Então, eu assisti o episódio 2 e fiquei com uma vontade insana de bater a minha cabeça na parede e fazer as coisas loucas que os personagens estavam fazendo no vídeo, huehuehuehue!
Mas eu iria me machucar e por isso me contive. É tudo tão
extremo em Kill la Kill, que realmente é amar ou odiar. Confesso que me
diverti mais com esse episódio do que com o anterior, porque à medida que o
mundo é expandido, as situações também vão ficando ainda mais absurdas, como a
extrema pobreza que vive Mako e sua família, os tentáculos do domínio de
Satsuki se estendendo além da escola, a sexualização de Ryuuko. E quanto mais
absurdas foram as situações neste episódio, mais nonsense foram as reações dos
personagens naquele contexto.
A escrita é propositalmente construída com fortes conotações
satíricas e paródicas, se tornando consciente de sua abordagem exagerada. O
roteiro acompanha o compasso da direção que quer uma animação com uma ação de
ritmo acelerado. Em nenhum momento há uma sequência completamente estática, ou
seja, sem que esteja acontecendo alguma coisa chamativa na tela envolvendo um
ou mais personagens. Eu não quero dizer com isso que são looooongas sequências
com animação fluida. Com ação, quero dizer a forma como os personagens se
comportam naquele mundo/em cena. Nunca há um momento de diálogo puro, de
introspecção, contemplação. Na casa de Mako, por exemplo, a mãe é uma sem noção,
o pai é como se fosse uma criança, o caçulinha é um mau elemento, e ai aparece
o cachorro pra comer na mesa, a comida é suspeita e em meio aquele ambiente
acelerado, Ryuuko é a única pessoa normal completamente perdida e sem reação.
Eu acho isso hilário, claro! HUEHUEHUEHUEHUEHEU. É
intencional. É uma comédia de ação nonense de um diretor que não se sentira
motivado a assinar algo convencional em que os personagens não se sentissem
inquietos em cena. Mas o roteiro é bom. Acho que o maior mérito é conseguir
entregar pra direção a possibilidade de hiperatividade cênica, ao mesmo tempo
em que dá ao expectador uma história divertidamente simples, mas com certa
substancia. Uma eficiência orgânica.
Como paródia, é muito diluído, e por brincar com ícones de
um legado, faz com que você se lembre de muitas obras semelhantes. Em Psycho-Pass,
muito se criticou os longos monólogos referenciais e tiros de câmera em cima de
livros. Sem nenhuma sutileza, propunha pensamentos filosóficos sem respostas
exatas que provocavam discussões. As referências em Kill la Kill também não são
sutis, mas ao contrário do foi em Psycho-Pass, não são densas. Mas diluídas. Não
é algo que precise ficar pensando muito porque simplesmente não importa tanto a
discussão, mas o êxtase gerado por uma narrativa exagerada que dá vazão à
criança no interior de cada um.
Paráfrases a 1984/Nineteen Eighty-Four, referências ao Terceiro
Reich, a fabulosa Der Führer presidente do conselho estudantil, o sistema de
castas ou classes sociais definidas pelo nível dos uniformes – mesmo que você
não pegue uma referência ou outra, a ação visual exemplifica tudo. É fácil
compreender que há um sistema hierárquico definido pelos uniformes e um governo
totalitarista. Mas eu tenho a impressão que o roteiro brinca demais com o duplo
sentido de certas palavras de um modo meio maliciosamente satírico.
Sobre isso, eu tenho alguns pensamentos que podem ou não se
relacionar com a história.
O Poder do Uniforme
Escolar
Achei muito bacana como em 2 episódios o universo da série
conseguiu se expandir tanto. A própria cúpula da Academia Honnouji tem o formato de um
uniforme escolar japonês. Se chama seifuku (literalmente
‘uniforme’) e começaram a ser usados na Era Meiji (1868 – 1912) em modelos formais. A era Meiji é conhecida por ser
abertura do outrora isolado Japão para o mundo, e não demorou muito para que se
começasse a adotar hábitos e costumes ocidentais. Isso influenciou também os
uniformes, que foram ganhando vários modelos. Um dos mais conhecidos é o sailor
fuku (uniforme de marinheiro),
influenciado pela Marinha Britânica.
Mas foi só nos anos 80 que este uniforme escolar foi
estourar, porque o achavam brega e anacronicamente antiquado. Dai surgiu o
conceito Seifuku Pride (Orgulho Seifuku).
