segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Sailor Moon Crystal Act. 6: Desmitificando a Sailor Moon

A linda guerreira em roupa de marinheiro que luta pelo amor e pela justiça
Final de ano as coisas tendem a ficarem bem corridas. Foi o que aconteceu comigo, e então meio que fui deixando Sailor Moon Crystal de lado. Foi tempo suficiente para, ao retornar, ter a possibilidade de assistir este episódio em sua versão final – leia-se, em BD. As diferenças são notáveis. Como se vê até o episódio 5 pelas inconsistências no character design. Obviamente isso foi corrigido no BD. A animação não é extravagante, mas é sólida. Se há algo que se destaca em Sailor Moon Crystal é o seu apuro estilístico, desde o character design que é uma evolução do original de Naoko Takeuchi, aos fundos. Umas das coisas mais fascinantes no original eram seus backgrounds estilizados em 2D, e embora sem o mesmo charme, é agradável encontrar isto numa nova produção nos tempos de hoje. Há também de se destacar a coloração e a iluminação, que é exuberante. A transformação das garotas também soou ligeiramente melhor, especialmente a da Sailor Mercury; os efeitos de água finalmente olham como se fossem água realmente e não ferro derretido. Claro que ainda não atinge a graciosidade de uma animação 2D, mas é bonito e decente.

O nome do episódio é “Tuxedo Mask”, mas se trata de um episódio que traz a tona alguns dos conflitos internos de Usagi – é a primeira vez que isto se torna evidente e é uma pequena amostra do potencial da caracterização de Usagi; é admirável ver como uma personagem como ela, uma boboca, possui um desenvolvimento crescente, pontuando suas camadas, afinal somos muito mais do que aparentamos, e isto se faz muito presente na Usagi. Inclusive, é um dos aspectos que eu mais gosto de Sailor Moon Stars, última saga do anime clássico. Apesar disso, o anime ainda fica muito aquém do nível alcançando pela Usagi no mangá, e espero que isto venha a ser bem retratado aqui.

O nome do episódio ser Tuxedo Mask, mas se centrar na figura de Usagi é um tanto irônico, mas é um reflexo do relacionamento que desenvolvem e do papel estabelecido por Naoko para ele nesta série. Tuxedo Mask é um príncipe encantado, um arquétipo idealizado pela mente feminina. Só que, ao contrário dos filmes de princesas da Disney até aquela época, Tuxedo não é o salvador, ele é o apoio, e seu papel é mais motivacional – ele também é um fetiche. Em Sailor Moon, cada sailor é uma princesa, algumas possuem alusivamente um príncipe, outras; princesas, e tem aquelas que estão sozinhas. Mas cada uma delas resolvem seus próprios problemas e não precisam de um príncipe encantado para salvá-las. Elas são fortes e mesmo quando fraquejam, reencontram na amizade que mantém entre si a força necessária para superarem seus obstáculos. Assim, Sailor Moon ilustra o zeitgeist (Zeitgeist; se pronuncia: tzait.gaisst. É um termo alemão cuja tradução significa espírito da época, espírito do tempo ou sinal dos tempos. É o retrato de uma época de terminada cultura ou característica global) dos 1990, que com o impacto da segunda onda do feminismo das décadas de 1960 e 70, trouxe para os anos 1980 e 90 mudanças significativas na representação da mulher no entretenimento, que encontraria seu ponto alto a partir dos anos 2000.
Esse episódio destaca o aspecto frágil de Usagi, a figura acolhedora de Tuxedo Mask sempre a incentivando a seguir adiante, e o fato de ela só conseguir transpor suas barreiras com o apoio de suas amigas de grupo – este talvez, o que melhor captura a gênese do mahou shoujo, que é a transposição dos desafios sendo possível apenas com a força e união de todo conjunto, ou seja, a materialização do poder da amizade. Soa piegas quando dizemos, mas é bem isso mesmo. Sailor Moon é a responsável pela derrota do vilão principal, e sendo a menos capaz, ela só consegue este feito depois que as outras sailors [e algumas vezes Tuxedo Mask] contribuíram para o enfraquecimento do adversário, permita a deixa para Sailor Moon dar o golpe final. Dessa forma, Usagi não consegue sozinha, e as outras sem o seu auxilio também não conseguem.

Essa primeira fase de Sailor Moon é caracteristicamente mais infantil, ingênua, tola e voltada mais para a comédia, assim como se dá na caracterização de Usagi, no entanto a ação respeita a essência de cada personagem. Por exemplo, no original o Moon Healing Escalation não é usado como um ataque ofensivo, mas sim para curar com magia as pessoas que foram mentalmente controladas e transformadas em monstros pelo Dark Kingdom. Ou seja, demonstra a essência de Usagi, detentora de imensurável poder, mas que é utilizado para curar, trazer amor e fraternidade, o que é em suma a característica mais pulsante de Usagi – e é por isso que é a princesa e o Cristal de Prata lhe pertence.

