Porque se a Otome mais carismática dos animes não é popular, a culpa não é dela!
A série trata de Tomoko Kuroki (Izumi Kitta) que tenta mudar a perspectiva de sua disfuncional
vida social. Mesmo passados três meses depois da entrada no do ensino médio e
ela ainda não ter conversado com ninguém na escola, Tomoko ainda se mantém
extremamente otimista de ter condições de viver uma vida escolar plena e feliz.
No entanto, essa convicção se torna um humor negro desesperado a cada tentativa
seguida de falha.
Sem dúvidas alguma no peso dessa declaração, ‘Watashi ga
Motenai no wa Dou Kangaete mo Omaera ga Warui!’ (‘Não é Culpa Minha Eu Não Ser Popular!’), vulgo WataMote, foi a
minha maior surpresa no ano com relação à animes. Digo isso porque como leitora
do mangá, eu não dava nada para essa adaptação. Também porque Shin Oonuma é um
diretor inconstante dirigindo duas séries ao mesmo tempo (a outra era Fate Kaleid Liner Prisma). Mas logo no primeiro
episódio ele surpreende com uma direção artística e autoral impressionante. Se
por um lado a série tem baixos valores de produção, por outro ele utiliza
vários truques de linguagens visuais para compor o vazio existente entre uma
mídia impressa e uma mídia audiovisual. O modo como a autora Nico Tanigawa
compõe a linguagem visual do mangá de tirinhas funciona perfeitamente bem lá,
com seus espaços negativos e quadros largos, mas que se perderia na mídia de
anime.
Dessa forma, Shin Oonuma que geralmente falha muito ao tentar
replicar o que aprendeu com Akiyuki Shinbo, acerta com um vocabulário visual
eficaz e imaginativo que expressa para o telespectador todas as emoções
internas sentidas por Tomoko. Essa assinatura de externar emoções dos
personagens visualmente é uma herança da escola oldschool de animação deixada
por diretores como Osamu Dezaki num tempo onde não havia os recursos de hoje.
Entre diferentes estilos de animação (como
a sequência fantástica de storyboard do episódio 10 em que Tomoko grita
desesperada que se interliga com a abertura onde que ela já inicia gritando - assista aqui)
e filtros aplicados durante a série, o exemplo mais feliz é quando todos os
personagens ficam cinza sempre que Tomoko se sente excluída ou o inverso, em
que ela fica cinza e todo o resto coloridos quando sua baixa estima diminui assombrosamente.
Outro ponto de destaque são as paródias de séries de animes
atuais, de Death Note à Another, de Kimi ni Todoke à Suzumiya Haruhi. Todas
contextualizadas ao momento que Tomoko estava vivendo, ao que ela estava
sentindo em determinada situação, tornando essas referências bem encaixadas,
não se transformando em meros inserts vazios.
WataMote perigava cair na armadilha de ser um show de uma
piada só: o fracasso social de Tomoko. E embora orbite em torno dessa inaptidão
dela em socializar, a série é repleta de nuances e particularidades que fazem
parte do cotidiano de uma pessoa que tenha ao menos uma substancial névoa de
antissocial em si. Coisas como se sentir irritado com as pessoas felizes e
sorridentes ao seu redor, o receio de que pensem que você é uma pessoa
solitária, dar a volta no quarteirão só para não passar em frente a um grupo de
conhecidos, de fingir que é uma pessoa experiente com o sexo oposto.
Essencialmente são atitudes de pessoas inseguras. E Tomoko é exatamente assim.
A comicidade da série vem das satirizações que a autora faz
desse modus operandi do otaku padrão japonês. A começar pelo título “não é minha culpa se eu não sou popular”,
uma ideologia da própria Tomoko que reflete o padrão comportamental do nerd que
canaliza o sentimento de inferioridade ao seu hobbie, encarando-o de modo a se
sentir especial. Mas no fundo, Tomoko é insegura. Não consegue manter uma
conversa com alguém sem gaguejar ou que não seja ações cotidianas monossilábicas.
Sua insegurança vem da inferioridade que sente diante dos demais.
Enquanto que com seu hobbie escapista, ela pode ser o que
quiser, e consequentemente, ali ela é eloquente e desinibida, em consequência
da autoconfiança por estar num ambiente seguro.
Sua incapacidade de se comunicar e expressar socialmente não
é exatamente por culpa de internet ou hobbies, ao contrário, são esses sintomas
que mais levam pessoas a se refugiarem na segurança da rede e das fantasias
escapistas, mas é inegável como a internet influencia negativamente para que a
pessoa se feche cada vez mais, assim como a extrema dedicação à um hobbie. A
imaginação é o caminho usual percorrido por todos aqueles que querem fugir de
uma realidade que os oprime. Nota-se a capacidade imaginativa e artisticamente efervescente
mais substancialmente em crianças introspectivas, sem que isso signifique que elas
são antissociais – caso contrário Annie de Green Gables não seria tão
hiperativa e comunicativa. Porém, fica implícito que Tomoko desde muito novinha
já estava inserida nesse universo, sem intervenção dos pais, atrofiando
gradativamente qualquer resquício de habilidade comunicativa. Claro, não é o hobbie
em si, mas o modo como permitimos que afetem nossas vidas.
