moon Crystal de lado.
Foi tempo suficiente para, ao retornar, ter a possibilidade de assistir este
episódio em sua versão final – leia-se, em BD. As diferenças são notáveis. Como
se vê até o episódio 5 pelas inconsistências no character design. Obviamente
isso foi corrigido no BD. A animação não é extravagante, mas é sólida. Se há
algo que se destaca em Sailor Moon Crystal é o seu apuro estilístico, desde o
character design que é uma evolução do original de Naoko Takeuchi, aos fundos.
Umas das coisas mais fascinantes no original eram seus backgrounds estilizados
em 2D, e embora sem o mesmo charme, é agradável encontrar isto numa nova
produção nos tempos de hoje. Há também de se destacar a coloração e a
iluminação, que é exuberante. A transformação das garotas também soou
ligeiramente melhor, especialmente a da Sailor Mercury; os efeitos de água
finalmente olham como se fossem água realmente e não ferro derretido. Claro que
ainda não atinge a graciosidade de uma animação 2D, mas é bonito e decente.
O nome do episódio é “Tuxedo Mask”, mas se trata de um
episódio que traz a tona alguns dos conflitos internos de Usagi – é a primeira
vez que isto se torna evidente e é uma pequena amostra do potencial da
caracterização de Usagi; é admirável ver como uma personagem como ela, uma
boboca, possui um desenvolvimento crescente, pontuando suas camadas, afinal
somos muito mais do que aparentamos, e isto se faz muito presente na Usagi.
Inclusive, é um dos aspectos que eu mais gosto de Sailor Moon Stars, última
saga do anime clássico. Apesar disso, o anime ainda fica muito aquém do nível
alcançando pela Usagi no mangá, e espero que isto venha a ser bem retratado
aqui.
O nome do episódio ser Tuxedo Mask, mas se centrar na figura
de Usagi é um tanto irônico, mas é um reflexo do relacionamento que
desenvolvem e do papel estabelecido por Naoko para ele nesta série. Tuxedo Mask
é um príncipe encantado, um arquétipo idealizado pela mente feminina. Só que,
ao contrário dos filmes de princesas da Disney até aquela época, Tuxedo não é o
salvador, ele é o apoio, e seu papel é mais motivacional – ele também é um
fetiche. Em Sailor Moon, cada sailor é uma princesa, algumas possuem
alusivamente um príncipe, outras; princesas, e tem aquelas que estão sozinhas.
Mas cada uma delas resolvem seus próprios problemas e não precisam de um príncipe
encantado para salvá-las. Elas são fortes e mesmo quando fraquejam, reencontram
na amizade que mantém entre si a força necessária para superarem seus
obstáculos. Assim, Sailor Moon ilustra o zeitgeist (Zeitgeist; se pronuncia: tzait.gaisst. É um termo alemão cuja tradução
significa espírito da época, espírito do tempo ou sinal dos tempos. É o retrato
de uma época de terminada cultura ou característica global) dos 1990, que
com o impacto da segunda onda do feminismo das décadas de 1960 e 70, trouxe
para os anos 1980 e 90 mudanças significativas na representação da mulher no
entretenimento, que encontraria seu ponto alto a partir dos anos 2000.


Esse episódio destaca o aspecto frágil de Usagi, a figura
acolhedora de Tuxedo Mask sempre a incentivando a seguir adiante, e o fato de
ela só conseguir transpor suas barreiras com o apoio de suas amigas de grupo – este
talvez, o que melhor captura a gênese do mahou shoujo, que é a
transposição dos desafios sendo possível apenas com a força e união de todo
conjunto, ou seja, a materialização do poder da amizade. Soa piegas quando
dizemos, mas é bem isso mesmo. Sailor Moon é a responsável pela derrota do
vilão principal, e sendo a menos capaz, ela só consegue este feito depois que
as outras sailors [e algumas vezes Tuxedo Mask] contribuíram para o
enfraquecimento do adversário, permita a deixa para Sailor Moon dar o golpe
final. Dessa forma, Usagi não consegue sozinha, e as outras sem o seu auxilio
também não conseguem.
Essa primeira
fase de Sailor Moon é caracteristicamente mais infantil, ingênua, tola e
voltada mais para a comédia, assim como se dá na caracterização de Usagi, no
entanto a ação respeita a essência de cada personagem. Por exemplo, no original
o Moon Healing Escalation não é usado como um ataque ofensivo, mas sim para
curar com magia as pessoas que foram mentalmente controladas e transformadas em
monstros pelo Dark Kingdom. Ou seja, demonstra a essência de Usagi, detentora
de imensurável poder, mas que é utilizado para curar, trazer amor e
fraternidade, o que é em suma a característica mais pulsante de Usagi – e é por
isso que é a princesa e o Cristal de Prata lhe pertence.
No mangá a beleza dessa mensagem está na sutileza como é
passada. É um detalhe trivial, e muitos poderão argumentar que a essência foi mantida, pois se supõe que a luz refletida pelo cetro de Usagi dissipou as trevas, e friamente é o que ocorre no episódio, mas aqui há todo um tom que faz a diferença, enquanto no original o que ocorre com as forças ocultas não vem a tona, deixando a imaginação fluir e dando força ao conceito de Usagi como uma força, não ofensiva, mas maternal, tornando o desfecho mais maduro, pois a ela não fora dada um poder ofensivamente equivalente ao das outras garotas, mas com um papel tão importante quanto; ela terá que lidar com o fato de que exerce uma posição diferente. Já o anime, simplifica bastante e dilui a força conceitual da mensagem, ao simplificar tudo através de duelos diretores com as Sailors. O apoio de Tuxedo está lá, as dificuldades encontradas pelas outras
Sailors em abater o vilão sem o auxilio de Usagi estão lá, mas não está aqui o
que torne este momento tão mais belo: Usagi sente por não ter o mesmo poder
ofensivo das outras garotas, mas nos é mostrado, assim como Tuxedo salienta,
que a sua característica é outra; está na amor, na capacidade de amar as
pessoas incondicionalmente e trazerem eles para junto de si, e de tirá-las da escuridão,
trazendo-as para a luz. Esse pensamento se completa com Sailor Moon derramando
sua magia sobre a cidade e curando as pessoas, espantando o mal com a sua luz
divina. Esse, que também é o maior poder do Cristal de Prata.


