sexta-feira, 19 de abril de 2013

Ainus, Os Índios Japoneses


Um lado da história do Japão a gente pouco vê nos animes e mangás.

Quando eu ainda desenhava com giz de cera e levava lancheira pra escola, a cultura indígena era de longe a que mais me despertava fascínio. Eu era tão apaixonada por aquelas lendas e crenças, que meu pai me comprou um livro contendo diversas histórias indígenas em formato de contos. Era um livro cheio de figurinhas e textos curtos, de 1 página, logo se tornou minha bíblia.

Hoje é dia do índio. Uma data que é mais refletida por crianças, por motivos óbvios. Assim como outras datas, como o da Consciência Negra ou das Mulheres, ela marca o ponto de ruptura social, em que direitos foram concedidos a determinado grupo oprimido socialmente. O que eu acho bacana do Dia do índio, é que não foi criado uma cultura de celebração de massa onde eles recebem presentinhos e felicitações.


No Japão, há os Ainu, um povo indígena do extremo norte do Japão que sofreu opressão e discriminação ao longo período da Era Edo e Meiji, similar ao tratamento aos índios americanos pelo governo dos EUA no século XIX e início do século XX. Conhecidos também como Ezo, eles habitavam desde as ilhas Kurilas e Sacalina até o norte da ilha de Honshu. Nenhuma pesquisa conseguiu ser concisa até o momento, mas a versão mais aceita é de que sua origem descende dos primeiros povos vindos do continente asiático e estabelecidos no Japão.

A cultura Ainu se formou em meados do século XIII e progressivamente entraram em contato com o povo japonês (wajin) ao longo dos séculos, que se deu primeiramente através de comercio, passando por disputas territoriais, até a completa assimilação planejada politicamente, como forma de resguardar o território japonês. A Era Meiji, em 1868, foi fundamental para a modernização politica, econômica e social do Japão. Foi com a anexação de Hokkaido que a integração cultural dos Ainu ao estado japonês se deu oficialmente. Esse processo de assimilação e falta de respeito com a cultura dos Ainu fizeram do governo Japonês, alvo de criticas de todos os lados. Os Ainu perderam a maioria de suas terras e o modo de vida baseado na caça e na pesca tornou-se quase impraticável. Apesar disso, em 1989 o governo Japonês numa tentativa de proteção cultural, classificou-os como aborígenes, o que na pratica acabou estimulando o preconceito racial e forçando a rápida assimilação cultural por parte dos Ainus, que se viam acuados.  

A trajetória indígena do Japão, assim como de outros
países é marcada pela migração de outros povos (no
caso, da China e da Coreia). Com a tomada das terras,
muitos foram para Hokkaido, e atualmente, estudos
estimam que 40% da população do Japão possui
sangue Ainu.
Frequentemente é alardeado que o Japão é um país de apenas uma raça, inclusive pelos próprios japoneses. Na época, ministro de Relações Exteriores, Taro Aso (conhecido internacionalmente por suas gafes - e você achando que os Marcos Feliciano da vida é privilégio nosso) despertou críticas ao dizer que o Japão representava uma nação, uma civilização, uma língua, uma cultura e uma raça, acrescentando que não existia outro país no mundo com estas características. Suas declarações despertaram comentários hostis não apenas de representantes indígenas, como também de países vizinhos como China e Coréia do Sul, que consideraram tais declarações como extremamente nacionalistas. Claro que apenas uma voz, não representa a opinião de todo um estado, mas declarações deste porte sempre fora comum no executivo japonês. Em 1986, o então primeiro-ministro do Japão, Yasuhiro Nakasone, chegou a dizer que o país podia manter um alto nível de educação por ser um país de uma única raça.

A homogeneização cultural pelo governo causou danos irreversíveis, dados oficiais estimam que a população Ainu seja de cerca de 25 mil pessoas, mas estimativas não oficiais calculam aproximadamente 200 mil. Muitos já se miscigenaram com a etnia majoritária japonesa, dificultando a identificação. Por medo de violência ou por serem reconhecidos como classe inferior, muitos pais deixaram de transmitir os ensinamentos, enquanto outros preferiram manter sua identidade oculta.

Lembra também o que acontece frequentemente no Brasil. Aliás, é uma característica mundial, se engana que acredita que este processo de homogeneização ocorra apenas em solo brasileiro. E assim como aqui, graças à intervenção das Nações Unidas, no Japão [a partir de 1996] a criação de órgãos exclusivos de proteção busca medidas efetivas, com o apoio do governo, para a proteção da cultura indígena.

Sam e Ashitaka

Nos animes se vê bem pouco da cultura Ainu, os representantes mais conhecidos por nós são; Okuru de Samurai Champloo, Horohoro de Shaman King – que possui um belo plano de fundo referente a culturas indígenas (leia a matéria completa sobre essa obra, aqui mesmo no ELBR, na seção Critico Nippon), o longa animado ‘The Dagger of Kamui’ traz como protagonista um descendente Ainu. Em Princesa Mononoke (Mononoke Hime), do Ghibli, Ashitaka e sua tribo são representações das tribos Ainus, assim como possivelmente a própria descendência de Sam.

A influência mais controversa, no entanto, se nota em Fullmetal Alchemist. Hiromu Arakawa, natural de Hokkaido, teria se inspirado na história dos Ainu ao retratar os Ishbalians e o genocídio praticado pelo governo ficcional de Amestrian, em sua obra. Controversa porque não há nenhuma referência direta e por FMA se passar num cenário tipicamente europeu, mas sem dúvidas isso não impede que a vaquinha-sensei tenha se inspirado na origem primitiva de seu povo.

Recorrendo ao velho jargão, a arte imita a vida, e podemos ver que nestas obras a cultura indígena é sempre mostrada como minoritário e em vias de extinção. Algo com que o mundo tem que lutar contra, afinal, são suas origens que estão se perdendo tão rapidamente, que corre o risco de se tornar apenas mais um lenda num futuro talvez nem tão distante.

Referência de Leitura:

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