Estava eu deitada na cama olhando pro teto e sendo picada
por mosquitos, enquanto uma lembrança inusitada me saltou. Em meados deste ano
tinha enviado uma SMS para alguém que eu não falo há anos, depois de me ver pulsando
de tantas saudades. Acontece que eu mesma me distanciei, então fiquei com
vergonha de ligar e mandei uma SMS, que prontamente foi respondida, e que
prontamente eu ignorei, porque envolve muitas coisas e perguntas que não quero
responder. Peguei-me pensando neste momento de fragilidade e imaginando como
seria um reencontro. Eu falaria muito, com certeza. E ficaria entre risos e
lágrimas, talvez. Deixaria que me visse “nua”? Nããão.
Ah! A trilha sonora sugerida do post é Creep! Não poderia ser outra!
Mas como definir algo tão complexo como “o grande amor da minha
vida”? Se trata de uma tarefa subjetiva definida por pequenos detalhes que
tornam determinado alguém que passou por sua vida inesquecível. Não apenas
inesquecível, porque até mesmo aquele pastel que você comeu no chinoca e te deu
dor de barriga por cumprir este requisito de ser inesquecível, mas alguém que
conseguiu marcar mais seja por quais motivos forem. Enfim, um exercício
particular e arraigado nas profundezas do seu intimo. Eu por exemplo, tenho
vários amores – ou seriam paixões? – por minha vida. Desde o meu pai, a quem aos
7 anos já me despertava fascínio pelo cheiro (pow, era foi o primeiro cheiro de homem que senti!) e a quem eu
fantasiava ser o meu príncipe ao primeiro professor.
Eu tinha um coleguinha na primeira série que vivia me
pedindo o apontador, lápis de colorir, giz de cera, emprestados. Na hora de
devolver, era sempre com um sorriso e resvalar de mãos que me estremecia por
dentro. Como fazíamos parte da mesma panelinha, íamos embora juntos, para nos
separarmos logo em seguida ao tomarmos caminhos diferentes. As vezes íamos só
nos dois e quando nos separávamos, eu ficava um tempão parada na encruzilhada
observando ele desaparecer. Acho que ele gostava de mim, mas era tímido demais.
Eu também. Mas esse não dito e não concretizado, imortalizou o nosso amor não
declarado por vias vocais, mas expressas com primor pelas nossas expressões
corporais.
É um bom exemplo de qualquer coisa aparentemente
insignificante aos olhos de terceiros, mas que tem significados que para você
acabam se eternizando.
(créditos de tradução: Shinsekai Scans)
(créditos de tradução: Shinsekai Scans)
Ao pensar nessa questão de um reencontro com alguém que em
algum momento foi coprotagonista de uma história com você e da inibição que
surge além da timidez, mas da vergonha de ter que defrontar o passado com o
presente, lembrei-me de Aiko e Punpun de Oyasumi Punpun.
Contextualizando, Aiko e Punpun foram amigos de infância, se
apaixonaram e se enamoraram, mas numa dessas merdas que se faz na vida que te fazem
se arrepender amargamente, Punpun acaba
perdendo a confiança de Aiko, que se distancia. O que é engraçado, pois ambos
frequentam por anos a mesma classe, a mesma escola e moram na mesma cidade.
É desses distanciamentos emocionais, em que a gente estabelece
uma enorme barreira entre nós e o individuo que causou a mágoa, excluindo-o de
nossa história. Geralmente são atitudes tomadas com um pensamento ainda
imaturo, mas convicto de que é o melhor naquele momento. E talvez seja mesmo. Mais tarde, você percebe
o tamanho da insensatez e cegueira que incapacita de enxergar além, mas entende
que era inevitável. No caso de Punpun, garoto introvertido e inseguro
emocionalmente, além dos problemas familiares que lhe afligiam, também era
imaturo demais para compreender a carência afetiva de Aiko e o valor simbólico
que representava fugir com ela. Por estes mesmos motivos, também não foi capaz
de se fazer entender ou desembaraçar os maus entendidos, a não ser agarrar sua
cintura em lagrimas pedindo para que não o deixasse. Até o momento que Aiko se
cansou e se afastou, por não se capaz de compreender o abandono de Punpun.
Traçando uma visão pré-moldada, limitada e falsa de Punpun, mas a única do qual
dispunha e sua imaturidade permitia enxergar, Aiko que necessitava urgentemente
de alguém para se agarrar, vai por outros “caminhos”, sempre evitando o olhar
de Punpun.
Ele que nunca fora capaz de se esquecer dela, um dia a
reencontra por acaso. Eles marcam um encontro, onde acabam contando diversas
mentiras sobre suas vidas, com histórias maquiadas que buscavam omitir as
fraquezas daqueles que as contavam. Eles ainda não dizem nada, mas se sentem
estranhos e desconfortáveis um com o outro. Havia uma superficialidade entre
eles, de sorrisos plásticos e uma vida sendo contada que dava outra
personalidade para eles. Logo fica claro o porquê deste desconforto. Afinal,
eles estavam mentindo sobre se mesmos, por vergonha de exporem para o outro que
nada do que sonharam na infância se realizou e que agora carregam uma atribuição
dada a jovens como eles pela sociedade: fracassados. Mais: em meios a uma crise
emocional que parece durar desde o momento em que nasceram, impossibilitando-os
de dar um passo adiante sem tropeçar, de tão desajustados. E neste cenário, é
claro que surge a necessidade da fuga, você não quer ficar exposto.
É uma situação em que em algum momento sempre acabamos, de
um modo ou outro, cruzando pela vida ao sermos defrontados com um fragmento do
nosso passado que se materializa bem na nossa frente. A sociedade estabelece
padrões altos demais, e de repente você está muito abaixo até mesmo do que pode
ser considerado razoável. É natural que ao se deparar com alguém e querer fugir
deste confronto, ainda que ambos estejam na mesma situação, o abismo anterior
de cada um sempre é maior que o do outro e o medo as vezes imobiliza qualquer
ação.
É um dos meus momentos preferidos de Oyasumi Punpun, que tão
frequentemente expõe tão bem temores e experiências pessoas que em algum
momento nos aflige. Lembra também um momento similar em Watamote, outro show
que adora esfregar as fragilidades que carregamos em nossa cara, em que a
protagonista acaba inventando várias mentiras para manter a máscara de que era
alguém muito cool, e não uma desajustada, rs. Enfim, nunca precisei inventar
coisas, porque já sou naturalmente reservada (dizem que não!) e respondo tudo
da forma mais vaga possível, mas no lugar da Aiko, ao me reencontrar com alguém
tão intimo que testemunhou de perto minhas desgraças e que agora não passava de
um estranho, o que é um pouco triste, creio que também teria a mesma atitude.
Mesmo porque, geralmente, se alguém pergunta como vai você, ela não quer ouvir
que você está com câncer terminal. Imagina a cena!! Acho que é um sentimento
humano que talvez todos sintam em algum momento, o de não querer expor sua
fragilidade. Não se encontra problemas em expor as decepções e problemas, mas quando
se está realmente fraco, imagino que o sentimento seja a de uma aberração
acuada sob a luz dos holofotes. Dai vem a importância de valorizar sempre que alguém se mostra verdadeiramente nua pra você. O que torna o nu físico algo completamente trivial e sem tanta importância. Se despir emocionalmente é muito mais intimidador.
*nesse momento surgiu a imagem de um extraterrestre na minha
mente*
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