As estudantes tinham vergonham por estarem usando os mesmos uniformes das avós,
além de não gostarem da conotação de “garotinhas de colegial”. Mas ele era
obrigatório a partir do colegial japonês.
No Japão há o ditado “O prego protuberante será martelado” (‘Deru kugi wa utareru’), um ditado que
reflete o pensamento coletivista e uniformidade conforme os padrões definidos
pela sociedade. Dessa forma, o uniforme mantinha o vinculo do estudante com a
escola que reforçava sua identidade dentro da sociedade. Na rua eram
reconhecidos como estudantes, e na escola, removia rótulos e status social e econômico
(esse papel de “igualdade” é exercido
por qualquer uniforme do mundo dentro das suas instituições, mas acabam
ganhando status fora delas).
Mas a juventude sempre anseia justamente por diferenciações,
rótulos, tribos e hierarquias urbanas. É ai que entra o conceito de Seifuku
Pride em meados dos anos 80, gerando o fenômeno conhecido como ‘High School
Girl Boom’. No blog Shoujo Café há um interessante artigo intitulado SOB ODOMÍNIO DAS COLEGIAIS: O PODER DAS ADOLESCENTES JAPONESAS – recomendo a
leitura. Fala sobre como as colegiais são uma parcela significativa da economia
japonesa e de como elas sabem que exercem uma grande influência e ditam a
tendência do mercado.
As estudantes japonesas, assim como qualquer
adolescente/jovem ocidental, encontraram uma forma de se expressarem através do
visual e em modificações do uniforme. Modificações sutis ou extravagantes. Mas
até os anos 80, no auge da bola econômica, isso era proibido e coibido.
De volta aos anos 80 e ao Seifuku Pride, a baixa natalidade
fez com que diminuísse gradativamente o número de alunos e que as escolas os
disputassem a tapas. Recentemente vi em Tari Tari uma escola linda sendo
fechada por número insuficiente de alunos. Depois descobri que era um fenômeno no
Japão, onde escolas estão cada vez mais sendo fechadas devido à diminuição de
pessoas em idade escolar.
Nessa disputa por alunos, as regras afrouxaram e as escolas
que até aquele momento eram padronizadas com o mesmo estilo de uniforme,
começaram a se diferenciar com uniformes cada vez mais atraentes e modernos. Se
até aquele momento, os uniformes tinham o significado de unicidade e
uniformidade, a partir de então os uniformes começaram a ganhar conceitos hierárquicos,
provocando uma onda de “orgulho” por frequentar determinada instituição (por isso várias vezes personagens olham
com admiração ou surpresa estudantes com um uniforme de uma escola prestigiada)
e por usar o melhor e mais atraente uniforme.
O uniforme ganhou o mesmo peso que uniformes da Marinha,
Exercito, etc. possuem aqui no ocidente – falando nisso, aonde estou morando
atualmente tem uma indústria de nível mundial chamada Usuminas. As pessoas que
trabalham lá possuem certo status, e apesar da crise econômica de alguns anos
atrás que a afetou significativamente, quem usa seu uniforme ainda é visto como
um partidão por aqui. Dia desses numa reunião social do meu pai com pessoas da
empresa, eu estava quase sendo vendida como cabeça de boi. E numa das raras
vezes que sai à noite aqui, bem no meio da danceteria apareceu um grupo
vestidos com aquele uniforme. TIPOW... bitch, please!
Cof, cof, retornando, o uniforme ganhou peso, as estudantes
começaram a usá-lo em todos os lugares bem quistos. Isso alterou
definitivamente o cenário de Shibuya, que agora estava infestado do orgulho
seifuku, provocando o boom do uniforme escolar japonês e alterando o padrão da
idade ideal para 16 anos. As estudantes se tornam símbolos sexuais. As saias
foram encurtadas, customizadas, acrescentaram acessórios, as estudantes
encantavam pelo misto de inocência e volúpia.
Essas estudantes eram as que ditavam as regras do jogo e as
que vinham das escolas mais caras e renomadas de Tóquio. Aqui começam as modificações
pessoais dos uniformes, para ganhar um estilo próprio e rebelde que tornasse a
sua usuária o centro das atenções. Aqui também é onde nasceu o fenômeno das Kogal,
que eu vou simplificar em: sexualização. As kogal explodiram nos anos 90 e
incitaram a “moda marginal”.
