quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Minha relação com sustos e histórias de Terror

Gritos e almas penadas, quando o medo é verdadeiro? 
Eu nunca fui de ter medo de filmes de terror, embora facilmente impressionável ao ponto de não conseguir mais tirar determinadas cenas da cabeça, chegando a ter pesadelos. Curiosamente, quando mais nova, tinha maior cagaço de histórias de terror que me contavam à noite, pouco antes de dormir. Não raramente saia correndo pros quartos dos meus pais, evitava ir ao banheiro com medo do escuro e ficava ouvindo ruídos e chamados. Aliás, durante toda minha infância e parte da adolescência eu escutei ruídos e vozes me chamando. Não sei se porque desde que me entendo por gente sempre nutri verdadeiro fascínio pelo oculto e Ficção Fantástica ou por ser muito imaginativa. Talvez seja os dois, não?

Para agravar este quadro psicológico, meus pais sempre foram religiosos e supersticiosos. Tinha aquelas besteiras de calçado virado para cima atrair morte e mau agouro, de espíritos que ficavam vagando na terra sem paz e arrastando correntes. Havia até aquela velha superstição de que manga verde com leite era veneno (!!). Eu, inocente que era, acreditava com todo o meu ser. Sempre que ia pra “roça”, tinham aquelas cruzes enormes, histórias folclóricas assustadoras que me fazia ir dormir com as unhas cravadas no peito de meu pai, isso quando não conseguia dormir e ficava ouvindo uivos e grilos cantando. Era um cenário tão pitoresco, que a casa de meus avós ficava numa fazenda cercada de vegetação, na encosta de um morro, e logo acima no topo uma enorme rocha. E ficavam me perturbando com “aquela rocha vai rolar e nos matar”.

Sem falar que depois das 20 horas, tudo escurecia. Não havia por perto nenhuma casa, comercio... nada, penas mato, água, montanhas e bichos. Diziam que quando alguém chamava seu nome, era uma alma penada pedindo permissão para entrar. Definitivamente, em hipótese alguma, você deveria responder (!).  Em outra oportunidade, quando uma amiga da minha mãe morreu praticamente dentro da nossa casa, eu fiquei dias e dias perturbada, porque ela estava passado uns tempos com a gente, então criou-se uma rotina. A partir dai, eu ficava me lembrando dela indo e vindo pela casa. À noite, luzes do banheiro amanhecia acesa sem ninguém ter confessado usar, até que numa manhã a torneira da pia apareceu aberta. Foi um caos durante uma semana depois da morte dela, embora hoje eu pense que tenha explicação lógica para os ocorridos, na época era pequena demais pra não me apavorar.

Como podem ver através de alguns exemplos, tive uma infância que moldou o que sou hoje. Adultos parecem ter um prazer mórbido em aterrorizar criancinhas, não medindo as consequências de seus atos, XD. O fato é que cansei de ouvir vozes e coisas do tipo, e foram sensações muito reais, apesar de hoje em dia eu ser completamente cética quanto ao sobrenatural. Ainda assim me provoca fascínio incomum.

De um lado eu não me assusto ou tenho medo de filmes ou quadrinhos de terror, por outro, ainda sinto a maravilhosa sensação de pavor e aflição em muitas obras. Geralmente são obras puramente de suspense, como Psicose (1960), Janela Indiscreta (1954), Festim Diabólico (1948), só pra ficar em alguns dos meus Hitchcock’s favoritos, e porque não, Os Outros (2001), um clássico da minha infância. É raro encontrar terror genuíno como REC (de 2007, o primeiro e único), Os Pássaros (1963), ou Bruxa de Blair (o primeiro, de 1999), entre outros, que ainda cause aquela sensação aflitiva que me faça ficar aterrorizada (ainda é diferente de ter medo).

Provavelmente é o motivo de eu gostar tanto do anime de Higurashi (2006). Ele me oferece o cardápio completo: trash para rir, suspense para ansiar e o terror de não saber o que vem a seguir. Tudo isso me deixava alucinada. Sequências de pura paranoia ou de não saber o que espreitava nas sombras, eram um prato cheio para mim. Não saber quem era o “monstro”, se ele existia de verdade ou era apenas misticismo dos personagens. Comparável às sequências finais de Janela Indiscreta em que o assassino aparece diante da vitima, porém submerso em escuridão fazendo aumentar nosso pavor (do protagonista – já que somos levados a entrar na pele dele através da câmera subjetivo de Hitchcock), de Psicose na arrepiante sequência final onde também não podemos ver de onde sairá o assassino e da antológica cena dos pássaros que vão se agrupando aos poucos em frente à igreja em Os Pássaros. 

