Às vezes tenho a impressão que o tempo passa mais rápido do
que minha mente consegue acompanhar, parece que foi ontem que escrevi um texto
para essa seção. Fiz a seleção de última hora e enquanto estava deitada olhando
pro teto e pensando em qual momento eu gostaria de (re)assistir para comentar, entre vários momentos muito marcantes,
surgiu a voz poderosa de Masami Iwasawa interpretada por Marina (importante frisar, afinal, a personagem é
dublada enquanto não está cantando pela voz de faça amor comigo de Miyuki Sawashiro) ao fundo, como se
chamando minha atenção para a sua performance. E conseguiu. ;D
Angel Beats! É um anime original de 13 episódios do estúdio
P.A. Works, dirigido por Seiji Kishi e com envolvimento direto, seja no roteiro
ou no conceito de personagens, do pessoal da Key (Clannad, Air Tv, Little Busters!). Com isso, já dá pra supor que
se trata de uma série que possui um forte apelo emocional e se desenvolve em
torno de amizades e superação. O cenário da trama é uma escola que se localiza
em algum local entre o céu e a terra, segundo os preceitos budistas.
Resumidamente, é um local para onde vai pessoas que não transcenderam o
suficiente ao ponto de serem permitidos adentrarem os reinos do céus, nem tão
pouco são merecedores de ir para o grande Hades. Esse lugar, entre o céu e a
terra, é transitório, pois logo a pessoa reencarna; este é o conceito budista.
Na série, os personagens são adolescentes e não entendem bem isso, e para não
desaparecem e abandonarem aquele local, eles se rebelam e lutam continuamente
contra aquele sistema. São todas pessoas que viveram uma vida triste ou
conflituosa ao ponto de serem psicologicamente atormentados. Eles vão para
aquele local por morrerem com algum rancor ou por não conseguirem realizar um
grande sonho, e lá é necessário que se encontrem para poder reencarnar. Se
trata de uma série alegórica que fala sobre o decisivo momento entre o termino
da adolescência e o inicio da vida adulta. Aquela escola representa a chance de
realizarem o que ainda não conseguiram e então partirem para uma nova vida
[adulta] sem se sentirem presos à anterior [adolescência]. O conceito budista representa mais uma chance, como tal, também podemos dizer que este é o objetivo daquela escola.
A cena do episódio é um show que a banda fictícia do anime,
Girls Dead Monster (GDM - Já falamos sobre essa banda aqui: Se Encantando e Cantando com Girls Dead Monster), promovem para
distraírem a segurança enquanto outros personagem tentam descobrir onde Deus
mora para irem tirar satisfação consigo. Angel Beats! tem uma boa animação, e
os shows são incríveis, sem dúvida o aspecto que mais chama a atenção na série.
As apresentações da GDM são espetaculares de tão enérgicos e pulsantes, a
animação e iluminação durante os shows tornam os concertos muito pungentes, se
distanciando da típica artificialidade de animes que em algum momento utilizam
de show durante os episódios. Sem contar, a montagem criteriosa de cenas
entrecortadas entre espetáculo musical e sequências de ação. Neste cena em
especial, nem tanto, mas a atmosfera criada para o grande momento captura tanto
quanto My Song.
Iwasawa é a líder da banda GDM. Sua passagem na terra não
difere muito com a de muitos aqui. Seus pais frequentemente discutiam e
trocavam violência física em sua presença. Sempre que isso acontecia comigo, eu
me sentia horrível e com vontade de desaparecer, trancava a porta do meu quarto
e ficava tentado encontrar uma forma de ficar alheia a tudo aquilo, mas Iwasawa
sequer tinha um quarto. No entanto, encontrou na música uma forma de fugir
daquela realidade massacrante. Quantos aqui também não utilizam da mesma
técnica do fone de ouvido?
"Em tempos difíceis, ele colocava os fones de ouvido e
distanciava-se do mundo através das músicas. (...) Eu sentia como se estivessem
explodindo tudo. Como se o vocalista estivesse gritando para mim... Cantando
para mim..."
Eu geralmente não costumo rever muitas coisas da qual
assisti/li, embora tenha suas exceções, mas isso não me impede de estar sempre
revendo uma cena ou outra, me emocionando novamente (maldito youtube! Pare de me fazer chorar!). Eu já perdi a conta do
número de vezes que assisti este show da Iwasawa, e ainda assim sempre me
emocionar. O momento em que ela eleva sua voz em My Song é quando sua melodia
consegue ressoar mais fundo em mim. É como se fosse uma voz atravessando a
madrugada e cortando o silêncio mortificante, e as ruas vazias e becos escuros
ecoassem sua canção ao infinito. Preenche aquele vazio inquietando descrito em “Dissestes
que se tua voz/Tivesse força igual/À imensa dor que sentes/Teu grito acordaria/Não
só a tua casa/Mas a vizinhança inteira...”. Preenche porque não é um
grito de desespero procurando se encontrar; um grito de solidão, é uma canção
serena, que apesar do amargor, promove um reencontro consigo mesmo, afinal, É a
minha Canção que fala coisas sobre mim. O sujeito dessa canção foi salvo, ao
contrário daquele de Há Tempos.
