sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Primeiras Impressões: Zetsuen no Tempest


"Eu não sou um personagem sombrio!"

"Tudo em você é sombrio."

Resumo: Hakaze Kusaribe é a autoproclamada maga/bruxa mais poderosa do mundo, mas acaba sendo isolada numa ilha envolta numa barreira ante feitiçaria, com apenas um vestido e uma sandália. Ela jura vingança contra Simon, aquele que lhe traiu. Yoshino Takigawa se sente solitário depois que seu amigo, Mahiro Fuwa, desapareceu após ter sua família assassinada. A série é intercalada entre flashbacks de momentos felizes de Mahiro com sua irmã Aika, e seu melhor amigo, Yoshino. Este que por sua vez acaba ameaçada por uma misteriosa mulher, que parece fazer parte de uma organização e procura por Mahiro. A história ganha contornos objetivos, quando Mahiro reaparece, após ter feito um pacto com a bruxa Hakaze, através de um boneco jogado no mar. Agora eles vão procurar os assassinos de sua irmã, e de quebra, salvar o mundo.

Comentários: Zetsuen no Tempest (Blast of Tempest: The Civilization Blaster) começa com uma belíssima montagem, dramática e teatral; Show, Don’t Tell/Mostre, Não Diga.

Mostre, não diga. Se trata de um conceito/técnica literária amplamente conhecida no mundo da arte, e seguida há mais de um século por escritores, publicitários, roteiristas e diversos profissionais que lidam com narrativa. Todos sabem que um enredo, pessoa ou sequência fica mais interessante, sedutor e irresistível quando a imaginação do público que consome essa informação é envolvida no processo cognitivo de processá-la e interpretá-la. Tanto mangás, quanto animes, se utilizam dessa técnica, em sua maioria séries com apelo cult.

Claro que isso não impede que um Naruto ou Nana, possam utilizar essa característica em suas narrativas, mas acaba sendo limitado por seus públicos preferirem uma abordagem mais direta/clara. Já Zetsuen no Tempest é mais um anime destinado ao nicho, baseado no mangá homônimo do autor Kyo Shirodaira, com 6 volumes, de 2009 e ainda em andamento. É shounen. Mas com largas referências não apenas a Hamlet, do qual o conceito básico do plot bebe, mas também de outras tantas obras de Shakespeare. Zetsuen tem um começo impactante, em um prólogo com direito a monólogos, uma BGM com arranjos de música clássica e um enquadramento sensacional que só revela suas nuances no final do episódio e de uma forma catártica. Show, Don’t Tell. A linha de diálogo é estritamente teatral, com todo aquele tom melodramático por parte da Aika, seguido do monologo, com destaque para a interpretação dos dubladores. E se aqui, a sequência não tem a expressividade corporal do teatro, a câmera consegue substituir isto perfeitamente, sendo o holofote da interpretação dos personagens.


Yoshino: Até mais, Aika-chan
Mahiro: Podia pelo menos ter respondido ele.


Aika: Isso não é problema seu, Mahiro.
Mahiro: Não deveria odiar tanto ele. Quero dizer, ele pode não ser um bom cara, mas ele também não é ruim.


Aika: Ele é um artista que faz o papel de um cara normal. Pessoas como ele podem mentir descaradamente.
Mahiro: Pegou pesado.



"Dois gonzos saiu do tempo. "
"Ó, maldito fado..."
"Dois Gonzos saiu o tempo. Ó maldito fado. Vim ao mundo para endireitá-lo!"


Se o conceito da história de vingança de Mahiro vem de Hamlet, o título é obviamente uma referência de A tempestade, outra peça de Shakespeare, uma história de tragédia vingança, romance e também comédia. Além da referências, as citações a fragmentos, os próprios personagens são modelagens referentes às peças; Mahiro é o príncipe Hamlet a procura de vingança. Yoshino, é o Romeu. Aiko, a Julieta. A bruxa Hakaze é Prospero (que também era mágico), o protagonista da peça A tempestade, que fica preso em uma ilha.

Hakaze: “Ele está me abandonando numa ilha, com uma sandália barata e um vestido. Pelo menos ele foi legal o bastante pra não me deixar aqui só com as roupas íntimas.”


A BGM ao fundo é trágica, densa, e o texto é bem humorado, até mesmo sarcástico. Você percebe uma linha de humor contrastando com a trilha sonora num arranjo excelente. As imagens envolvendo os personagens da trama são patéticas, mas o tom é de tragédia grega. O que acaba sendo uma execução exemplar. Eu já havia comentando no meu texto de Natsuyuki Rendezvous em como as peças trágicas de Shakespeare conseguem ser cômicas, mesmo com uma tragédia acontecendo ao fundo. Da mesma forma que há uma linha tênue entre o terror e acomédia, a mesma coisa pode ser dita com relação ao melodrama.

O texto da bruxa Hakaze é verborrágico, mas quem leva a sério esta imagem e postura fail, onde no meio do discurso, o estômago dela começa a roncar? O melhor de tudo isso? A direção é precisa em não inserir nenhuma BGM pastelona ao fundo. O humor é sútil (afinal, não é uma comédia pastelão), e o timing é aplicado com exatidão, em um enquadramento a distância, sem BGM ao fundo, para dar entonação à situação tragicamente cômica.