Parece inimaginável um filme de terror sem trilha sonora e com as ameaças sendo... pombos?
O que há de comum entre todos os exemplos que citei? Os algozes dos personagens permanecem submersos na escuridão, longe de suas retinas e conhecimento, despertando a paranoia em nossos heróis. Como tememos aquilo que não podemos tocar ou visualizar, ficamos empáticos e exasperados pelo personagem estar numa situação adversa que não poderá lidar, uma autentica sensação de terror. Acabamos criando em nossas mentes monstros ainda mais assustadores e nos desesperamos. É o que há de tão interessante em todos os exemplos que citei, onde o que nos persegue está muito próximo, mas ao mesmo tempo esvai-se como areia entre os dedos. Essa sequência de Janela Indiscreta é genial, o protagonista tem uma lanterna, mas defeituosa, que fica no pisca-pisca. Toda vez que ele lança o jato de luz, o seu perseguidor se detém. Quando as trevas dominam, ele avança e o protagonista se desespera.
Foi uma excelente sacada, porque nos envolve em nosso medo mais primário. Já se imaginou estar sozinho e completamente submerso nas trevas? No episódio 19 de Shinsekai no Yuri (2012, imagem acima), um dos melhores da série, os personagens se veem numa casa sem eletricidade completamente envoltos pela escuridão em um lugar deserto e precisam escapar de um monstro do qual não fazem a menor de ideia de como seja. Não saber a identidade do monstro aumentou o pavor dos personagens e aflição do espectador. Dentro da casa, andando em círculos na escuridão, a sensação é do mais puro terror. Esse foi um episódio que bebeu da fonte dos antigos clássicos do terror em que não era possível visualizar o perseguidor. Em outra série, Caverna do Dragão (1983), eles também seguiram essa formula a risca, no episódio 22 da terceira temporada, chamado O Portal do Amanhecer. Nesse episódio, os heróis e seus arquirrivais precisam lidar com um inimigo em comum, que recebe o sugestivo nome de Aquele Cujo Nome Não Pode Ser Pronunciado. Além de não ter um nome, não possui uma forma. É apenas a escuridão. Se trata de um dos episódios que geram os sentimentos mais opressivos da série. Revi em 2011 e pude constatar que minha memória não me traiu.

Animes de terror que causem aflição pelo terror são raros de se encontrar, pelo modo distinto que os japoneses encaram o sobrenatural, além do fato de não venderem bem nessa mídia.

Se animes de terror não fazem sucesso no Japão, o mesmo não pode ser dito quanto ao filmes. Em meados dos anos 90 e 2000, o Japão teve um bom de filmes de terror – que não devemos confundir com o primeiro boom dos filmes de horror, na explodiu pra valer na década de 80, mas eram filmes extremos para causar choque. 

Não considero muito filmes que dependem unicamente dos assustadores screamer’s.

Vocês devem se lembrar daqueles assustadores joguinhos ou vídeos de pegadinha em que no final do jogo ou do vídeo sempre aparecia uma monga necrófila horripilante com um grito ensurdecedor. Caso não se lembrem, é porque não usavam internet em meados dos anos 2000. Caralho! Me pegavam direto com essas porras! Era tipo eu saltando da cadeira apavorada pelo susto e gritando junto em meio a lagrimas e risos nervosos. Muito nervosos!!! PUT A KEEP ARE YOU! Precisava tomar água depois para me acalmar.

Selecionei um vídeo que possui os screamers mais clássicos.
Screamers são gritos no momento em que você está altamente concentrado em determinada passagem. O ponto é fazer você se concentrar ao máximo em determinado ponto utilizando o suspense para capturar sua atenção, de repente, um grito ou um som dissonante é ouvido e você se assusta, obviamente. É como você estar andando despreocupadamente e com a cabeça nas nuvens de um ponto a outro e de repente alguém pular na sua frente com um sonoro “buuuh”. Já fizeram isso incontáveis vezes comigo. E quer saber? Funcionou. E o que eu digo quando acontece isso? “Palhaço!”, é o que digo já com algum objeto em mãos para arremessar no cidadão.

Em filmes de terror e horror americano essa é uma ferramenta bastante usual, principalmente os “teens” voltados para o publico adolescente. É conhecido como ‘Jump Scare’. Se você é do tipo que levanta a sobrancelha quando lhe dizem que O Bebê de Rosemary (1968) é terror, imagino como se sentiria vendo os primeiros filmes de terror/horror japoneses. Godzilla (1954) conseguia aterrorizar muitas crianças e pais, mas hoje não causa tamanho espanto, tanto que se transformou numa série de “filmes catástrofe”. A partir dos anos 90 os filmes japoneses da nova leva do terror passaram a utilizar screamer’s de modo recorrente, o que talvez fora um dos motivos para que muitos produtores hollywoodianos passassem a produzir remakes, afinal, a linguagem enfim estava mais próxima da ocidental, e ainda mantendo o que há de mais distinto nos japoneses, que são seu olhar para o sobrenatural.

Há várias categorias de screame, ou Jump Scare se preferir, para dar sustos. Um deles é o ruído dissonante quando um personagem vai conferir algo ou quando se vira para trás; é o que chamamos de susto falso. Um muito interessante é o chamado “salto do gato”. O processo é o mesmo, a vítima vai procurar a fonte de algum ruído ou vulto estranho que sentiu, ou apenas conferir a situação, o gato pula. Há outros como a técnica do espelho, do pesadelo, etc. Dificilmente você verá esta técnica em animes (até hoje eu só vi sendo usado em Higurashi), mas filmes que constroem seu momento de terror unicamente em cima desses elementos ficam datados rapidamente, uma vez que são efeitos que não funcionam por uma segunda vez. São como os sustos que engraçadinhos gostam de aplicar nas pessoas, é algo de momento e utilizando um truque pobre. Diferente dos ruídos naturais que eu escutava na infância e das histórias que me deixa perplexa até hoje. Isso porque nossos piores pesadelos são nossa mente quem cria. O que dá mais medo é aquilo que não podemos lutar fisicamente, nem controlar. O desconhecido.

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