Deixando aqui uma entrevista da dama dos quadrinhos de
horror japoneses, Kanako Inuki, conhecida como a “Rainha do Horror”. É bem
peculiar, muito embora atualmente a Junko Mizuno esteja com um razoável destaque
criando séries no estilo Gothic kawaii, mas mangakas femininas trabalhando em
quadrinhos do gênero não é muito comum. Ainda que seja uma entrevista, traduzida
pela editora Dark Horse para o lançamento de seu mangá, School Zone nos EUA,
ainda continua bem atual e Inuki toca em pontos bem cruciais, que envolvem a estética
do horror, influência e a mutação do gênero. Assim como também oferece uma
visão feminina sobre esse fascínio por esse tipo de histórias, que muitas ai
certamente irão se identificar, como eu me identifiquei lendo. Afinal de
contas, desde muito novinha que curto histórias de terror, ainda que eu fosse,
e continuo sendo, uma grande medrosa. School Zone foi publicamente nos EUA,
pela referida editora, soma um total de 03 volumes e as críticas sobre o mesmo
são bem divididas. Mesmo School Zone, não teve uma tradução completa na
internet ainda, o que torna Kanako Inuki não muito conhecida por essas bandas,
mas ainda assim ela teve mais uma série sua publicada oficialmente nos EUA,
Presents, pela editora CMX. Sua arte é extremamente exótica, não é bonita, mas
consegue ser bizarramente encantadora. E isso dá medo.
A Rainha dos quadrinhos de Horror, Kanako Inuki, traz para
você, School Zone, uma série sobre crianças comuns que se deparam com situações
estranhas e terríveis em sua própria escola, e vão descobrir que muitas
histórias de fantasmas, lendas urbanas, e superstições são verdadeiras e
terrivelmente reais. Temos o prazer de trazer-lhe esta entrevista com Inuki que
foi publicado originalmente na revista de Horror Rue Morgue, em junho de 2006.
Q: Conte-nos mais
sobre você. De onde você é? Onde é que você desenvolveu seus talentos? Como
você chegou ao mundo dominado pelos homens nos mangás?
Eu nasci em Hokkaido e me mudei para Tóquio, quando eu era
pequena. Houve o "mangá de aluguel" (basicamente, uma biblioteca onde
você paga para levar pra casa e ler) no meu bairro, e eu passei a ir lá sempre,
e antes que eu percebesse, eu já tinha lido mangá o suficiente para me
considerar uma fã. Não sei por que, mas sempre fui atraída pelo gênero horror.
Eu ainda tenho impressões claras de cenas onde as meninas estavam fugindo de um
professor gritando mumificado, e essas imagens ficaram marcadas.
Aos poucos, comecei a ler a mais ampla gama de mangás. Sendo
uma menina, e como é típico das meninas no Japão, eu lia bastante mangás de
romance, também. Dito isto, no entanto, a minha paixão verdadeira para com
mangás de horror nunca desapareceu, e eu sempre mantive o gênero de horror mais
próximo de mim no que diz respeito ao que eu estava lendo.
Lembro-me também constantemente de pedir aos meus pais para
me deixar ir ver filmes de horror, também. Esses filmes foram feitos pensados nas
crianças e suas características são de fantasmas e outros monstros que podem
fazer uma história de ninar bem assustadoras, mas eu realmente não assisti muitos
splatter gore. Eu adorava esses filmes, mas às vezes eles me assustavam tanto
que eu não conseguia dormir, ou eu teria pesadelos recorrentes sobre o que eu
tinha visto. Eu ficava sem sono e acabava faltando de escola. Estou dando
desculpas para dizer que os meus pais me disseram para parar de assistir esses
filmes.
Mas, mais do que o meu medo desses materiais, a questão que martelava dentro de mim em relação a estes filmes foi "por quê?" Por que não
devo assistir material assustador? Por que coisas assustadoras acontecem, e por
que eu fico interessada neles? O que acontece com as pessoas quando morrem?
Essas perguntas se abrigaram em mim desde muito, muito cedo, e para ser
honesta, essas simples - ainda intrincada – questões são coisas que eu ainda penso.
