quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Entrevista: Para Junji Ito, o Terror Deve ser Feio


Oooohhhh, sempre mais do mesmo!!!!


Novamente trazendo o senhor Ito como tema aqui no blog, dessa vez com uma entrevista concedida em 1998 para a conceituada revista japonesa Da Vinci. Se lê-la, irá perceber que de fato é bem antiga, aparentemente Ito nem era ainda uma figurinha social facilmente reconhecível, como é atualmente. Inclusive, por lá ele recebe a alcunha de Sr. Medo, apesar de parecer um cara tão comum, diferente de um maluco como Kazuo Umezu (!!), hahaha. Realmente, é difícil olhar pra ele e deduzir que ele seria capaz de fazer o que faz, mas acho que este tipo de trabalho até que se assemelha muito com alguém de aparência tão sossegada e fechada socialmente. É como se fosse uma válvula de escape, talvez? Imagine um garoto tímido e/ou inibido, qual seria a melhor forma de expor seus monstros interiores? Todos temos nossos monstros interiores que se manifestam de diferentes maneiras, e eu acho incrível quem consegue expressá-los artisticamente. Ou mesmo o contrário, a pessoa é atormentada ou cheia de problemas, e ainda consegue externar o que há de mais doce em seu interior.

A entrevista cita muitos trabalhos antigos e pouco conhecidos do publico, mas achei bem interessante Ito destrinchar seu processo criativo e comentar acerca de sua arte, de longe o aspecto mais chamativo em seus trabalhos.


***

Considerado por muitos como o maior talento dos mangás de terror que surgiram após Kazuo Umezu, Junji Ito, ex-técnico de prótese dentária, continua residindo no local de seu nascimento, [na província de] Gifu em Nakatsugawa. Mas qual é a verdadeira face de Junji Ito ...?

Junji Ito nasceu em 1963. Seu primeiro conto publicado, “Tomie”, estreou na revista de mangás Gekkan Halloween em 1987. “Tomie” foi selecionado para o Prêmio Umezu por um painel de profissionais de mangás que incluía o próprio Kazuo Umezu. Desde então, as obras de horror e beleza de Ito têm aparecido em revistas de mangás de terror, como Gekkan Halloween e Nemurenu Yoru no Kimyo na Hanashi (Contos Estranhos de Noites Sem Dormir). As obras de Ito foram coletadas em Junji Ito Kyofu Manga Collection (Coleção Mangás de Horror de Junji Ito). Uzumaki foi publicado em 1998 na [revista] Big Comics Spirits.

Sua arte e o mundo de horror criado por ideias originais de Ito são finas e incomparáveis. Gostaria de saber, que tipo de homem poderia criar trabalhos como este? Um excêntrico? Uma pessoa neurótica? Alguém que renunciou ao mundo? Eu viajei a Gifu para descobrir.

Kaiki Kanzume
Após mudarmos de trem em Nagoya, finalmente chegamos à estação Nakatsugawa onde Ito foi ao nosso encontro. Olhamos para ele, mas esta era a primeira vez que quaisquer uns de nós o viam de fato. Além disso, Ito raramente teve fotos suas publicadas (Nota: parece que até 2000, Ito não era uma figurinha tão fácil de se achar fotos, com certeza a expansão da internet contribuiu bastante para solucionar este problema). Tudo o que sabíamos era o fato de que ele nos disse que se parecia com o irmão mais velho em seu Kaiki Hikizuri Kyodai (Strange Dragging Siblings. / Nota: Uma das histórias do mangá Kaiki Kanzume).

E, em seguida, Junji Ito apareceu diante de nós.

“Você se parece com o irmão mais velho! Foi muito fácil reconhecê-lo!” Dissemos com as bocas escancaradas.

Ito sorriu e respondeu: “Meus desenhos acabam se parecendo comigo”.

Se vocês não sabem quem é Junji Ito e não estão familiarizados com as suas obras, mas estão cientes de que ele é um artista de mangá, seria impossível adivinhar a natureza do trabalho que ele cria.

