Um lado da história do Japão a gente pouco vê nos animes e
mangás.
Quando eu ainda desenhava com giz de cera e levava lancheira
pra escola, a cultura indígena era de longe a que mais me despertava fascínio.
Eu era tão apaixonada por aquelas lendas e crenças, que meu pai me comprou um
livro contendo diversas histórias indígenas em formato de contos. Era um livro
cheio de figurinhas e textos curtos,
de 1 página, logo se tornou minha bíblia.
Hoje é dia do índio. Uma data que é mais refletida por
crianças, por motivos óbvios. Assim como outras datas, como o da Consciência
Negra ou das Mulheres, ela marca o ponto de ruptura social, em que direitos
foram concedidos a determinado grupo oprimido socialmente. O que eu acho bacana
do Dia do índio, é que não foi criado uma cultura de celebração de massa onde
eles recebem presentinhos e felicitações.
No Japão, há os Ainu, um povo indígena do extremo norte do
Japão que sofreu opressão e discriminação ao longo período da Era Edo e Meiji,
similar ao tratamento aos índios americanos pelo governo dos EUA no século XIX e
início do século XX. Conhecidos também como Ezo, eles habitavam desde as ilhas
Kurilas e Sacalina até o norte da ilha de Honshu. Nenhuma pesquisa conseguiu
ser concisa até o momento, mas a versão mais aceita é de que sua origem
descende dos primeiros povos vindos do continente asiático e estabelecidos no
Japão.
A cultura Ainu se formou em meados do século XIII e
progressivamente entraram em contato com o povo japonês (wajin) ao longo dos séculos, que se deu primeiramente através de
comercio, passando por disputas territoriais, até a completa assimilação
planejada politicamente, como forma de resguardar o território japonês. A Era
Meiji, em 1868, foi fundamental para a modernização politica, econômica e
social do Japão. Foi com a anexação de Hokkaido que a integração cultural dos Ainu
ao estado japonês se deu oficialmente. Esse processo de assimilação e falta de
respeito com a cultura dos Ainu fizeram do governo Japonês, alvo de criticas de
todos os lados. Os Ainu perderam a maioria de suas terras e o modo de vida
baseado na caça e na pesca tornou-se quase impraticável. Apesar disso, em 1989
o governo Japonês numa tentativa de proteção cultural, classificou-os como aborígenes,
o que na pratica acabou estimulando o preconceito racial e forçando a rápida assimilação
cultural por parte dos Ainus, que se viam acuados.
Frequentemente é alardeado que o Japão é um país de apenas uma raça, inclusive pelos próprios japoneses. Na época, ministro de
Relações Exteriores, Taro Aso (conhecido internacionalmente por suas gafes - e você achando que os Marcos Feliciano da vida é privilégio nosso) despertou críticas ao dizer que o Japão
representava uma nação, uma civilização, uma língua, uma cultura e uma raça,
acrescentando que não existia outro país no mundo com estas características. Suas
declarações despertaram comentários hostis não apenas de representantes indígenas,
como também de países vizinhos como China e Coréia do Sul, que consideraram
tais declarações como extremamente nacionalistas. Claro que apenas uma voz, não
representa a opinião de todo um estado, mas declarações deste porte sempre fora
comum no executivo japonês. Em 1986, o então primeiro-ministro do Japão,
Yasuhiro Nakasone, chegou a dizer que o país podia manter um alto nível de
educação por ser um país de uma única raça.
A homogeneização cultural pelo governo causou danos irreversíveis,
dados oficiais estimam que a população Ainu seja de cerca de 25 mil pessoas,
mas estimativas não oficiais calculam aproximadamente 200 mil. Muitos já se
miscigenaram com a etnia majoritária japonesa, dificultando a identificação.
Por medo de violência ou por serem reconhecidos como classe inferior, muitos
pais deixaram de transmitir os ensinamentos, enquanto outros preferiram manter
sua identidade oculta.
Lembra também o que acontece frequentemente no Brasil.
Aliás, é uma característica mundial, se engana que acredita que este processo
de homogeneização ocorra apenas em solo brasileiro. E assim como aqui, graças à
intervenção das Nações Unidas, no Japão [a
partir de 1996] a criação de órgãos exclusivos de proteção busca medidas
efetivas, com o apoio do governo, para a proteção da cultura indígena.
Sam e Ashitaka |
Nos animes se vê bem pouco da cultura Ainu, os
representantes mais conhecidos por nós são; Okuru de Samurai Champloo,
Horohoro de Shaman King – que possui um belo plano de fundo referente a
culturas indígenas (leia a matéria completa
sobre essa obra, aqui mesmo no ELBR, na seção Critico Nippon), o longa
animado ‘The Dagger of Kamui’ traz como protagonista um descendente Ainu. Em
Princesa Mononoke (Mononoke Hime), do Ghibli, Ashitaka e sua tribo são representações das tribos
Ainus, assim como possivelmente a própria descendência de Sam.
A influência mais controversa, no entanto, se nota em Fullmetal
Alchemist. Hiromu Arakawa, natural de Hokkaido, teria se inspirado na história
dos Ainu ao retratar os Ishbalians e o genocídio praticado pelo governo
ficcional de Amestrian, em sua obra. Controversa porque não há nenhuma
referência direta e por FMA se passar num cenário tipicamente europeu, mas sem
dúvidas isso não impede que a vaquinha-sensei
tenha se inspirado na origem primitiva de seu povo.
Recorrendo ao velho jargão, a arte imita a vida, e podemos
ver que nestas obras a cultura indígena é sempre mostrada como minoritário e em
vias de extinção. Algo com que o mundo tem que lutar contra, afinal, são suas
origens que estão se perdendo tão rapidamente, que corre o risco de se tornar
apenas mais um lenda num futuro talvez nem tão distante.
Referência de Leitura:
-Japão reconhece oficialmente o povo ainu (Folha De S. Paulo)
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