terça-feira, 16 de abril de 2013

Kagen no Tsuki (Last quarter) – Ai Yazawa


Mistério e romance sobrenatural numa história intrigante.

Sinopse: Mizuki é uma garota que quer fugir de sua vida. Como ela sorri triste para tudo o que acontece com ela, sua alma se torna mais pesada a cada dia. Sua saída de escape é Adam, um cantor Inglês. Mas ele é realmente real, ou é tudo o que ela viu não passa de apenas um sonho? Adam vê em Mizuki a imagem de sua namorada japonesa já morta, mas, estranhamente, ninguém, além de uma garotinha chamada Hotaru, pode enxergar Mizuki. Esta é uma história que se situa em algum lugar entre o sonho e a realidade.
  
A leitura de Kagen no Tsuki deve ser feito através de camadas; Essencialmente se trata de uma história sobre relacionamentos possessivos [seja ele romântico ou não], uma das temáticas preferidas de uma de minhas mangakás preferidas, Ai Yazawa. Inclusive, são perceptíveis alguns pontos aqui que seriam futuramente melhor desenvolvidos em Nana (como por exemplo, a amizade entre Sae e Hotaru, ou mesmo a possessividade que se tornaria mais abrasivo em Nana).

Kagen no Tsuki é bem curioso, começou a ser serializado um pouco antes de Paradise Kiss (carinhosamente ParaKiss, o primeiro grande sucesso da autora), em 1998 na antologia shoujo Ribon (revista que se foca num publico feminino mais infantil, mais ou menos dos 8 aos 13 anos), mas durante a serialização ela também começou a fazer ParaKiss na revista de moda Zipper. E bem, é um mangá diferente de tudo o que Yazawa já tinha feito ou ainda iria fazer ao mesmo tempo em que mantêm a assinatura da autora pelo qual ela é mais conhecida: Bom humor, quebras de quarta parede, música,  banda de rock, longos monólogos internos, narrativa visual dinâmica, homens com padrões de beleza bem idealizados, um senso estilístico de moda apurado e claro; Lágrimas e mais lágrimas.

Este é um mangá que cai no formato, hoje consagrado pela literatura Young Adult, que sempre teve um apelo fortíssimo entre adolescentes e jovens adultos: O romance sobrenatural com pinceladas de amor impossível/trágico e mistério. Inclusive, o título traduzido fica como “Lua Minguante”, que poderia ser facilmente confundido com um título de algum desses livros. Também há o fator mistério, que é algo forte na montagem desde enredo. Inicialmente lembra muito aquelas histórias clássicas do hibrido de terror + mistério que faz muito sucesso nos shoujos, como Ghost Hunt ou mesmo Shinrei Tantei Yakumo. O fato de serem crianças envolvidas no processo de elucidação do mistério poderia passar um feeling superficial, mas a narrativa é bem dissonante, no sentido de que eles fazem apenas o que está ao alcance de suas idades, mas a caçada ainda soar tão emocionante. Não vou entrar muito em detalhes por se tratar de um enredo quebra cabeças, mas as crianças que dividem os holofotes do enredo principal e seus dilemas são encantadores.

O prologo é poderosíssimo, a autora nos joga no centro de uma trama já em andamento e você fica se perguntando onde diabos essa história irá ir e como aquilo irá se desenvolver. Há reviravoltas fantásticas, alternâncias de foco narrativo e o mistério é realmente intrigante ao se trabalhado em camadas finas de respostas que sempre trazem novas questões consigo, embora chegando no último volume, ocorra outra mudança de foco que diminui um pouco o impacto emocional e do suspense criado – acaba valendo pela reflexão proposta. Como sempre acontece quando se lê algo da Yazawa, invariavelmente você acaba se esquecendo da arte e de tudo em volta, por sua narrativa ter um grande poder de absorção. A arte, mesmo ainda não estando no nível de Parakiss e Nana, já mostrava uma Yazawa mais madura e dominando plenamente as técnicas narrativas visuais. Talvez a maior baixa aqui seja o romance do casal principal, tão piegas que soa constrangedor; me senti algumas vezes como se estivesse lendo às escondidas cartas de dois amantes no auge da paixão. Senti falta do refinamento costumeiro da Yazawa ao abordar paixões avassaladoras, por ser mais agradável de ler. 

Para quem leu o mangá, vai um desabafo: O motivo de Mizuki sair de casa são os mais fúteis possíveis (ela me lembra a “Hachi”, de Nana), mas dá pra entendê-la plenamente. Ela já estava esgotada psicologicamente, não sabendo lidar com um novo ambiente familiar e a “nova família” que seu pai formou após a morte de sua mãe. Por mais que a madrasta e sua filha fossem atenciosas e carinhosas, acredito que Mizuki às visse como usurpadoras do lugar de sua mãe naquela casa. Sentia-se um peixe fora d´água, algo bem típico, principalmente em jovens. Agravando a sua situação, seu namorado a trai com sua melhor amiga. Ela ainda tenta levar tudo com um sorriso no rosto e esconder a sujeira por baixo do tapete. Enquanto conta o seu drama para Adam, com um enorme sorriso no rosto, ele a questiona “por que você está rindo? Por que você ri de coisas tão ruins?” e só então consegue colocar para fora as lágrimas que estiveram presas por tanto tempo. Quando vê a possibilidade de fugir de todos esses problemas com um cara que acabou de conhecer [uma figura idealizada do homem perfeito], ela não pensa duas vezes em abandonar tudo que estava sob seus pés para viver esta fantasia romântica:

Adam: “Mizuki, você não precisa ir para o colégio?”
Mizuki: “Eu não quero ir”
Adam: “Você não trabalha hoje?”
Mizuki: “Não quero ir para o trabalho”
Adam: “Você não precisa voltar pra casa?”
Mizuki: “Eu não quero voltar”
Adam: “Então, não quer ir para casa comigo?”

É tudo o que uma garota no alto dos seus 17 ou 20 anos desejaria, deixando para trás tudo que lhe incomoda, família, pais, amigos, namorado. Fugir para longe. A mensagem de Yazawa é a de que, por mais romântica e insinuante que seja a ideia de fugir e abandonar tudo, ou até mesmo se abandonar ao tirar sua própria vida, ainda há pessoas aqui que se importam o suficiente para tornar válida a sua permanência neste mundo.  Também vale pensar pela ótica da possessividade e obsessão com o ser amado idealizado, que faz com que tomemos atitudes impensadas que irão se refletir por toda nossa vida.




Alguns pontos:

-Eu fiquei com a nítida impressão de que a mãe de Hotaru e sua assistente mantinham um relacionamento homossexual às escondidas. A relação das duas é instintivamente homoafetiva, com papeis de gênero bem definidos, onde a mãe de Hotaru é claramente a figura masculina. 

Nota:07/10
Autora: Ai Yazawa
Ano: 1998
Volumes: 03
Demografia: Shoujo
Revista: Ribon (Shueisha)


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