sábado, 28 de janeiro de 2012

Goth

Saudações do Crítico Nippon!

Tenho uma admiração especial por este mangá, seja por competência dele ou por eu simplesmente ter me identificado muito com um dos protagonistas na época em que o li pela primeira vez, anos atrás (e usado fartamente ele como avatar em minhas redes sociais, incluindo aqui no ELB até hoje) ou as duas coisas juntas. Porcamente adaptado em live action em 2008 com o nome de “Goth – Love of Death”, acaba sendo um filme parado e aborrecido, semelhante ao de Gantz. E embora não possa dizer ter uma grandiosidade como a de outros que já escrevi, é suficientemente competente para misturar um bom clima de investigação com horror e ser guardado com carinho. Composto por quatro histórias (a última delas dividida em duas partes, totalizando cinco volumes), que embora não caia para a mortandade desenfreada, cumpre muitíssimo bem seu papel de envolver e causar arrepios em determinadas horas. Escrito por Otsuichi e com a arte simples e expressiva de Ooiwa Kenji, a força da história está além dos cadáveres grotescos, mas na mentalidade doentia de praticamente todos os personagens que aparecem. Incluindo, principalmente, a dupla gótica protagonista.



Começando com o início da amizade do jovem Itsuki Kamiyama e da moça Yoru Morino em função das ações de um psicopata por mãos, a história mergulha na mente doentia de ambos. Mostrando à primeira vista os pensamentos anti-sociais do garoto de forma frágil e forçada (“Melhor fingir estar animado... e completar com um sorriso”) aos poucos evoluí para observações mais cuidadosas e que revelam um caráter extremamente meticuloso. Por exemplo, ao analisar a psicopatia de certo vilão, conclui sem hesitar “Ele é tão obcecado quanto eu”, e outros mais sutis como “Aquilo ficou gravado em minha mente”. E os olhares frios e sociopatas que Kenji coloca em Itsuki ao longo de todos os volumes são simplesmente perfeitos, espelhando um completo vazio e indiferença naquele semblante e naquela alma.



Usando estratégias interessantes geralmente aplicadas em roteiros cinematográficos, temos as famosas “pista e recompensa”; quando algo aparentemente inocente e sem importância é mostrado ou mencionado, e mais tarde útil em determinada situação (o spray, o cabelo). E seqüências montadas a fim de nos enganar, como na explicação do vilão do quinto volume, quando lemos o personagem dizer que tinha investigado Yoru, porém vemos cenas de outro que está fazendo exatamente o mesmo, e só nos damos conta que a legenda e os quadros não são da mesma pessoa mais tarde.

Entretanto, ainda que se trate de dois góticos, não se tornam chatos e aborrecidos, como muitos animes e mangás do gênero tentam fazer (e até o live action deste mangá parece que não entendeu isso), colocando rostos deprimidos e falas aparentemente sussurradas. São adolescentes que conversam de forma “normal” (na medida do possível), com ironias, troca de opiniões e saídas ocasionais para passear e comer. Em nenhum momento parece que estamos acompanhando zumbis emos maníaco-depressivos, o que torna a identificação mais fácil.


E se Morino é uma típica japonesa de cabelos negros escorridos, o desenhista Kenji merece créditos por, em momento algum, cair no clichê de esconder seu rosto com eles, o que a tornaria uma espécie de Sadako (como já foi tão fartamente estereotipada por aí). Pelo contrário, mesmo nutrindo um fascínio por assassinatos, a vemos sorrindo, segurando o braço de Itsuki, fazendo birra feminina e, vejam só, lutando e se defendendo sozinha de um criminoso.

Porém, aquele que se destaca realmente é Itsuki Kamiyama. Revelando-se o personagem mais assustador e imprevisível, apesar de praticamente todos os volumes contarem com um psicopata/serial killer diferente, nunca sabemos do que esse garoto é capaz. E a maior prova disso são os nossos temores ao final do último volume, quando o aceitamos na hora como culpado. Sua sociopatia no primeiro volume é tão alarmante quanto a do vilão, e ele chega até implantar pistas falsas na casa do bandido, apenas para levar até sua futura companheira Morino, para que faça o que ele ainda (e ênfase no ainda) não consegue. É provável que Itsuki ainda não faça com suas próprias mãos em função de sua pouca idade. Brincando diversas vezes com a ideia de matar sua amiga, duvidamos de seu caráter até quando está aparentemente (ênfase no aparentemente) tentando salvá-la. Vemos o garoto procurando o seqüestrador dela com convicção em determinado volume, enquanto pensa: Ele vai matá-la? Adoraria ver isso acontecer com meus próprios olhos”. Ainda acham que ele é um príncipe só tentando salvar a mocinha? Esperem só até ler a última frase do mangá; ou até verem as conversas pacíficas que ele tem com os diversos vilões ao longo dos volumes, como se um psicopata reconhecesse outro. Em nenhum momento parece que Itsuki sequer cogita chamar a polícia, deixando de livre arbítrio para os bandidos.


De qualquer forma, o mangá se torna mais forte sempre que se concentra no “casal” principal. E entre aspas mesmo, pois em nenhum momento há o mero sinal de interesse romântico. São apenas dois estudantes que se descobriram e dividem seu tempo com um interesse incomum para as pessoas mais normais. Já o autor Otsuichi ganha pontos ao estabelecer também o contraste dos dois em relação ao obscuro; enquanto Itsuki é fascinado pelo grotesco e gore, Morino se interessa mais pelo sentimento de dor e sofrimento das tragédias. Essas são as duas principais e mais fascinantes figuras deste mangá repleto de investigação, suspense e psicopatia.  E para pessoas como eu, que sempre foram igualmente fascinadas em horror como estes dois, chega a dar inveja a companhia que um e outro cultivam.

 



(Para mais dos meus textos, é só ir no menu 'Crítico Nippon'.)
@PedroSEkman

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