No mangá a beleza dessa mensagem está na sutileza como é passada. É um detalhe trivial, e muitos poderão argumentar que a essência foi mantida, pois se supõe que a luz refletida pelo cetro de Usagi dissipou as trevas, e friamente é o que ocorre no episódio, mas aqui há todo um tom que faz a diferença, enquanto no original o que ocorre com as forças ocultas não vem a tona, deixando a imaginação fluir e dando força ao conceito de Usagi como uma força, não ofensiva, mas maternal, tornando o desfecho mais maduro, pois a ela não fora dada um poder ofensivamente equivalente ao das outras garotas, mas com um papel tão importante quanto; ela terá que lidar com o fato de que exerce uma posição diferente. Já o anime, simplifica bastante e dilui a força conceitual da mensagem, ao simplificar tudo através de duelos diretores com as Sailors. O apoio de Tuxedo está lá, as dificuldades encontradas pelas outras Sailors em abater o vilão sem o auxilio de Usagi estão lá, mas não está aqui o que torne este momento tão mais belo: Usagi sente por não ter o mesmo poder ofensivo das outras garotas, mas nos é mostrado, assim como Tuxedo salienta, que a sua característica é outra; está na amor, na capacidade de amar as pessoas incondicionalmente e trazerem eles para junto de si, e de tirá-las da escuridão, trazendo-as para a luz. Esse pensamento se completa com Sailor Moon derramando sua magia sobre a cidade e curando as pessoas, espantando o mal com a sua luz divina. Esse, que também é o maior poder do Cristal de Prata.
Em Sailor Moon Crystal esta ação perde a sua leveza e significado com Sailor Moon atacando ofensivamente o vilão, para só depois ir derramar sua magia sobre as pessoas. Ou seja, essa nova direção trai parte da convicção da personagem que é ser sim diferente das outras, afinal, o papel das outras Sailors é realmente o de serem guerreiras ofensivas, pois são guardiãs. Sailor Moon participa do grupo, mas não é uma guardiã, e sim aquela que deve ser protegida pelas demais. Logicamente ela se sente impotente e fraca, mas isto é porque ela ainda é uma criança e só se vê em parte, e parafraseando o soneto clássico; porque agora vejo por espelho em enigma, mas então verei face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido. Ou seja, ela ainda não se conhece plenamente e nem ao mundo e seus segredos. É natural que se sinta aflita. No entanto, ao realizar o desejo da personagem naquele momento, de ter um poder ofensivo poderoso e fazer com que ela derrote os vilãos enquanto as outras não conseguiram fazer nada a respeito, faz com que estes conflitos e o significado dela não ser ofensiva, acabe sendo manchado por um roteiro sem a menor delicadeza de enxergar as coisas como um todo.

Sim, eu me decepcionei com isso. A série em si, tem sido em parte, decepcionante nos pequenos detalhes.

A narrativa de Naoko em Sailor Moon é péssima, e completamente amadora – ela mesma confessa que não entedia muito de quadrinização e o ritmo semanal de serialização de Sailor Moon era intenso. Ainda assim, ela construiu algo, e foi por este algo, a despeito da sua capacidade técnica, que Sailor Moon caiu nas graças de todo o mundo. Por exemplo, algo que é problemático neste anime; o humor e o senso de comédia a cada quadro que Usagi se faz presente é uma característica marcante na primeira fase do mangá, e importante para a sua construção a longo prazo, mas que no anime é ausente – há situações, mas seu potencial é engessado por um storyboard sem muita vivacidade, mantendo uma visão muito dura e madura demais, quando o correto seria utilizarem plenamente a comicidade genuína que Usagi provoca em tudo onde ela participa, as elasticidades nos movimentos dos personagens e a entrega total ao humor nonsense e infantil, que o anime clássico captura magnificamente. Sim, isso é importante porque Usagi irá amadurecer bastante no decorrer da série, ela irá crescer e adquirir responsabilidade.
Então quando voltarmos nossos olhos para trás, fica claro o quanto ela se desenvolveu, através da sua caracterização, sempre frívola; mas que então se mostra tão mais consciente, realmente uma princesa. O que acontece é que a primeira fase é o período infantil de Usagi – a segunda, por exemplo, se caracteriza por ser uma fase de responsabilidades. A primeira fase são as tolas fantasias de Usagi se tornando realidade, em que ela se transforma numa heroína igual à sua Ídolo, Sailor V, mas consequentemente ela não sente todas as responsabilidades que isto traz; para ela é só algo divertido, ela não está nem um pouco preocupada com a salvação do mundo, mas apenas se deixando levar. Em algum momento, no entanto, ela será defrontada, principalmente em relação ao fato de ser uma princesa e todas as responsabilidades que irão pesar sob seus ombros, e é ai que entra a segunda fase.

O que eu mais gosto na Usagi, além do seu senso de humor e companheirismo que a torna um imã atractor, é o fato de a personagem parecer muito real na forma como se comporta. Apesar do seu altruísmo e bom coração, ela é gananciosa, folgada, preguiçosa, tapada, interesseira, chorona, sensivelmente frágil/fraca, meio burrinha e só tem cabeça para romances idealizados e homens bonitos. Usagi, assim como Ami Mizuno, Rei Hino, Makoto Kino, e Minako Aiko – pra não citar as demais, é o reflexo real de muitas garotas. No caso dela, talvez a mais comum naquela época. Todas trazem características muito comuns de se encontrar por ai. Todas, mesmo a Makoto, possuem aspectos bem femininos. Juntamente dos seus uniformes de batalha, os acessórios que carregam, as transformações e seus poderes, refletem a ideia central da série em relação a feminilidade e poder. Makoto e Usagi se destacam ao trair o paradigma de feminilidade = fraqueza. Makoto é externamente forte, mas internamente delicada. Usagi é externamente fragil, mas internamente possui grande força; as duas possuem pouca convicção, se fazendo necessário que suas amigas levantem sua estima e façam com que elas se sintam capazes.

Usagi é uma adolescente com problemas de adolescente e com conflitos de auto-identificação, e ao se tornar uma super-heroína irá aos poucos se descobrindo. Este episódio ilustra um importante passo nesta direção, em que ela sentindo que seus poderes são os mais fracos, aprenderá que mesmo ele possui o seu papel nesta equação e que é a união que faz a força. Novamente, uma pena a resolução do episódio se distancie um pouco disto. 


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