Em Sailor Moon Crystal esta ação perde a sua leveza e
significado com Sailor Moon atacando ofensivamente o vilão, para só depois ir
derramar sua magia sobre as pessoas. Ou seja, essa nova direção trai parte da convicção
da personagem que é ser sim diferente das outras, afinal, o papel das outras
Sailors é realmente o de serem guerreiras ofensivas, pois são guardiãs. Sailor
Moon participa do grupo, mas não é uma guardiã, e sim aquela que deve ser
protegida pelas demais. Logicamente ela se sente impotente e fraca, mas isto é
porque ela ainda é uma criança e só se vê em parte, e parafraseando o soneto
clássico; porque agora vejo por espelho em enigma, mas então verei face a face;
agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido. Ou
seja, ela ainda não se conhece plenamente e nem ao mundo e seus segredos. É
natural que se sinta aflita. No entanto, ao realizar o desejo da personagem
naquele momento, de ter um poder ofensivo poderoso e fazer com que ela derrote
os vilãos enquanto as outras não conseguiram fazer nada a respeito, faz com que
estes conflitos e o significado dela não ser ofensiva, acabe sendo manchado por
um roteiro sem a menor delicadeza de enxergar as coisas como um todo.
Sim, eu me decepcionei com isso. A série em si, tem sido em
parte, decepcionante nos pequenos detalhes.
A narrativa de Naoko em Sailor Moon é péssima, e
completamente amadora – ela mesma confessa que não entedia muito de
quadrinização e o ritmo semanal de serialização de Sailor Moon era intenso.
Ainda assim, ela construiu algo, e foi por este algo, a despeito da sua
capacidade técnica, que Sailor Moon caiu nas graças de todo o mundo. Por
exemplo, algo que é problemático neste anime; o humor e o senso de comédia a
cada quadro que Usagi se faz presente é uma característica marcante na primeira
fase do mangá, e importante para a sua construção a longo prazo, mas que no
anime é ausente – há situações, mas seu potencial é engessado por um storyboard
sem muita vivacidade, mantendo uma visão muito dura e madura demais, quando o
correto seria utilizarem plenamente a comicidade genuína que Usagi provoca em
tudo onde ela participa, as elasticidades nos movimentos dos personagens e a
entrega total ao humor nonsense e infantil, que o anime clássico captura
magnificamente. Sim, isso é importante porque Usagi irá amadurecer bastante no
decorrer da série, ela irá crescer e adquirir responsabilidade.

Então quando voltarmos nossos olhos para trás, fica claro o
quanto ela se desenvolveu, através da sua caracterização, sempre frívola; mas
que então se mostra tão mais consciente, realmente uma princesa. O que acontece
é que a primeira fase é o período infantil de Usagi – a segunda, por exemplo,
se caracteriza por ser uma fase de responsabilidades. A primeira fase são as
tolas fantasias de Usagi se tornando realidade, em que ela se transforma numa heroína
igual à sua Ídolo, Sailor V, mas consequentemente ela não sente todas as
responsabilidades que isto traz; para ela é só algo divertido, ela não está nem
um pouco preocupada com a salvação do mundo, mas apenas se deixando levar. Em
algum momento, no entanto, ela será defrontada, principalmente em relação ao
fato de ser uma princesa e todas as responsabilidades que irão pesar sob seus
ombros, e é ai que entra a segunda fase.
O que eu mais gosto na Usagi, além do seu senso de humor e
companheirismo que a torna um imã atractor, é o fato de a personagem parecer
muito real na forma como se comporta. Apesar do seu altruísmo e bom coração,
ela é gananciosa, folgada, preguiçosa, tapada, interesseira, chorona, sensivelmente
frágil/fraca, meio burrinha e só tem cabeça para romances idealizados e homens
bonitos. Usagi, assim como Ami Mizuno, Rei Hino, Makoto Kino, e Minako Aiko –
pra não citar as demais, é o reflexo real de muitas garotas. No caso dela,
talvez a mais comum naquela época. Todas trazem características muito comuns de
se encontrar por ai. Todas, mesmo a Makoto, possuem aspectos bem femininos.
Juntamente dos seus uniformes de batalha, os acessórios que carregam, as
transformações e seus poderes, refletem a ideia central da série em relação a
feminilidade e poder. Makoto e Usagi se destacam ao trair o paradigma de
feminilidade = fraqueza. Makoto é externamente forte, mas internamente
delicada. Usagi é externamente fragil, mas internamente possui grande força; as
duas possuem pouca convicção, se fazendo necessário que suas amigas levantem
sua estima e façam com que elas se sintam capazes.
Usagi é uma adolescente com problemas de adolescente e com
conflitos de auto-identificação, e ao se tornar uma super-heroína irá aos
poucos se descobrindo. Este episódio ilustra um importante passo nesta direção,
em que ela sentindo que seus poderes são os mais fracos, aprenderá que mesmo
ele possui o seu papel nesta equação e que é a união que faz a força.
Novamente, uma pena a resolução do episódio se distancie um pouco disto.
Temas Relacionados:
-Sailor Moon Crystal Act. 5: O amor Não é Uma Fraqueza
-Sailor Moon Crystal Act. 4: Fantasias Femininas
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