domingo, 2 de fevereiro de 2014

Continuações Desnecessárias

Sabe aquela sequência, que por melhor que seja e por mais que você goste, acaba soando como puro oportunismo?
Eu estava revendo o filme clássico do Robocop, de 87, esses dias, e fiquei pensando sobre as sequências que inelutavelmente ocorreu diante do sucesso comercial, fazendo que surgisse então uma franquia multimídia. Cheguei à conclusão, sem mesmo antes de começar a ver o filme seguinte da então trilogia, de que a trilogia era algo completamente desnecessário, apenas caça-nível e fanservice, afinal, o filme clássico fecha completamente de modo fabuloso a sátira ácida à cultura e politica americana, sua mercantilização e o poder manipulativo da mídia tradicional (dica: Teatro dos Vampiros & Metalinguagem de Samumenco). Robocop é um filme ultraviolento (e revendo, fiquei até chocada porque quando assisti com meu pai, era uma criança, e não me lembrava de quase nada. Porém, as pessoas estavam certas, é graficamente violento), e isto vai de encontro à aceitação social da época pela violência desmedidamente gráfica no entretenimento mainstream [e é importante perceber que é justamente isto que ele busca satirizar através de seu intenso gore], uma sintomática do período da Guerra Fria. Enfim, Robocop é o Zeitgeist de uma época, e eu diria que é o melhor reflexo do que foi a década de 1980, do ponto de vista midiático.
Cena de Robocop, de 87
Após essa breve reflexão, parti para os próximos filmes da série e pude perceber que de fato, independente que sejam ou não bons filmes, são apenas um mais do mesmo já meio desbotado, sem a inventividade e teor de ineditismo do clássico. Um paradoxo. Ao mesmo tempo em que carregam a identidade do clássico, se tornaram uma copia genérica, sem criatividade. Eu posso ir além e dizer que chegam a deturpar o conceito original.

Isso me fez pensar nas sequências de alguns animes de sucesso, que logo se tornaram uma franquia, pelos produtores enxergarem uma possibilidade de extrair mais lucros da fanbase que se formou ou simplesmente porque os autores originais acharam que ainda tinham mais para contar, expandindo o universo. De cabeça, o primeiro exemplo que me vem à mente, é o Project Eva, de Hideaki Anno. Sim, Neon Genesis Evangelion.

Com uma ideia na mente, Anno descontruiu todo um conceito que pairava em torno dos mechas, com ineditismo. Pra começar, Eva era bancado por uma poderosa empresa de brinquedos, e na concepção gráfica para estes robozões gigantes, ele tentou ao máximo se distanciar de projetos convencionais, numa quase auto sabotagem (por exemplo, a ideia das pernas esguias demais dos Evas, que muitos achavam que não iriam interessar às crianças). Os próprios Evas não podem ser considerados mechas, uma vez que são seres orgânicos.

A série estreou no horário matutino, mas em seu segundo cour, fora transferido para as madrugas, devido à guinada no enredo, pouco palatável para crianças.

Enfim, Eva é uma história atribulada, repleta de conflitos, tanto no enredo quanto nos bastidores, e isso é parte dos ingredientes que o tornou espirito de uma época de transição politica, social e cultural no Japão. O anime tem sua critica social, e ela é passada substancialmente do inicio ao fim. O desfecho é apropriado e fecha com chave de ouro o comentário social de Hideaki Anno – e por mais que o anime tenha tido que ser encerrado abruptamente, sem entregar o final original, e com um desfecho feito às pressas, nada do que vem a seguir acrescenta algo ao que já tinha sido dito. O The End of Evangelion traz uma resolução mais satisfatória em termos de entretenimento, mas criticamente e conceitualmente analisando, a série clássica é completa no que se propõe a entregar e tudo o que vem a seguir, são apenas ecos.

