quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Nudez Espiritual

Quando vi essa imagem, pensei: "É ESSA!!!". Que imagem melhor para um título como este do que a do encontro na mesma cena entre a tia Brit e Shinjo Ikari? (esse post contém spoilers de Oyasumi Punpun a partir do volume 10).
E se você por uma feliz coincidência reencontrasse com o grande amor da sua vida? Assim, por acaso.

Estava eu deitada na cama olhando pro teto e sendo picada por mosquitos, enquanto uma lembrança inusitada me saltou. Em meados deste ano tinha enviado uma SMS para alguém que eu não falo há anos, depois de me ver pulsando de tantas saudades. Acontece que eu mesma me distanciei, então fiquei com vergonha de ligar e mandei uma SMS, que prontamente foi respondida, e que prontamente eu ignorei, porque envolve muitas coisas e perguntas que não quero responder. Peguei-me pensando neste momento de fragilidade e imaginando como seria um reencontro. Eu falaria muito, com certeza. E ficaria entre risos e lágrimas, talvez. Deixaria que me visse “nua”? Nããão.

Ah! A trilha sonora sugerida do post é Creep! Não poderia ser outra!
Mas como definir algo tão complexo como “o grande amor da minha vida”? Se trata de uma tarefa subjetiva definida por pequenos detalhes que tornam determinado alguém que passou por sua vida inesquecível. Não apenas inesquecível, porque até mesmo aquele pastel que você comeu no chinoca e te deu dor de barriga por cumprir este requisito de ser inesquecível, mas alguém que conseguiu marcar mais seja por quais motivos forem. Enfim, um exercício particular e arraigado nas profundezas do seu intimo. Eu por exemplo, tenho vários amores – ou seriam paixões? – por minha vida. Desde o meu pai, a quem aos 7 anos já me despertava fascínio pelo cheiro (pow, era foi o primeiro cheiro de homem que senti!) e a quem eu fantasiava ser o meu príncipe ao primeiro professor.

Eu tinha um coleguinha na primeira série que vivia me pedindo o apontador, lápis de colorir, giz de cera, emprestados. Na hora de devolver, era sempre com um sorriso e resvalar de mãos que me estremecia por dentro. Como fazíamos parte da mesma panelinha, íamos embora juntos, para nos separarmos logo em seguida ao tomarmos caminhos diferentes. As vezes íamos só nos dois e quando nos separávamos, eu ficava um tempão parada na encruzilhada observando ele desaparecer. Acho que ele gostava de mim, mas era tímido demais. Eu também. Mas esse não dito e não concretizado, imortalizou o nosso amor não declarado por vias vocais, mas expressas com primor pelas nossas expressões corporais.

É um bom exemplo de qualquer coisa aparentemente insignificante aos olhos de terceiros, mas que tem significados que para você acabam se eternizando.

(créditos de tradução: Shinsekai Scans)
Ao pensar nessa questão de um reencontro com alguém que em algum momento foi coprotagonista de uma história com você e da inibição que surge além da timidez, mas da vergonha de ter que defrontar o passado com o presente, lembrei-me de Aiko e Punpun de Oyasumi Punpun.

Contextualizando, Aiko e Punpun foram amigos de infância, se apaixonaram e se enamoraram, mas numa dessas merdas que se faz na vida que te fazem se arrepender amargamente,  Punpun acaba perdendo a confiança de Aiko, que se distancia. O que é engraçado, pois ambos frequentam por anos a mesma classe, a mesma escola e moram na mesma cidade. 
É desses distanciamentos emocionais, em que a gente estabelece uma enorme barreira entre nós e o individuo que causou a mágoa, excluindo-o de nossa história. Geralmente são atitudes tomadas com um pensamento ainda imaturo, mas convicto de que é o melhor naquele momento.  E talvez seja mesmo. Mais tarde, você percebe o tamanho da insensatez e cegueira que incapacita de enxergar além, mas entende que era inevitável. No caso de Punpun, garoto introvertido e inseguro emocionalmente, além dos problemas familiares que lhe afligiam, também era imaturo demais para compreender a carência afetiva de Aiko e o valor simbólico que representava fugir com ela. Por estes mesmos motivos, também não foi capaz de se fazer entender ou desembaraçar os maus entendidos, a não ser agarrar sua cintura em lagrimas pedindo para que não o deixasse. Até o momento que Aiko se cansou e se afastou, por não se capaz de compreender o abandono de Punpun. Traçando uma visão pré-moldada, limitada e falsa de Punpun, mas a única do qual dispunha e sua imaturidade permitia enxergar, Aiko que necessitava urgentemente de alguém para se agarrar, vai por outros “caminhos”, sempre evitando o olhar de Punpun. 

Ele que nunca fora capaz de se esquecer dela, um dia a reencontra por acaso. Eles marcam um encontro, onde acabam contando diversas mentiras sobre suas vidas, com histórias maquiadas que buscavam omitir as fraquezas daqueles que as contavam. Eles ainda não dizem nada, mas se sentem estranhos e desconfortáveis um com o outro. Havia uma superficialidade entre eles, de sorrisos plásticos e uma vida sendo contada que dava outra personalidade para eles. Logo fica claro o porquê deste desconforto. Afinal, eles estavam mentindo sobre se mesmos, por vergonha de exporem para o outro que nada do que sonharam na infância se realizou e que agora carregam uma atribuição dada a jovens como eles pela sociedade: fracassados. Mais: em meios a uma crise emocional que parece durar desde o momento em que nasceram, impossibilitando-os de dar um passo adiante sem tropeçar, de tão desajustados. E neste cenário, é claro que surge a necessidade da fuga, você não quer ficar exposto.

É uma situação em que em algum momento sempre acabamos, de um modo ou outro, cruzando pela vida ao sermos defrontados com um fragmento do nosso passado que se materializa bem na nossa frente. A sociedade estabelece padrões altos demais, e de repente você está muito abaixo até mesmo do que pode ser considerado razoável. É natural que ao se deparar com alguém e querer fugir deste confronto, ainda que ambos estejam na mesma situação, o abismo anterior de cada um sempre é maior que o do outro e o medo as vezes imobiliza qualquer ação.
É um dos meus momentos preferidos de Oyasumi Punpun, que tão frequentemente expõe tão bem temores e experiências pessoas que em algum momento nos aflige. Lembra também um momento similar em Watamote, outro show que adora esfregar as fragilidades que carregamos em nossa cara, em que a protagonista acaba inventando várias mentiras para manter a máscara de que era alguém muito cool, e não uma desajustada, rs. Enfim, nunca precisei inventar coisas, porque já sou naturalmente reservada (dizem que não!) e respondo tudo da forma mais vaga possível, mas no lugar da Aiko, ao me reencontrar com alguém tão intimo que testemunhou de perto minhas desgraças e que agora não passava de um estranho, o que é um pouco triste, creio que também teria a mesma atitude. Mesmo porque, geralmente, se alguém pergunta como vai você, ela não quer ouvir que você está com câncer terminal. Imagina a cena!! Acho que é um sentimento humano que talvez todos sintam em algum momento, o de não querer expor sua fragilidade. Não se encontra problemas em expor as decepções e problemas, mas quando se está realmente fraco, imagino que o sentimento seja a de uma aberração acuada sob a luz dos holofotes. Dai vem a importância de valorizar sempre que alguém se mostra verdadeiramente nua pra você. O que torna o nu físico algo completamente trivial e sem tanta importância. Se despir emocionalmente é muito mais intimidador. 

*nesse momento surgiu a imagem de um extraterrestre na minha mente*