sábado, 11 de julho de 2015

O Reino dos Sonhos e da Loucura

Saudações do Crítico Nippon!

Em certo momento de O Reino dos Sonhos e da Loucura, Hayao Miyazaki se pergunta “Como posso, aos 70 anos, ainda estar desenhando?”. Muitos minutos de filme depois (e meses de vida real), terminando um dia exaustivo de trabalho, sai de lá sozinho à noite resmungando quase que para si mesmo: “Amanhã vou desenhar melhor [que hoje]’”. E é fascinante notar o incontido perfeccionismo desse famoso artista, um dos cabeças do Studio Ghibli, que em pleno século XXI (ele parece amaldiçoar esses tempos) continua criando filmes desenhados quadro a quadro. E esse é só um dos inúmeros aspectos que esse maravilhoso documentário aborda. 

Aliás, se em minha crítica de The King of Pigs confessei que meu país cinematográfico favorito era a Coréia do Sul, finalmente encontrei a oportunidade perfeita para revelar o meu gênero favorito, mundialmente falando: documentários. E se você tem em mente que esse gênero é o mesmo que aquelas matérias do Discovery Channel, não poderia estar mais enganado. Aliás, os artistas retratados nesse doc sobre o Studio Ghibli, seu perfeccionismo ao ponto de torná-los arrogantes embora não menos belos, não são tão diferentes de outros retratados nos absolutamente fenomenais: Jodorowky’s Dune; ou o vencedor ao Oscar, Man on Wire; ou os magos de The King of Kong, os feiticeiros de Koran by Heart (crianças que decoram o Alcorão inteiro. Aham.) ou os bruxos de Wordplay; e me arrisco incluir até O Homem Urso do mestre Herzog.



Dirigido pela Mami Sunada, sua equipe acompanha a rotina do estúdio no período de criação do seu último filme, “Vidas ao Vento”. E mesmo que Miyazaki seja inegavelmente o mais fascinante, o documentário constrói inúmeros personagens tridimensionais e que nos gera interesse. Em especial o produtor responsável por divulgar o filme em tours e coletivas de imprensa, Suzuki; passando pela adorável Sankichi, gerente de produção e braço direito de Miyazaki, ela é quase uma personagem de anime; até mesmo o introspectivo dublador do protagonista, Hideaki Anno; o filho de Hayao, Goro, com sinceras dúvidas se a área de animação é o que ele realmente quer fazer da vida; e não menos importante, o velho gato Ushiko, que parece ter encontrado o lugar ideal para passar os seus dias. E é interessante fazer um paralelo de semelhanças entre o já não tão energético animal de pelo branco e Hayao Miyazaki.


Situado em um local privilegiado, o Studio Ghibli pode não ser um Google, mas definitivamente possui sua magia própria. E o telhado em que Miyazaki constantemente vai para fumar, parece ter saído de algum de seus filmes, tamanha a beleza. Já o interior do local é mais comum do que poderíamos imaginar, embora repleto de almofadas de Totoro e cartazes de sua galeria de filmes. Além de inúmeras frases coladas em portas e paredes, buscando incentivar seus funcionários para atingirem a excelência que a empresa busca. E é revelador alguns relatos contidos de que Miyazaki é temido por grande parte do “chão de fábrica”, constantemente corrigindo os trabalhos alheios e buscando a perfeição. E as auto demissões são constantes, provando que o título do filme não poderia ser mais correto e que não só de sonhos é feito esse reino.


Porém, o doc não sobreviveria apenas trancado em quatro paredes vendo artistas desenhando, e a diretora Mami Sunada vai além em inúmeras questões importantes. Em uma reunião de produtos licenciados, por exemplo, Suzuki levanta uma questão inteligente O marketing se concentra nas crianças, mas quem mais compra são os adultos”. Também é comovente ver um artista com a idade e reconhecimento de Hayao, desabafando em como os tempos estão mudando para o Cinema. Obras sem dedicação nenhuma e feitas às pressas são sucessos de bilheteria, enquanto esses magos da animação vivem atrasando prazos e trabalhando até tarde para concluir com preciosismo seu trabalho. Outro motivo de preocupação que atinge os criadores de Vidas ao Vento é encontrar boas vozes para os seus personagens, pois as agências parecem empurrar apenas atores famosos, não dubladores (Enrolados? Luciano Huck? Alguém?). Como se não bastasse, a gigantesca emissora NHK quer dizer o que eles devem ou não abordar em seus filmes, literalmente uma censura do setor privado. 


Abordando também a relação de admiração e rivalidade entre Miyazaki e Paku-san (Isao Takahata), que fazia O Conto da Princesa Kaguya simultaneamente com Vidas ao Vento. É como se alavancassem um ao outro, e quando vemos os dois juntos e ouvimos Takahata falar de Hayao pela primeira vez, é um poço de admiração e elogios. Outra relação sútil que o documentário consegue revelar é a relação de Miyazaki com seu pai. Constantemente perturbado por estar desenhando armas de guerra, semelhante ao que seu pai fazia (vendia peças de aviões de caças e Hayao brigava por isso), ocorre uma reviravolta interessante no decorrer do filme. Ao receber a carta de um ex vizinho de infância contando como seu pai o ajudou, é tocante o alívio de Miyazaki ao perceber a bondade e generosidade de seu progenitor. 


            Mas quem carrega mesmo o documentário é o seu inigualável protagonista. Abrindo um sorriso marcante com facilidade, vemos todas suas facetas ao longo do filme: nervoso com inúmeras questões do seu negócio, pensativo trabalhando, chorando com seu próprio filme, alegre com as crianças de uma escolinha que ele tanto preza. E em certo momento em me perguntava porque o estúdio tinha esse nome, e alguns minutos depois recebo a resposta mais descompromissada possível do próprio Ghibli é só um nome que peguei de um avião. Não significa nada, é só um nome. Hayao, aliás, cultiva o hábito de admirar a natureza por longos períodos. Desta forma, quando uma vendedora está em sua sala entregando sucos, ele comenta com uma alegria quase infantil o fato de estar nevando lá fora (enquanto a vendedora reage com depreciação). E em outro instante, no incrível telhado verde, ele conversa com a equipe de documentarista e subitamente comenta “Olha só, que bonito” e se afasta hipnotizado pela beleza de uma das árvores.
Esse cuidado e carinho pelas pequenas coisas é que acabam fazendo essa jornada tão prazerosa.


(Para mais dos meus textos, é só ir no menu 'Crítico Nippon'.)
Twitter: @PedroSEkman 

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