Comercialmente falando, e como alguém que teve um pouco de Economia, sequências são um grande negocio; e empresas, seja ela de qual ramo for não são casas de filantropias. O que as mantêm erguidas são lucros! E é exatamente por isso que fico dividida quanto a visão de muitos entusiastas e artistas com relação aos rumos tomados no Japão quanto a indústria de entretenimento, que adotou em larga escala no modelo de Akihabara, despertada nos anos de 1990. Idealismo não coloca comida na mesa, e assim como os anos de 1980 tiveram uma característica própria, os anos 2000 é reflexo de uma crise socioeconômica, e toda a indústria teve que se adaptar. Recentemente, o Production I.G. anunciou seu interesse em tornar a franquia Ghost in the Shell num novo Gundam. A estratégia é obvia: explorar o amplo universo da série e se preciso for, criar uma expansão. Se tem ou não combustível para queimar, é outra história. É um modo de não deixar a marca morrer e aproveitar a sua fanbase. Mas Ghost in the Shell, assim como as séries de Gundam, Macross, etc, são o tipo de obra que possuem suas reflexões, porém, não foram estruturadas em torno de um determinado conceito limitado que fica muito dependente da trajetória de um personagem ou critica social, mas de um mundo complexo. Não são obras de uma ideia só, mas de um universo multiplicável e independente do conceito original.

No entanto, em tempos de crise econômica, não há indústria no mundo capaz de ir contra a uma estratégia universal e atemporal: sequências. Não importa se aquela série traz um final que fecha todas as pontas e conclui o pensamento do autor, sempre há uma forma de trazê-la de volta. E se tratando de sequências, crises e empresas querendo garantir sua sobrevivência; para estúdios, produtoras e editoras, ter uma franquia forte é uma conquista invejável. Não é por acaso que Production I.G. e demais envolvido$ arrisquem nas sequências de Suisei no Gargantia e Psycho-Pass. É um risco seguro ainda que as vendas de discos não sejam tão expressivas.

Dos dois, Gargantia é a sequência mais surpreendente. Qualquer um que entende um pouco que seja de narrativa compreende que a jornada chegou ao fim e que o autor não se preocupa em deixar nenhuma brecha lógica. A série apresenta um tema, como defendi nos meu comentários semanais, que seria ótimo vê-lo expandido para 2 cours ou mais de tão expansível que era, no entanto, a partir do momento que colocaram um ponto final no enredo principal, o argumento chegou ao fim. A força que tinha era este argumento, que poderia se expandido a vontade, mas que após chegar ao seu desfecho e todos seus conflitos resolvidos, por mais que Gargantia seja um mundo amplo em possibilidades, a saga de Ledo já não faz mais sentido. Chamber [spoiler, selecione pra ler >>]está sepultado no fundo do oceano, naquele que foi talvez a sequência mais bela do anime, culminando num clímax incrível e maduro onde o jovem precisa aceitar sua impotência cósmica diante da vida e amadurecer, aprendendo a superar suas perdas e partindo para a vida adulta.

Já Pycho-Pass, sempre achei nítido que a série, a partir de certo ponto, estava se preparando para uma sequência – como cheguei a comentar também nos comentários semanais. Mas a sua critica alegórica da sociedade japonesa chegou ao fim junto com o anime. Claro que o universo ainda possui muito potencial, mas dificilmente conseguirá fugir do estigma de narrativa em eco que essas continuações possuem. Quais mais? Madoka Magica, Gatchman Crowds, Chuunibyou, entre outras, são bons exemplos de histórias que do ponto de vista autoral cumpriram o seu propósito, mas retornam motivados por interesses comerciais.
No fim das contas, o que mais caracteriza esses projetos sequenciais, é que para se viabilizarem, se faz necessário se reestruturarem para contar um novo ato, com aconteceu com Evangelion, acontecerá com Gargantia, e muito provavelmente com Psycho-Pass.

Já pensou numa sequência de Perfect Blue? Seria tão despropositado quanto às continuações de Psicose, que para mim, é o maior clássico do Hitchcock (apesar dele errar a mão no final, com explicações cientificas de psicologia). Felizmente, podemos ficar tranquilos por algo como Cowboy Bebop não ter a mínima chance de retornar do passado, afinal, o próprio Shinichiro Watanabe não enxerga o menor sentido num retorno. E que assim seja. 

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