Minha mãe era uma grande fã de Osamu Tezuka, e ela me deixou
ler muitos mangás. No entanto, ela sempre foi fortemente contra eu me tornar uma
manga-ka por razões óbvias: Basicamente, é realmente difícil se tornar um, e
até recentemente, não era a profissão mais nobre socialmente. É interessante
notar que os dois grupos de pessoas que têm mais dificuldade em obter locação
de apartamentos no Japão são estrangeiros, e aqueles que se afirmam como "manga-kas”
- especialmente os aspirantes. Pode ser que eu tenha sido influenciada, mas eu
fui para a faculdade e me formei, consegui um emprego em uma empresa, e depois
me casei. Nesse tempo em que eu tive meu primeiro filho, a primeira revista com
serialização de mangás de horror também nasceu no Japão. Quando eu era muito
jovem, quadrinhos de horror tinha um alcance muito curto, foi desaprovado
socialmente, e era, basicamente, “banido” do ponto de vista artístico /
literário / escolar - uma das razões citadas pelos estudiosos sociais era que o
quadrinho de horror tinha um impacto negativo sobre a educação das crianças.
Duas décadas depois, a editora Asahi publicou a revista Sonorama com
serialização de horror, que suponho ter sido o ressurgimento do gênero. Quando
eu tive meu primeiro contrato com esta revista, algo em mim “estalou”. Eu
comecei a trabalhar de imediato no meu dojinshi, que foi a minha porta de
entrada para os quadrinhos de horror. Isso chamou a atenção de um editor da
Kodansha, que me impulsionou para estrear como profissional de mangá. Com sorte,
a Kodansha começou sua própria revista de horror um ano depois, e eles me
deixaram fazer capas e sempre me davam algumas páginas para histórias curtas de
horror. Esta revista se tornou um hit, e vendeu bastantes cópias. Na sequência
desta e com o sucesso da Sonorama, outras empresas seguiram o exemplo e o
gênero horror começou a crescer. Surgiram várias revistas em todos os lugares,
e eu fiquei muito ocupada com o meu trabalho por causa disso. Durante esse
boom, eu estaria mais ocupada do que eu jamais poderia ter imaginado para os
próximos 10 anos! Eu estava trabalhando em 5-7 diferentes revistas, fazendo ambas
as coisas, capas e arte interior, bem como histórias curtas. É assim que eu fiquei
conhecida como a "Rainha do Horror”.
Q: Por quem você foi
influenciada em termos de estilo e narrativa? Parece haver um toque de Hideshi
Hino em seu trabalho, bem como elementos sobrenaturais semelhantes às do
trabalho de Junji Ito.
Tenho sido uma artista de mangá de terror por mais de 20
anos, o que significa que eu tenha visto muita coisa no decorrer destes 40 anos
desde que os mangás de horror se tornaram hit e explodiram no Japão. Em
primeiro lugar, meu manga-ka favorito é Kazuo Umezu, e segundo, eu realmente
gosto do Hideshi Hino. Como leitora, e manga-ká, eu fui muito influenciada por
esses mestres, mas eu acho que o que inspirou a maioria dos meus – em termos do
que eu queria fazer e conquistar – foi Umezu. O drama em seus mangás nasce do
horror na vida diária de mundos anormais e disformes com realidades
distorcidas. Os personagens, em suas histórias, sempre têm seu próprio ponto de
vista, e isto é o que faz as coisas assustadoras; não é a imagem deles, mas a
forma em que as emoções dos personagens são projetadas sobre o leitor, fazendo
que você se sinta não apenas assustado, mas manchado pelo ciúme, imerso em
tristeza ou marcado por um tanto de ódio (ou, pelo mesmo motivo, o amor).
Umezu desenvolveu e sumariamente mudou o gênero 'Kaiki
"(Mistério / grotesco / anormal), dos quadrinhos de horror no Japão e
criou o “Kyoufu” (Terror / Medo) mangá. Com estes dois gêneros como pontos de
referência dentro dos quadrinhos de horror, Hino seria considerado um artista
de mangá Kaki. Estes dois senhores fundiram dois gêneros em um gênero de horror
em geral, que pertencem tanto a mim, quanto as revistas mencionadas acima.
Os temas do Hino costumam ter também um olhar para "dentro
de si mesmo", ele recorre à conotação da emoção, que vão do amor à
tristeza, do ódio, a alegria e, além disso, os ensaios sobre não olhar para o
mundo objetivamente, mas ver através do tenso olhar de si mesmo e utilizando um
próprio projeto emocional, destaca-se o monstro dentro do leitor – em todos
nós.
Eu tenho uma amizade com Hino-sensei por cerca de 15 anos. Bem
como, as coisas que eu acabei de mencionar sobre seu estilo que me foi dito por
ele, em muitas ocasiões. Temos feito trabalhos colaborativos juntos por cerca
de cinco anos, e nós fazemos um monte de desenhos para capas de revistas, estou
tendo alguma influência sobre ele, eu espero (mas certamente não na medida em
que ele tem em mim!). Nós conversamos sobre como criar um filme juntos também,
no futuro, mas não temos certeza sobre isso agora.
Junji Ito fez sua estreia profissional depois de mim. Eu
acho que, tematicamente, seu manga está muito perto dos de Hino-sensei.
