Às vezes tudo o que mais queremos é assistir algo que seja
relaxante. Algo atmosférico e que dialogue mais com seu lado emocional do que
algo que exija muito do seu raciocínio. Em uma rotina estressante, depois
daquele banho, é a pílula do alivio.
Nesta temporada de outono, Non Non Biyori e Gingitsune
foram dois animes que preencheram bem este requisito. Quanto a Gingitsune, se
trata de uma obra calorosa, simplista e direta. Baseado no mangá de Sayori
Ochiai (ainda em andamento até presente
data), a história fala sobre crescimento e todos os dilemas típicos da
idade de transição, onde numa pequena cidade do interior em alguma região de
Kanto, Makoto Saeki (Hisako Kanemoto) é
uma garota que perdeu sua mãe aos 4 anos de idade, herdando dela a habilidade
de ver Arautos, que na série são criaturas místicas que nem todos conseguem ver.
Seu melhor amigo é um raposa conhecida como Gintaro (Shinichiro Miki), arauto de um pequeno templo Inari, dedicado ao
Deus da agricultura Ukanomitama. Seu pai é o sacerdote deste templo, mas ao
contrário dela, ele não herdou a habilidade de poder ver os espíritos que
habitam este mundo. Makoto vive despreocupadamente seus dias, enquanto usa a
habilidade de Gintaro de predizer o futuro, para ajudar a pequena comunidade.
O que há de bonito e legal em Gingitsune é a amizade sem qualquer
barreira entre Makoto e Gintaro. Makoto é impulsiva, enquanto Gintaro é mal
humorado e tsundere. A relação entre os dois é muito próxima, permitindo aquela
liberdade de se estressar com o outro e bradar desaforos só possível entre
amigos muito próximos. Mas Makoto é ainda uma garotinha, e como tal, bastante
imatura, embora repleta de boas intenções – seu vestuário na série, sempre com
roupas infatilizadas e até mesmo certa simplicidade masculina, sem muitas
firulas femininas, simboliza bem esta questão sobre sua personalidade moleque –, e nessas horas, Gintaro
sempre solta um suspiro que parece mal humorado, mas na verdade exala a mais
pura compreensão e ternura, principalmente quando ele a olha por cima dos
ombros, denunciando o fato de que ele é incapaz de dizer não aos apelos da
garota; e por mais que ele faça uma cara feia, no fundo, ele está sorrindo.
Essa relação entre os dois se estabelece de modo tão tangível, que nesses
momentos se torna possível sentir um calor interno aflorando no peito.
O Japão possui uma extensa lista de obras sobrenaturais,
centradas em figuras do seu rico folclore, e uma característica marcante de
parcela significativa destas obras diz respeito ao fato delas estarem sempre voltas
ao interior humano. Algo que dá a estas obras tonalidades atmosféricas (assunto já discutido aqui em Uma Conversa Sobre Leveza).
"O antigo sacerdote envelheceu e se aposentou. Está bem
fraco agora. Eu nunca quis vê-lo nesse estado. (...) Pode ser difícil para uma pessoa jovem como você entender, mas
quando se vive há tanto tempo como nós, o tempo passa num piscar de olhos. Um
tempo de vida de um ser humano é muito breve aos nossos olhos. Conhecemos um
sacerdote de quem gostamos e, sem que percebamos, ele morre. Vivenciamos muitas
despedidas com o decorrer dos séculos. E à medida que o tempo passa, não
conseguimos mais nos lembrar dos rostos dos sacerdotes de quem éramos próximos.
É bastante triste" – Kumainu
Este é um diálogo que exemplifica meu fascínio por
Gingitsune. No momento deste diálogo, Makoto olha para Gintaro e sente uma
pontada de tristeza, afinal, o mundo sobrenatural tem um tempo diferente do
humano, e este tempo passa mais devagar. Gintaro conviveu com a mãe de Makoto,
viu pessoas nascerem e morrerem, e certamente a verá morrer enquanto
permanecerá vivo. Há um lado intocado em Gintaro com relação a isto que o deixa
sensibilizado, e que Makoto compreende e sente. Seres humanos buscam na
imortalidade a possibilidade de não simplesmente viverem para sempre, mas o de
não perderem ninguém que ama, podendo estar ao lado deles para todo o sempre;
motivo maior da força pelo qual ansiamos em crer no sobrenatural, numa vida de
reencontro após a morte. Porém, viver eternamente só, enquanto se vê todas as
pessoas com que se criou vínculos morrerem, é uma ideia que soa aterradora.
