Citando Baudelaire, ele disse que a surpresa e o espanto são
as características básicas de uma obra de arte.
Mal dá pra definir o que vem a ser arte, mas há quem diga
que a disparidade entre um objeto comum e o rusticamente artístico, seria a do
choque. Certa vez Arnaldo Jabor, com sua língua ferina, comentou o como hoje
em dia a podridão é valorizada como arte. E se há algo mais característico em Aku no
Hana, é de fato a podridão.
O que Hiroshi Nagahama faz aqui a partir de sua
reinterpretação da obra de Shuzo Oshimi é tornar esta podridão em algo nefasto
e repulsivo – ao contrário do mangá, onde a podridão se torna algo belo e
excitante aos nossos olhos e sentidos. Essa dicotomia entre obra original e
adaptação se torna mais obvio neste segundo episódio. Eu me lembro claramente
que quando li este capítulo ao qual foi adaptado este episódio, eu ri fervorozamente
junto com a maldade praticada por Nakamura (Mariya Ise)e a fraqueza emocional de Kasuga (Shinichiroh Ueda). Assim como eu ri de outras situações humilhantes ao qual Nakamura
sujeita Kasuga. No mangá, há toda uma tensão e áurea sexual a flor da pele, é
pervertido, mas nem sempre na concepção exata dessa palavra. A perversão e a
excitação nem sempre se dá através de contato ou pensamento sexual. Pode ser
apenas o desejo sádico de tratar aquele outra pessoa como um mero objeto com
você tendo pleno controle sobre ela. Um vouyer pode ficar excitado em apenas
observar como o seu alvo reage a diversas situações. Sentir libido por isso é
algo comum, embora aqui pareça algo degeneradamente amoral. E de fato o é
degenerado, e talvez por isso você goste.
Ao se inspirar no livro de poesias de Baudelaire, Aku no
Hana acaba consequentemente ganhando ares mais classudos, afinal, ‘As Flores do
Mal’ (que já recebera inúmeras adaptações,
seja em forma música, quadrinhos ou o caralho a quatro) foi escrito numa
época de repressão sexual e com o intuito de afrontar a sociedade, refletindo
nos poemas suas verdadeiras faces [vai um pouco além, mas fiquemos por aqui]. Mas o que há de diferente que o distingue dos demais?
O que Oshimi faz é nada mais que dar vida a este conceito de
Baudelaire. Assim, a leitura de Aku no Hana ainda que fétida, não fede. Há algo
de fascinante naquilo, embora algo assim tenda a afrontar valores individuais
em cada um.
Quando a fotografia surgiu no século XIX, rapidamente conquistou
a atenção do público, mas paralelamente enfrentou duras críticas e resistências
por parte de artistas e críticos que não reconheciam em suas imagens quaisquer
valores estéticos à altura das pinturas, esculturas ou mesmo gravuras. Baudelaire entre tantos, é o exemplo mais
explícito e radical dessa desconfiança, se mostrando avesso àquilo que
considerava a decadência do bom gosto francês; sua obsessão pelo “real” com a
fotografia sendo a catalisadora deste processo. “(...) Você não entende desse
assunto, e todos os fotógrafos, mesmo os excelentes, têm manias ridículas: eles
tomam por uma boa imagem, uma imagem em que todas as verrugas, todas as rugas,
todos os defeitos, todas as trivialidades do rosto se tornam muito visíveis,
muito exageradas: quanto mais dura é a imagem, mais eles são contentes.”
– Baudelaire, em carta escrita à sua mãe.
Provavelmente Baudelaire gostaria bem mais da versão de
Oshimi e abominaria a de Nagahama.
Bom, é inegável o valor da visão de Nagahama sobre Aku no
Hana. O que provoca [mas ao mesmo tempo é inofensivo], aqui se torna GRAVE,
baixo, desprezível. Quando Nakamura empurra Kasuga contra os seios de Saeki (Yoko Hikasa), se o anime seguisse o padrão convencional, isso rapidamente se
tornaria viral, com diversas curtidas, screenshots e fanarts espalhadas pelas dashboards.
Sem falar nos doujins hentais – Aku no Hana é uma série bem imaginava se
tratando de fetiches.