Q: Que tipo de conto
é School Zone? Como você prefere descrevê-lo? Grande parte do horror em School
Zone parece vir de grupos sociais e valentões. Será que isso reflete seus
próprios medos de ir à escola? O que inspirou este conto?
Simplificadamente, sim. Esta história vem diretamente de
minhas próprias experiências. Eu era realmente quieta quando eu era pequena, e
com medo das pessoas. Eu tinha medo da escola, também, porque há um monte de
crianças lá – e eu não gostava de ficar em torno de um monte de crianças. As
crianças são geralmente puras de espírito, mas é a pureza que faz sua crueldade
soar tão cruel. Crianças tendem a ser mais honestas, e dizer as coisas com
menos ironia, por isso, quando uma criança diz algo doloroso para outra
criança, é muito mais difícil para eles esquecerem. Estou certa de que todos,
não importa quem são ou onde vivem, devem ter experimentado isso. Eu acho que
muito disso exalou como um tema no meu mangá.
Eu também incorporei elementos da escola real na minha
história "lendas urbanas; como os temas do" Livro Vermelho, Livro
Azul "ou" Hanako no WC ". Claro que, eu também incluí a minha marca
original em School Zone.
Q: Por que é que
espelhos desempenham um papel tão central na história?
Você não acha que os espelhos tem realmente uma vibe
misteriosa, psíquica em volta deles? Eu acho que este sentimento em relação a espelhos
é mundial, o espelho é este mundo bidimensional que não deve ter qualquer profundidade fisicamente. Mas, se você ficar muito perto do espelho, e
realmente olhar ao redor, você pode ver um espaço totalmente diferente dentro
do espelho – se você olhar por tempo suficiente, pode até se sentir como se
você pudesse adentra-lo. Tudo é apenas um reflexo, apenas uma imagem do modo
oposto. Então, eu fiquei pensando, se você pudesse entrar no espelho, não seria
possível que não só a aparência do seu físico, mas também sua personalidade
poderia assim, ser refletida?
Q: Existe uma
perspectiva específica do sexo feminino em suas histórias que os diferencia de
outros mangás de horror?
Se há diferenças, elas não foram feitas de uma forma
consciente. Eu acho que as mulheres em geral, tendem a perceber mais detalhes,
e são especialmente hábeis em descrever - seja através de palavras ou imagens -
a psicologia das crianças.
Q: Quanto tempo você
levou para concluir School Zone?
Nunca houve a conclusão total que eu queria ver, porque a
revista em que a história foi serializada foi interrompida. Na época, eu estava
desenhando 32 páginas por mês, e levei cerca de uma semana para fazer um mês de
trabalho (32 páginas) para a School Zone. Ela circulou por 18 meses, basicamente
18 x 7 = 126 dias.
Q: Porque você acha
que os livros de horror, em estilo de quadrinhos cresceu tanto no Japão?
Eu acho que é porque o Japão é muito pacífico – e quando
digo isso, quero dizer tranquilo. Pessoas tendem a buscar excitação para sentir
que estão vivos. As pessoas podem ter excitação física em uma montanha russa, o
que é uma forma de conseguir isso de uma maneira segura e controlada. O
quadrinho de horror dá às pessoas o mesmo tipo de excitação mental em um
ambiente igualmente controlado.
Além disso, japoneses são criados com várias histórias
assustadoras que fazem parte de sua maneira cultural de moral e ética de
ensino. Por exemplo, se você fizer algo antiético para uma pessoa, você será
assombrado loucamente por fantasmas ou espíritos. Eu acho que esses métodos
não-científicos, irracionais de ensino nativo do Japão são devido a ligação dos
japoneses para com o budismo e o xintoísmo, que, embora totalmente diferentes,
são completamente evidentes em todas as partes da cultura japonesa. No entanto,
a bipolaridade entre os dois, e sua infusão completa sobre a cultura japonesa –
permeia todos os ideais sociais e culturais, mas que são como um óleo e água,
que é intrínseca à cultura japonesa.
Q: Há planos para
transformar qualquer um dos seus trabalhos com mangás em filmes ou programas de
TV?
Neste momento, existem algumas peças que estão sendo
transmitidos na internet. Outra peça foi lançada no teatro há seis anos – que não
terá o nome revelado (risos), mas eu imagino que tenha algum que nunca verá a
luz do dia. Sou abordada com propostas para filmes de TV, mas nunca chegamos a
um acordo mutuo. E, além disso, eu nunca me senti realmente satisfeita com meu
trabalho na tela grande ou pequena, então eu não estou realmente interessada em
perseguir qualquer meio de comunicação que não seja mangá, agora.
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