sexta-feira, 4 de outubro de 2013

WataMote (2013) – Não é Culpa Minha Eu Não Ser Popular!

Porque se a Otome mais carismática dos animes não é popular, a culpa não é dela!


A série trata de Tomoko Kuroki (Izumi Kitta) que tenta mudar a perspectiva de sua disfuncional vida social. Mesmo passados três meses depois da entrada no do ensino médio e ela ainda não ter conversado com ninguém na escola, Tomoko ainda se mantém extremamente otimista de ter condições de viver uma vida escolar plena e feliz. No entanto, essa convicção se torna um humor negro desesperado a cada tentativa seguida de falha.

Sem dúvidas alguma no peso dessa declaração, ‘Watashi ga Motenai no wa Dou Kangaete mo Omaera ga Warui!’ (‘Não é Culpa Minha Eu Não Ser Popular!’), vulgo WataMote, foi a minha maior surpresa no ano com relação à animes. Digo isso porque como leitora do mangá, eu não dava nada para essa adaptação. Também porque Shin Oonuma é um diretor inconstante dirigindo duas séries ao mesmo tempo (a outra era Fate Kaleid Liner Prisma). Mas logo no primeiro episódio ele surpreende com uma direção artística e autoral impressionante. Se por um lado a série tem baixos valores de produção, por outro ele utiliza vários truques de linguagens visuais para compor o vazio existente entre uma mídia impressa e uma mídia audiovisual. O modo como a autora Nico Tanigawa compõe a linguagem visual do mangá de tirinhas funciona perfeitamente bem lá, com seus espaços negativos e quadros largos, mas que se perderia na mídia de anime.

Dessa forma, Shin Oonuma que geralmente falha muito ao tentar replicar o que aprendeu com Akiyuki Shinbo, acerta com um vocabulário visual eficaz e imaginativo que expressa para o telespectador todas as emoções internas sentidas por Tomoko. Essa assinatura de externar emoções dos personagens visualmente é uma herança da escola oldschool de animação deixada por diretores como Osamu Dezaki num tempo onde não havia os recursos de hoje. Entre diferentes estilos de animação (como a sequência fantástica de storyboard do episódio 10 em que Tomoko grita desesperada que se interliga com a abertura onde que ela já inicia gritando - assista aqui) e filtros aplicados durante a série, o exemplo mais feliz é quando todos os personagens ficam cinza sempre que Tomoko se sente excluída ou o inverso, em que ela fica cinza e todo o resto coloridos quando sua baixa estima diminui assombrosamente.

Outro ponto de destaque são as paródias de séries de animes atuais, de Death Note à Another, de Kimi ni Todoke à Suzumiya Haruhi. Todas contextualizadas ao momento que Tomoko estava vivendo, ao que ela estava sentindo em determinada situação, tornando essas referências bem encaixadas, não se transformando em meros inserts vazios.  


WataMote perigava cair na armadilha de ser um show de uma piada só: o fracasso social de Tomoko. E embora orbite em torno dessa inaptidão dela em socializar, a série é repleta de nuances e particularidades que fazem parte do cotidiano de uma pessoa que tenha ao menos uma substancial névoa de antissocial em si. Coisas como se sentir irritado com as pessoas felizes e sorridentes ao seu redor, o receio de que pensem que você é uma pessoa solitária, dar a volta no quarteirão só para não passar em frente a um grupo de conhecidos, de fingir que é uma pessoa experiente com o sexo oposto. Essencialmente são atitudes de pessoas inseguras. E Tomoko é exatamente assim.

A comicidade da série vem das satirizações que a autora faz desse modus operandi do otaku padrão japonês. A começar pelo título “não é minha culpa se eu não sou popular”, uma ideologia da própria Tomoko que reflete o padrão comportamental do nerd que canaliza o sentimento de inferioridade ao seu hobbie, encarando-o de modo a se sentir especial. Mas no fundo, Tomoko é insegura. Não consegue manter uma conversa com alguém sem gaguejar ou que não seja ações cotidianas monossilábicas. Sua insegurança vem da inferioridade que sente diante dos demais.

Enquanto que com seu hobbie escapista, ela pode ser o que quiser, e consequentemente, ali ela é eloquente e desinibida, em consequência da autoconfiança por estar num ambiente seguro.  

Sua incapacidade de se comunicar e expressar socialmente não é exatamente por culpa de internet ou hobbies, ao contrário, são esses sintomas que mais levam pessoas a se refugiarem na segurança da rede e das fantasias escapistas, mas é inegável como a internet influencia negativamente para que a pessoa se feche cada vez mais, assim como a extrema dedicação à um hobbie. A imaginação é o caminho usual percorrido por todos aqueles que querem fugir de uma realidade que os oprime. Nota-se a capacidade imaginativa e artisticamente efervescente mais substancialmente em crianças introspectivas, sem que isso signifique que elas são antissociais – caso contrário Annie de Green Gables não seria tão hiperativa e comunicativa. Porém, fica implícito que Tomoko desde muito novinha já estava inserida nesse universo, sem intervenção dos pais, atrofiando gradativamente qualquer resquício de habilidade comunicativa. Claro, não é o hobbie em si, mas o modo como permitimos que afetem nossas vidas.