Só que através de um projeto de character design crível e movimentações
realistas, não há como sentir qualquer espécie de prazer nessa cena. Kasuga e
seu líbido se torna asqueroso e Nakamura odiável. Ela não inspira qualquer tipo
de afeto, ao contrário do mangá. Junte isso ao feeling de apatia daquela
cidade, a suposta superioridade sentida por Kasuga pelo fato de ler autores que
falam sobre coisas incompreensíveis para aqueles normalfags, e ao ímpeto sexual de todos os garotos e temos então
algo tão cotidiano e apático que não inspira vontade, nem fascínio. Pelo
contrário. É uma atmosfera pesada.
Apesar disso tudo, e mesmo com a boa direção e timing por
parte de Nagahama, acredito que dificilmente ele irá conseguir se desvencilhar
de sua própria armadilha. O que me despertou interesse no primeiro episódio, no
segundo já não soa tão atrevido e nem tão provocante. Para manter essa direção
criativa, precisará de uma direção igualmente inventiva que impeça a série de
perder o seu folego já no terceiro, ou quarto episódio.
Nagahama cria uma atmosfera intensiva de suspense que
inexiste no original [que vale ressaltar, tem um ritmo e feeling destoante; Aku
no Hana não é um mangá de suspense e terror atmosférico], em que neste ritmo,
com 13 episódios previstos, ele terá adaptado as exatas 13 páginas do mangá (huehuehueehuehu, LOL. Ele tá valorizando
cada passagem, esticando o ritmo). Eu gosto do ritmo, mas audiovisual não é
apenas texto, mas também imagem. Assistindo este episódio, a rotoscópia e sua
falta de crivo técnico, a falta de expressividade facial dos personagens, tudo
isso me deixou profundamente incomodada. Aqueles detalhes que fazem diferença
entre live action e animação, tornando-a muito mais atrativa para esboços
minimalistas, tudo isso acaba se perdendo aqui. Se engana quem acha que esse
tom inquietante se perderia na animação tradicional; o que causa desconforto
climático em Aku no Hana é o character designer realístico e o tom imposto pela
direção, não a falta de precisão no uso
de uma técnica defasada, utilizada hoje cautelosamente apenas em alguns
caprichos.
Bom, eu vou ficar por aqui, já deu pra mim (DROOOOOPPED!), ainda que eu
ache o conceito de modo geral algo bem interessante, o suspense acaba sendo
comprometido por uma animação deficiente. LOGO, não ganho muito assistindo o anime (na boa, prefiro os quadros estáticos com duração de 10 minutos em Evangelion). Fica a pergunta, poderá Nagahama
manter a chama do interesse acesso por 13 episódios dependendo apenas da trilha
sonora e dos esparsos acontecimentos retratados? É claramente uma direção que
eu vejo funcionando mais num filme do que no padrão de anime tv. O tempo me
trará essa resposta.
Avaliação: ★ ★ ★ ★ ★
***
-Vamos comentar algumas particularidades que me chamaram atenção e montar um paralelo.
>Senti falta na enfase na tensão sexual dele com a peça de baixo do uniforme de Saeko.
> WTF? QUE PORRA FOI ESSA?
> Novamente senti falta do teor pervertido, que originalmente é mais acentuado, inclusive, com os comentários sendo ainda mais pesados.
> Já aqui eu gostei mais da versão animada, que acentua com mais competência a rigidez e o moralismo dessa cidade através dessa expressão de desagrado e desaprovação, como se Kasuga tivesse acabado de violar uma regra importantíssima. Fica mais obvio o quanto essas pessoas são presas em padrões comportamentais...
> ... a válvula de escape está na amoralidade que rompe com a repressão social, seja Kasuga lendo Baudelaire, ou Nakamura se tornando vouyer dessa quebra de conduta. Na cena ela aponta para o horizonte e pede para Kasuga a levar até lá. É uma metáfora para o fato dela se sentir sufocada naquela cidade e o fato de estar buscando em Kasuga uma válvula de escape. Ele é a direção para onde ela aponta.
> A versão original da ending, "Hana", por Asa-Chang e Junray. Foi gravada em 2001 e tem teor muito mais experimental que a versão atual do anime, inclusive é menos assustadora e mais melancólica, triste...
> Os atores reais que interpretam os personagens. Não é que são até bonitos?