É interessante como Gingitsune assimila um enredo coming of age [sobre os significados de
crescer e amadurecer] com a temática do relacionamento. Uma temática reutilizada
à exaustão num país onde esta é a maior dificuldade, de Evangelion a Kimi niTodoke. É interessante porque é justamente nesta idade em que isto se torna
mais grave e complicado. A dificuldade de se conectar ao outro nesta fase é
algo assustador; tanto quanto o medo que se sente de ser rejeitado socialmente
ao não conseguir estabelecer este vínculo. E esta questão permeia todos os
episódios de Gingitaro. Com Makoto logo no inicio, onde inclusive, a assertiva
e formal Hiwako Funabashi (Ami Koshimizu),
antes de se tornar sua amiga, a acusaria de estar usando predições do futuro
para se aproximar das pessoas. Funabashi que antes de se envolver com Makoto e sua
outra amiga Yumi Ikegami (Chinatsu Akasaki),
era uma pessoa extremamente fechada e vista como carrancuda pelos demais –
visão que foi se desfazendo aos poucos quando ela passou a se socializar.
Responsável pelo maior arco da série, o introvertido Satoru
Kamio (Kensho Ono) e seu pequeno
arauto filhote de raposa Haru (Ayumi Fujimura), ao ir morar no mesmo templo que Makoto, fugindo do seu passado,
tem revelado no forte contraste com a garota e o modo como se relaciona com
todos ao redor, o seu maior conflito: ser capaz de conviver com as pessoas,
depois de ter passado toda a vida apenas na companhia do avô e de espíritos. Enquanto
Makoto e Gingitaro vivem às turras, ele se mostra extremamente reservado. Poderia
ser uma característica natural, caso ele não se sentisse tão desconfortável.
Como quando você está num lugar e não sabe bem onde colocar as mãos. Há um
sábio pensamento de que, você sabe quando se dá perfeitamente bem com alguém,
quando percebe que consegue ficar com este alguém por longos períodos em
silêncio, sem que este silêncio se torne algo desconfortável entre ambos. Num outro
bom momento, agora já mais solto, ao ser questionado sobre o templo de Gintaro
ser mais divertido e movimentado que aquele onde morava anteriormente, Haru lhe
diz que não é bem assim, e então ele complementa dizendo que certamente lá era
igual, só que ele não estava tão concentrado em si mesmo que não olhou ao
redor.
Um momento de silêncio contemplativo, por favor!
Infelizmente, provavelmente um problema da própria
adaptação, o ritmo se sente fora de sincronia em considerável parcela da obra,
em que certos conflitos não têm o tempo adequado para se estabelecerem e se
tornarem algo mais significativo. Timing é algo imprescindível em qualquer obra,
e de modo substancial nas atmosféricas. Neste aspecto, o maior agravante de
Gingitsune, é que apesar de começar bem equilibrado, com o tempo isto vai se
dissipando. Makoto como protagonista se torna bastante inexpressiva dentro da
série, ao ponto de no final, seus conflitos não ressoarem da forma que deveria
– algo que eu não poderia deixar de sentir, uma vez que sua relação com
Gingitsune é de longe a coisa mais interessante no anime, porém isto acaba se
tornando cada vez mais esporádico. Isso acontece porque Gingitsune não
desenvolve uma narrativa múltipla, ou seja, com várias subtramas se
entrelaçando. Ao invés disso, o anime se foca numa trama por vez, com algumas
se mostrando bem diminutas e sem um trabalho maior de aprofundamento. Tudo isto
culmina num clímax final fraco, com muitas pontas soltas e com um tanto quanto
vazio de emoção.
Enfim, mesmo com tudo isto, Gingitsune soube cativar com
seus personagens repletos de typos típicos de animes otakus, e principalmente
na relação Makoto e Gintaro – como já disse. Também queria ver mais sobre
Funabashi e sua delicada relação familiar, mas creio que ficarei na vontade.
Nota: 06/10
Direção: Shin Misawa
Roteiro: Hiroshi Yamaguchi
Estúdio: Diomedea
Tipo: TV
Episódios: 12
ANN: http://goo.gl/kR4UbH
MAL: http://goo.gl/dverMB
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