Confiar na fantasia ou formar seus pontos de vistas sobre a vida com base em entretenimentos é como se debater em areia movediça. Usualmente Tomoko utiliza a palavra “vadias” para se referir a todas as mulheres [e personagens] que não se enquadram nos padrões impostos pela cultura otaku (é principalmente uma gíria usada por fóruns otakus). A partir do segundo episódio, passa a se referir à sua melhor e única amiga [de infância], Yuu Naruse (Kana Hanazawa), também como vadia, quando descobre que a amiga não é mais como costumava ser: nerd impopular. Após o reencontro nostálgico entre as duas, uma vez que Yuu se mudou e ficaram um bom tempo sem se ver, Tomoko fica paralisada pelo choque ao descobrir que, apesar de ainda compartilharem hobbies em comum, a amiga agora é extremamente popular e ainda tem um namorado. Ou seja, tudo o que ela estava almejando e não conseguia. Provando que a impopularidade de Tomoko não era por causa dos seus hobbies.

Esse contraste entre Yuu e Tomoko fica mais explicito através do visual das duas. Yuu se transforma completamente de patinho feio à moeblob. Uma mudança de postura imposta pela sociedade que fica implícito na série através da mudança para o seu novo visual, só assim sendo possível que ela pudesse ser aceita socialmente e ter um namorado. Ser uma princesa desejada. Essa dicotomia fica mais estridente pelo fato de Tomoko não conseguir, em todas as tentativas feitas, se adequar a este padrão de aceitação. Aquela não é ela, tão logo ela sempre torna a ser quem sempre foi. Só que o problema da Tomoko continua sendo a dificuldade de interação com pessoas além da família. É então que a série faz outro paralelo dissonante entre as duas, uma vez que Yuu abre mão de viver intensamente os velhos hobbies para se dedicar a sociabilidade. Em contrapartida, Tomoko está cada vez mais para Tatsuhiro Sato, de ‘Welcome to the NHK’, cada vez mais imersa na podridão.



Podemos também traçar um paralelo com outra série do gênero, como ‘Lucky Star’ e sua protagonista Konata, que é capaz de abrir mão dos amigos para apreciar seus animes. O paralelo é em como as duas séries se colocam como sátiras do modo de vida do otaku de animes [e related] no Japão. Aliás, o mesmo caminho de sátira é traçado também por ‘Welcome to the NHK’, de uma forma mais comicamente doentia. Nico Tanigawa demonstra vasto conhecimento de causa, daqueles casos em que você olha e fala “isso nunca poderia ser passado dessa forma apenas com conhecido teórico” – é semelhante ao que a Vaquinha Arakawa faz em Gin no Saji –, então não é surpresa que Tomoko se diferencie muito dos personagens otakus que se vê por ai. Ela não é uma personagem que faz apologia ao hobbie. Ela é forte, tem motivações sólidas, tem personalidade.

 O enredo segue em linha reta, não há aquela trajetória de desenvolvimento rumo ao crescimento, e acredito que nem mesmo no mangá isso não irá ocorrer. Não é prejudicial, porque a motivação da série é justamente mostrar o cotidiano da garota que aspira ser popular em vários esquetes. O ponto mais forte também é o mais fraco: como a estrutura do humor é em cima de satirizações mundanas do cotidiano de qualquer otaku, ocorre o mesmo que em ‘Welcome to the NHK’, a medida que se avança, as tramas vão ficando mais graves, os risos mais esparsos, a vontade de abraçá-la aumentam (assim como o ato de enfiar a cara entre os travesseiros) as desgraças da Tomoko já não soam tão engraçadas, mas desesperadas, o que pode ser desgastante emocionalmente, e ao contrário da série citada, WataMote não se reinventa e a narrativa é circular. Neste aspecto, o anime parou em um ótimo ponto. Meio vazio, mas cheios de nuances ao pontuar a máxima da série: enquanto Tomoko continuar fantasiando que os outros são os culpados e fugindo, tudo continuará igual.


P.s.: A seiyuu de Tomoko, Izumi Kitta, faz uma das melhores dublagens do ano com relação a animes. Sua composição para a personagem foi perfeita, passando o sentimento de desajuste, retratando habilmente a dicotomia entre os pensamentos de Tomoko e o que realmente acaba saindo de sua boca. Clap, Clap, Clap. 

Nota: 08/10
Diretor: Shin Oonuma
Composição de Roteiro: Takao Yoshioka
Estúdio: Silver Link
ANN: http://goo.gl/K5M6N7
MAL: http://goo.gl/4yvPdO

Dicas Complementares:
- Mangá² #61 – Adaptações

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