Ito começou a fazer mangá na primeira série. Claro que se tratava de mangás de terror. O primeiro mangá que ele disse ter lido era de Kazuo Umezu. A partir daí, suas influências incluem astros dos mangás como Shinichi Furuka e Hideshi Hino.

Akiko Iwane: O que fez você começar a desenhar mangá, enquanto ainda estava trabalhando como técnico de prótese dentária?

Junji Ito: Eu descobri que ser um técnico de prótese dentária era mais estressante do que eu pensava que seria [Risos]. Na época, Gekkan Halloween, que tinha acabado de começar sua publicação, foi à procura de trabalhos. Eu pensei sobre a possibilidade de enviar minha arte, e quando eles estabeleceram o Prêmio Umezu, eu decidi que seria uma boa enviá-las.

Estreia de Tomie na Hallowen, primeira serialização com o objeto premiado
AI: E o trabalho que você enviou foi selecionado como uma menção honrosa (Nota: não foi declarado um vencedor naquele ano, por isso “Tomie” tecnicamente foi quem levou o prêmio). Você posteriormente foi serializado com este trabalho.

JI: Eu nunca fui muito interessado nos dramas Seishun (Nota: significa ‘Juventude’, sentimento que independe de cor ou idade e sim da alma e da maneira como se lida com a vida). A única coisa que eu havia lido que não se tratava de horror era Umeboshi Denka de Fujiko Fujio.

AI: Mas o trabalho de Fuji Fujiko, por vezes, contém elementos de horror irracional.

JI: Sim, sim, você está certo. Eu acho que eu estou predisposto apenas ao terror [Risos].

AI: O seu trabalho distingue-se pela combinação da aparência assustadora da arte e o impacto do conceito original da história. Numa história, você começa com a ideia?

JI: Sim. Depois de chegar com o conceito, eu vou criar o enredo. Com Tomie, o conceito original era de que, por algum motivo uma pessoa morta voltava à vida e visitava seus antigos amigos, como se nada tivesse acontecido. A personagem de Tomie e a ideia de que ela foi cortada em pedaços veio mais tarde. Com Kubitsuri Kikyu (Hanging Balloons), combinei duas ideias: eu pensei que seria estranho se os corpos amarrados em balões estivessem voando ao redor, e quando eu era criança, uma vez sonhei que as bonecas kokeshi-like estavam voando ao redor com cordas amarradas à sua volta e elas estavam tentando me enforcar.

É por isso que mais tarde acrescentei a parte sobre as pessoas que morrem se o balão for estourado. Quanto à obra, ela começou a tomar forma depois. Às vezes, eu tenho um trabalho que começa a partir de desenhos, mas geralmente os desenhos ficam mais e mais complicados, pois eu continuo a desenhar [Risos].

AI: De onde as ideias para essas coisas vêm?

JI: São ideias que surgem de minha vida diária. Uma ideia pode surgir de algo que eu ouço no rádio. É interessante pegar essas coisas e olhá-las a partir de uma perspectiva diferente. Eu não tento especificamente retratar o terror, ou pensar em ideias que possam ser horripilantes, especificamente. Se eu pensar em algo interessante, eu vou levar adiante e talvez acrescentar a parte do terror mais tarde. Então, no meu caso, eu realmente não sei o que é considerado assustador.

AI: Então você está dizendo que desenvolve histórias a partir de coisas que você achar peculiar na vida cotidiana. Ao invés de terror, você se concentra no sentimento de que as coisas não pareciam bem. Se você acha que é interessante, então você irá desenvolvê-lo em uma história de terror. Aquelas modelos de moda da Hori são horripilantes, também vêm observando e encontrou algo de peculiar? (Nota: provavelmente está se referindo a alguma revista)

JI: Eu estava lendo uma revista e lá estava este modelo com um rosto de aparência assustadora [Risos]. Ela era bonita, mas sua expressão era o que podemos classificar de sinistro. Ela era uma modelo de moda, mas ela era um pouco estranha. Então, eu só amplifiquei isso dela, e ela se tornou uma pessoa que come seres humanos. Isso se transformou em uma história de terror [Risos]. 