Confiar na fantasia ou formar seus pontos de vistas sobre a
vida com base em entretenimentos é como se debater em areia movediça.
Usualmente Tomoko utiliza a palavra “vadias” para se referir a todas as
mulheres [e personagens] que não se enquadram nos padrões impostos pela cultura
otaku (é principalmente uma gíria usada
por fóruns otakus). A partir do segundo episódio, passa a se referir à sua
melhor e única amiga [de infância], Yuu Naruse (Kana Hanazawa), também como vadia, quando descobre que a amiga
não é mais como costumava ser: nerd impopular. Após o reencontro nostálgico entre
as duas, uma vez que Yuu se mudou e ficaram um bom tempo sem se ver, Tomoko
fica paralisada pelo choque ao descobrir que, apesar de ainda compartilharem
hobbies em comum, a amiga agora é extremamente popular e ainda tem um namorado.
Ou seja, tudo o que ela estava almejando e não conseguia. Provando que a
impopularidade de Tomoko não era por causa dos seus hobbies.
Esse contraste entre Yuu e Tomoko fica mais explicito
através do visual das duas. Yuu se transforma completamente de patinho feio à
moeblob. Uma mudança de postura imposta pela sociedade que fica implícito na
série através da mudança para o seu novo visual, só assim sendo possível que
ela pudesse ser aceita socialmente e ter um namorado. Ser uma princesa
desejada. Essa dicotomia fica mais estridente pelo fato de Tomoko não
conseguir, em todas as tentativas feitas, se adequar a este padrão de
aceitação. Aquela não é ela, tão logo ela sempre torna a ser quem sempre foi. Só
que o problema da Tomoko continua sendo a dificuldade de interação com pessoas
além da família. É então que a série faz outro paralelo dissonante entre as duas,
uma vez que Yuu abre mão de viver intensamente os velhos hobbies para se
dedicar a sociabilidade. Em contrapartida, Tomoko está cada vez mais para Tatsuhiro
Sato, de ‘Welcome to the NHK’, cada vez mais imersa na podridão.
Podemos também traçar um paralelo com outra
série do gênero, como ‘Lucky Star’ e sua protagonista Konata, que é capaz de
abrir mão dos amigos para apreciar seus animes. O paralelo é em como as duas
séries se colocam como sátiras do modo de vida do otaku de animes [e related]
no Japão. Aliás, o mesmo caminho de sátira é traçado também por ‘Welcome to the
NHK’, de uma forma mais comicamente doentia. Nico Tanigawa demonstra vasto
conhecimento de causa, daqueles casos em que você olha e fala “isso nunca poderia ser passado dessa forma
apenas com conhecido teórico” – é semelhante ao que a Vaquinha Arakawa faz
em Gin no Saji –, então não é surpresa que Tomoko se diferencie muito dos
personagens otakus que se vê por ai. Ela não é uma personagem que faz apologia
ao hobbie. Ela é forte, tem motivações sólidas, tem personalidade.
O enredo segue em
linha reta, não há aquela trajetória de desenvolvimento rumo ao crescimento, e
acredito que nem mesmo no mangá isso não irá ocorrer. Não é prejudicial, porque
a motivação da série é justamente mostrar o cotidiano da garota que aspira ser
popular em vários esquetes. O ponto mais forte também é o mais fraco: como a
estrutura do humor é em cima de satirizações mundanas do cotidiano de qualquer otaku, ocorre o mesmo que em ‘Welcome
to the NHK’, a medida que se avança, as tramas vão ficando mais graves, os
risos mais esparsos, a vontade de abraçá-la aumentam (assim como o ato de enfiar a cara entre os travesseiros) as desgraças da Tomoko já não soam tão engraçadas, mas
desesperadas, o que pode ser desgastante emocionalmente, e ao contrário da
série citada, WataMote não se reinventa e a narrativa é circular. Neste
aspecto, o anime parou em um ótimo ponto. Meio vazio, mas cheios de nuances ao
pontuar a máxima da série: enquanto Tomoko continuar fantasiando que os outros
são os culpados e fugindo, tudo continuará igual.
P.s.: A seiyuu de Tomoko, Izumi Kitta, faz uma das melhores
dublagens do ano com relação a animes. Sua composição para a personagem foi
perfeita, passando o sentimento de desajuste, retratando habilmente a dicotomia
entre os pensamentos de Tomoko e o que realmente acaba saindo de sua boca.
Clap, Clap, Clap.
Nota: 08/10
Diretor: Shin Oonuma
Composição de Roteiro: Takao Yoshioka
Estúdio: Silver Link
ANN: http://goo.gl/K5M6N7
MAL: http://goo.gl/4yvPdO
Dicas Complementares:
- Mangá² #61 – Adaptações
Temas Relacionados:
- Review: Tasogare Otome x Amnesia
- Ace wo Nerae! – Explosões de Cores!
- Chuunibyou demo Koi ga Shitai! – A Sacarina do KyoAni
- Bem-vindo a N.H.K! ou Welcome to the NHK! - Volume 01
Nota: 08/10
Diretor: Shin Oonuma
Composição de Roteiro: Takao Yoshioka
Estúdio: Silver Link
ANN: http://goo.gl/K5M6N7
Dicas Complementares:
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