Muita gente deixou de assistir a estreia de Zetsuen, com medo de que fosse um BL (Boys Love). Bobos, não é. Zetsuen terá mais testosterona, do que todo o elenco de personagens de Kuroko no Basket, fora o fato dos protagonistas possuírem seu interesse amoroso. Também muita gente se irritou quando eu disse que poderiam esperar por fanservice. E podem, afinal, mesmo a JUMP tem o fanservice implícito como uma importante isca para suas obras. Mesmo o mangá original sendo shounen, a estética favorece completamente o público feminino. O BONES, como poucos estúdios, sabe oferecer bons personagens masculinos, e coloca-los de uma forma que seja atraente para as mulheres. Dei uma olhada no mangá, o character designer do BONES está muito mais atraente do que o original, e no geral bem consistente.

E um character designer consistente, um trabalho de arte bem feito, onde dá se ênfase em pontos específicos [como belíssimos enquadramentos, uso de cores, e na ação], pra se sustentar acaba precisando abrir mão de, por exemplo, o cenário – Que geralmente não é bem inexpressivo. Mas vale a pena, não?

A animação é apenas padrão, mas como comentado no meu post de apostas da temporada, o diretor Masahiro Ando (CANAAN) sabe como imprimir uma boa vibração e rotatividade numa cena de ação. Toda essa sequência abaixo é inspiradíssima (e promete muito mais nos episódios seguintes) e remete aos velhos tempos de BONES. Não por acaso, Masahiro Ando se formou no BONES, e eu gosto das cenas de ação do estúdio, pois costumam ser bem técnicas e articuladas, além de ter um enquadramento bem limpo. Fora o fato de não serem meras cópias do original. Essa cena no mangá é mais suja, cheia de linhas de velocidade, com um enquadramento mais simplificado, que tira um pouco do dinamismo da cena. Mesmo o Mahiro, no anime está muito mais agressivo e ativo.


Isso tudo ao som das Sonatas de Beethoven ao piano no fundo, que deu uma atmosfera nervosa à cena. Todas as BGM’s ao fundo remetem às músicas clássicas e vão crescendo em volume e intensidade conforme a cena ao fundo ou verborragias dos personagens em monólogos dramáticos. Nervosas, trágicas, melodramáticas, há uma boa variação no tema. A montagem, como eu disso, é excelente, há uma boa distinção de tons entre passado e presente, de um cenário ensolarado e brilhante, remetendo a um passado repleto de calor e fulgor, a uma paisagem cinza, coberta de neve, logo após a tragédia. Embora a narrativa seja fragmentada, o enredo não complica, é fácil entender o que está acontecendo em cena.

Zetsuen lembra bastante duas séries anteriores do BONES; UN-GO e No.6 – Sim, o par de protagonistas masculinos, seu character designer mais atraente para uma audiência feminina, cenário distópico, mas não apenas isso, há conflitos de guerra ao fundo. Curiosamente, A tempestade, também tem como plano de fundo a guerra. A síndrome do ferro preto remete às abelhas de No.6, com toda a população da cidade sendo simplesmente dizimada. Também preciso dizer, que em alguns momentos me lembrou bastante Umineko. A posição do cabelo de Aika (aliás, esse corte de cabelo é típico de personagem pornô, não?) ao vento, que lembra bastante a Beatrice (o corte, a posição em que ela se coloca na OP em relação a Yoshino, é o mesmo da Beatrice do passado com relação a Battler). E claro, as borboletas. Claro que nada disso é exclusividade de Umineko. O corte de cabelo da Aiko é clássico e diversas obras fazem alusão às borboletas, aqui mesmo eu já comentei sobre uma (NijigaharaHolograph).


Borboletas simbolizam metamorfose, a transformação de um ser em outro. Tanto em Nijigahara, quanto em Umineko, o conceito é determinante no desfecho de suas tramas. Será que não teremos aí um plot twist no enredo? Veremos.

Hakaze: "Samon, mesmo de roupas íntimas eu sou bem durona!"

Paleta de cores com uma belíssima iluminação

Há boatos de que Zetsuen terá 2 cours, provavelmente de 22 a 25 episódios, mas nada confirmado. Promete ser uma viagem repleta de especulação e reviravoltas, na medida para aquela parte do publico que quer assistir algo pra poder especular e se deliciar com referências, ou subcamadas para interpretar. Alguns poderão achar a série meio lenta, até mesmo chata – o próprio conceito da série já limita bastante o seu público –, mas a direção foi exemplar e no timing perfeito, que se apoia nas intensidades da sonoridade para dar ênfase a cena. Claro que, eventualmente pode acontecer de se perder pelo caminho, mas Masahiro Ando mostrou aqui pleno controle sobre a história, num ritmo cadenciado, mas deliciosamente pulsante. Os personagens são interessantes e a dupla principal tem carisma. A Mari Okada, por sua vez, está bem comportada, o que é bom.

Como pontuado diversas vezes aqui, a trilha musical comandada pela veterana Michiru Oshima (Fullmetal Alchemist)– que a galera dos animes não deve conhecer, por ela trabalhar especialmente compondo trilhas para live actions – é simplesmente a melhor OST da temporada, e será difícil superá-la.

E o final do ato 01, foi soberbo, onde novamente Zetsuen mostra ser um arranjo excelente entre direção, trilha sonora e dubladores, provando que feeling é tudo numa obra. Principalmente quando esta obra faz alusão a William Shakespeare.

Aika: Ele é um artista que age como um cara normal. Pessoas como ele, podem mentir descaradamente.
Mahiro: Pegou pesado
Aika: E eu também minto


Avaliação: ★ ★ ★ ★
Diretor: Masahiro Ando
Roteiro: Mari Okada
Estúdio: BONES
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