Se tornaram tanto objetos de desejo quanto alvos de criticas
da sociedade conservadora. Garotas de saias curtíssimas de 14 a 18 anos eram
chamadas de “a nova tentação” por veículos de impressa. Isso incitou o comercio
que já proliferava em torno deste fenômeno.
Não demorou muito para surgir as Enjo kousai (queria indicar o artigo do Otakismo sobre o assunto, mas ele excluiu o
blog XDDD), que são literalmente ‘companhia compensada’, um eufemismo para
prostituição adolescente que girava basicamente em torno do fetiche por
colegiais. Simplificando o fenômeno, muitas se viram “motivadas” a se
aproveitarem do fascínio que nutriam nos homens e saírem com eles para manterem
o status ou o alcançarem.
Ser uma colegial se tornou caro (novamente, simplificando) e para não ficar de fora das tribos mais
badaladas, muitas garotas de classe média baixa se viram obrigadas a
conseguirem dinheiro para manterem esse padrão de extorsão, agora, capitalista.
Devo dizer que isso começou como um trote da classe mais elevada que se
divertiam com as abordagens de homens nas ruas perguntando quanto custa e se
tornou um comercio forte e mais vivo do que nunca atualmente.
Ryuuko; Uma
Personagem Cheia de Facetas!
Acho que com esse resumeco, deu pra entender qual é o meu
ponto. Quando eu disse no texto anterior que Kill la Kill era uma sátira do
conceito School Life japonês, eu não pensava que fosse tão longe, mas era
obvio, em vista que o próprio gênero school life só é tão absurdamente popular
por um reflexo da própria sociedade. Eu tenho pra mim, que a senciência do
uniforme de Ryuuko não é por acaso.
Seria Ryuuko tão explorada sexualmente como um reflexo de
sátira ao High School Girl Boom? Não posso saber, mas gostaria de levantar a
questão. Numa primeira camada, é explicitamente pra realmente ser expositivo,
exagerado e quente. É pra vender figures e pra atrair a atenção do publico que
interessa. Não há dúvidas. Mas e se numa segunda camada o roteiro dá um sentido
a isto? O que me chamou a atenção, é que Ryuuko chama atenção justamente pelo
seu uniforme provocante.
Nesse mesmo episódio 2, Mako fica em posições de fácil
exposição de suas partes intimas e mesmo a adversário de Ryuuko ficando
completamente nua, não deixa a torcida tão enlouquecidamente excitada como a
Ryuuko o faz com o uniforme. Algo que não acontece quando ela está apenas com
uniformes normais e sem graça (aos olhos
deles). Eu acho que vale prestarmos atenção nessa perspectiva pelos
próximos episódios.
Mas o melhor nem é isso, mas a principal bandeira que a
personagem carrega.
A sociedade em Kill la Kill é construída de forma metafórica.
Uma sociedade totalitarista em que os uniformes estabelecem a hierarquia
social. Tal qual acontece atualmente no Japão, representando um pedaço
importante da economia, mas que para uma série com os dois pés fincados no
antigo Japão (em especial, os explosivos
anos 80), parece ter um significado muito maior naquele período onde uma
restrita classe social ditou a tendência do momento que influenciariam as década
seguintes.
Essa é Satsuki, que com sua influencia gerada pelo poder
aquisitivo da família, estabeleceu um novo padrão social para a escola e
aqueles que ali estudavam. Assim sendo, a favela e zonas de luxo são
metaforicamente representações de status daqueles alunos. Todos devem se sujeitar, mas nem todos conseguem fazer parte da elite.
Kill la Kill, como uma série que parodia o battle shounen
clássico, estabelece Ryuuko como o espírito shounen capaz de conseguir uma
vitória de situações adversas. Ela tem um uniforme que influencia diretamente
nos resultados das batalhas. Um uniforme especial. Diferente. Que faz frente a
outros uniformes de nível inferior a ele. Se ela conseguir transpor o poder de
Satsuki, ela influencia diretamente – ainda que não seja inicialmente a
intenção primaria – naquele padrão socioeconômico.
Ryuuko é a típica personagem shounen dos anos 60 a 80. Nekketsu
pode ser definido como o espirito, a dinâmica, a energia de um personagem que
não conhece limites. Personagens que em momentos críticos ficam com sua áurea “pegando
fogo” sempre nos momentos mais críticos, nos momentos que parece que não é mais
possível arrancar uma vitória. Ele então extrai energia da sua força de espirito
e tem o seu vigor revigorado.