AI: Você tem grandes ideias para histórias, mas quando se trata de seu mangá, sua arte não deve ser negligenciada. Em mangás como Tomie e Shibito no Koi Wazurai, você exibe tanto o grotesco e o belo com igual fascínio. É esta a sua intenção?

JI: Eu gosto de desenhar os dois extremos, muito feio ou muito bonito. Rostos simples não são divertidos. Eu considero isso um desafio para ver o que de estranho eu posso tirar de alguma coisa, ou do quão lindamente eu posso tirar de alguma coisa. Quando se trata de monstros, há o prazer de imaginar como ele deve se parecer. Seria ótimo desenhar algo tão feio quanto o trabalho artístico do designer de Alien, HR Giger. Eu não tenho nenhuma ideia de qual a linha de pensamento que ele utiliza para vir com suas ideias, no entanto. [Risos]

AI: A ideia da história para Go-senzo-sama (Nota: outra história do mangá Kaiki Kanzume, infelizmente sem tradução) foi incrível, mas a obra foi igualmente impressionante.

JI: A ideia do visual para esta história veio primeiro, com os chefes todos ligados uns aos outros (Nota: Essa história se chama ‘Os Ancestrais’, provavelmente Ito refere se a ‘chefe’ indígena). Na época, eu estava realmente querendo desenhá-lo. Gekkan Halloween estava em hiatus, então minhas mãos tinham bastante tempo livre. O processo de desenho foi divertido, pensando em coisas como onde eu iria colocar todas as cabeças.

Lovesick Dead
AI: Embora se pareça com uma coletânea de histórias, Shibito no Koi Wazurai foi seu primeiro trabalho mais longo, no sentido em que ele foi completado em um volume.

JI: Por natureza, eu fico cansado das coisas muito rapidamente. Eu realmente não me preocupo em elaborar uma história desde o início, por isso foi muito difícil para mim [Risos]. Eu não sabia o que ia acontecer na história. Na verdade, eu nem sequer tinha ideia de quem o menino na escuridão viria a ser.

AI: Eu sinto que você aumentou o nível da beleza de suas ilustrações com este trabalho.

JI: Eu realmente prefiro que ele seja mais refinado. Acho que para o terror, o trabalho artístico deve ser fraco. Ao comparar o meu com o trabalho do [Hideshi] Hino, eu gostaria muito de imitar a rugosidade do seu mangá. Eu não gosto de terror com trabalhos artísticos elegantes. É por isso que eu quis desenhar a garota Sumi bem áspera. Foi muito divertido desenhar este mangá. Se eu pudesse eu gostaria de fazer tudo neste estilo [Risos].

AI: Quando se trata de artistas como Kazuo Umezu e Yasutaka Tsutsui, você pode entender os seus talentos especiais apenas olhando para eles. No entanto, você parece muito normal. Você diz que tem medo de fantasmas, mas você vive em um apartamento normal, com paredes brancas. Você tem um talento especial, mas julgando por sua aparência eu nunca seria capaz de dizer o que faz. Eu meio que sinto que esse “desencontro” é uma das “peculiaridades” que representam seu mangá.

JI: [Risos] Quando era criança, eu era como o Soichi (Nota: um dos personagens mais populares de Ito).

Junji Ito de Soichi, rsss

E este é o Junji Ito. Eu pensei: se Soichi removesse algum dia os pregos de sua boca e crescesse como um jovem alegre, ele poderia um dia se tornar uma pessoa como Junji Ito. Mas, na verdade, eu acho que Ito é também o Garoto na Escuridão (Nota: Referência ao misterioso personagem de Shibito no Koiwazurai).

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