A melodia é boa, gostosinha de ouvir principalmente à noite
em que os acordes do violão são mais estridentes e se conectam com mais
facilidade a quem ouve, sem sons diegéticos dissonantes para concorrer por seus
sentidos suas cordas se fazem ouvir muito mais limpas e convidativas à imersão.
A letra é carregada de sentimentos mistos, de lamento à esperança (“Para
você que está acabado, aqui está a força e a segurança para você ser capaz de
lutar novamente e essa canção/Mesmo assim, obrigada pelo milagre de poder
termos nos encontrado em um mundo imundo e desagradável”), mas suas
letras não são do tipo inesquecíveis ou mesmo envolventes o suficiente para uma
balada.
No entanto, é o sentimento com que Iwasawa (Marina) canta e transmite com essa
música que a faz parecer tão urgente, tão intimista, capturar nossas atenções e
nos levar tão longe através de sua melodia ao ponto de tudo em volta se tornar
obsoleto. My Song tem esse poder de nos envolver em um mundo próprio em que ela
está sendo cantada especialmente para nós. Somos a única plateia e a ouvimos em
silêncio. Não é genial, nem mesmo brilhante, é apenas uma baladinha, mas ela
tem o que toda música precisa que é a capacidade de atravessar guetos,
territórios longínquos e tocar alguém de uma outra cultura que não consegue
entender sua letra. Nem é preciso, a magia da música sobre o ser humano é
exatamente este poder único de se fazer entender e conectar apenas pela melodia.
É assim que pessoas se apaixonam por músicas sem antes mesmo terem acesso às
suas letras, e a quantidade de si mesmo que o interprete deposita naquela
canção é o suficiente para haver uma sincronicidade de sentimentos que
impressiona. Como já disse Carl Jung, não é uma relação causal, mas de
significado, que é inerente a cada um.
Para terem uma ideia, a versão My Song cantada pela Yui (voz por Eri Kitamura e canto por LiSA)
difere significativamente da versão anterior violão e voz da Iwasawa. Nessa,
você passa de figura passiva à ativa. Mas vamos deixar isto de lado.
O silêncio atmosférico que se estabelece após seu desaparecimento é sensacional, vai de encontro ao choque que a cena representa. A vocalista está cantando, estão todos absorvidos por sua performance e então ela desaparece frente aos olhos de todos, menos dos nossos. Quando vista pela primeira vez, é uma sequência fortíssima, é a primeira vez que é mostrado um personagem desaparecendo naquele mundo. Talvez até por este cena emblemática, Iwasawa mesmo aparecendo tão pouco, é uma sequência tão impactante que ela se tornou uma personagem bastante adorada.
O silêncio atmosférico que se estabelece após seu desaparecimento é sensacional, vai de encontro ao choque que a cena representa. A vocalista está cantando, estão todos absorvidos por sua performance e então ela desaparece frente aos olhos de todos, menos dos nossos. Quando vista pela primeira vez, é uma sequência fortíssima, é a primeira vez que é mostrado um personagem desaparecendo naquele mundo. Talvez até por este cena emblemática, Iwasawa mesmo aparecendo tão pouco, é uma sequência tão impactante que ela se tornou uma personagem bastante adorada.
Quando os professores intervêm na apresentação do GDM, e
então tocam no bem mais precioso de Iwasawa, o violão que encontrara no lixo e
que lhe deu asas para alçar voos muito maiores do que imaginava; a atmosfera já
estava estabelecida ao criarmos um link emocional entre sua difícil convivência
com a família e o desfecho trágico que lhe ocorrera justamente quando lutava
para dar a volta por cima. Isso se torna extremamente empático, como não sentirmos
e torcemos por uma personagem que em nenhum momento se faz de coitadinha –
embora entorpecida pelo rancor – mas que encontra na música, logo na música que
nos é tão cara, um modo de extravasar tudo aquilo?
Assim, sua frustração de não poder cantar a canção que criou
e abrir suas asas no melhor momento da sua vida, nos faz lembrar em como a vida
pode ser injusta. Isso aflige. Dessa forma, esse clímax se torna uma explosão
emocional, com Isawawa e outros membros se libertando dos braços dos
professores amplificando essa tensão atmosférica ao máximo. Isso bate tão forte
porque também nos sentimos assim, sua resistência dá vazão à nossa necessidade
de nos libertamos ao que nos prende e cantarmos o mais alto que podermos.
Mal posso mensurar o que senti quando Iwasawa desaparece e
só resta o seu violão no palco, parece triste porque é uma despedida. Por que é
abruto. Por que lembra uma morte inesperada. Contudo, é tão esperançoso,
principalmente por se tratar um cenário alegórico. Iwasawa conseguiu se formar
e agora está trilhando caminhos que a levarão para muito mais longe. É o
momento que nos encontramos dentro de nós mesmos e podemos enfim, deixar tudo
para trás e seguir adiante para a vida adulta. É meio assustador, meio triste
por algo estar sendo deixado para trás, mas que todos querem, por isso que
é uma sequência capaz de tocar tão forte através de uma canção tão intimista
como My Song. Afinal, é a “Minha Canção”.