E a característica básica dos personagens de battle
shounens. Nekketsu que significa “sangue quente”, “ardor”, “paixão”, “entusiasmo”,
“febre”, se tornou espirito de uma época. Esse tipo de abordagem surgiu numa
época de um Japão pós-guerra devastado moralmente e estruturalmente. Aquela
geração precisava de exemplos que o ajudassem a superar a derrota com bravura e
esperança no amanhã. O shounen então se tornou uma apologia de que era possível
dar a volta por cima nas situações mais adversas em um país inseguro.
A década de 70 marcaria a mudança de identidade e
desenvolvimento do Japão. Um período caracterizado pelo aumento das Artes
Marciais e dos Esportes nos animes e mangás. Dessa época surgiram clássicos
muito importantes. Um dos grandes dessa geração é Ace wo Nerae, que dialogava
mais com o publico feminino, e o maior de todos, Ashita no Joe (simbolicamente “Joe do Amanhã”).
Representando a luta da classe mais baixa, se tornou símbolo de uma nova
geração. Ashita no Joe reflete as consequências não intencionais da
modernização do Japão, representando aqueles que foram deixados para trás.
Enfim, nesse episódio temos referência de Ace wo Nerae, mas
a essência da série desde o primeiro episódio é Ashita no Joe, não apenas na
personalidade de Ryuuko, como também no storyboard.
O uniforme de Ryuuko se chama Senketsu, que significa “cheiro
de sangue”, “sangue fresco”, “agir por conta própria”, o que soa irônico se
pensarmos no significado não apenas do termo Nekketsu, mas o que representa
culturalmente. Ele precisa se alimentar do sangue quente de Ryuuko toda vez que
essa se encontra em situações adversas, mas como uma paródia, esse poder de
superação possui um tempo limitado colocando-a em apuros.
Em outro ponto, eles se referem a estes uniformes especiais
como Kamui (espirito), que é um
termo da mitologia dos índios Ainu. Ainu significa “pessoas” e Kamui faz referências
a seres divinos, oriundo de uma lenda em que eles comeram o corpo de uma planta
que continha esse espirito. A suposta graça está na citação logo em seguida de
que eles deveriam fazer os preparativos para a invasão de Hokkaido. Para quem não
sabe, os Ainus foram colonizados pelo novo modelo econômico do imperador, mas
vulgarmente fala-se que foram expulsos de Hokkaido, sua terra natal. Sarcasmo
puro, não?
Por fim
Acho incrível como o roteiro consegue ter tanta substancia (certeza que a maioria inacessível a muitos
de nós ou que simplesmente se perdem nas traduções) e ainda ser tão enxuto
com uma primeira camada simplória. Enfim, eu gostei acho que mais desse
episódio que do anterior, principalmente pelas referências à Ace wo Nerae – não
apenas pela temática do tênis, mas pela agressividade like battle shounen cortesia de Ozamu Dezaki (que também dirigiu Ashita no Joe) a um anime para
garotas, assim como toda a experimentação visual em que o cenário se torna uma
extensão do emocional das jogadoras.
E claaaaro, eu quase tive um orgasmo ao ver manservice
totalmente inspirado na FABULOSIDADE do Akio, o negão mais gostoso dos animes,
personagem de Shoujo Kakumei Utena. Meu corpo ficou quente só com essa
referência e apenas eu ter pronunciado o nome dele, é capaz de eu estar grávida!!
OHMAIGAWD. O Akio é um escroto, mas é gostoso. Ele juntamente de Touga e outro
personagem que não é importante, ficavam fazendo essas poses sensuais no capô
de um carro. O toque de paródia aqui nem é apenas nas poses do professor de
Ryuuko, mas no contexto dela nua junto dele. Spoilas, Utena transou com Akio, e
acho que tentaram fazer um link dela acordando nas garras dele e sua
fabulosamente charmosa dança do acasalamento.
Acabei por aqui. Gostei muito da Satsuki nesse episódio
também, e fiquei com a impressão de que talvez haja algo muito maior por trás
dela, que me parece uma personagem honrada. Ansiosa por mais. Não sei se
comentarei os próximos, apenas se eu tiver algum ponto de vista que queira compartilhar.
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