Chega ao fim a saga dos irmãos Nanba nos animes. Ao menos por enquanto.
Depois de quase 2 anos e quase 100 episódios de execução ininterrupta,
me sinto no dever moral de vir aqui e dizer o porque de eu ter acompanhado por
tanto tempo um anime que, em consequência da sua longevidade, inevitavelmente sofreu
altos e baixos. Mas, de episódios mornos a episódios progressivamente lentos em
que pouco ou nada acontece, Uchuu Kyoudai consegue manter um impressionante equilíbrio
na maior parte de seus episódios – falo isso por se tratar de uma história
sobre cotidiano, sobre personagens; de personagens vivendo um dia-a-dia mundano
em que suas preocupações variam de relacionamento às dificuldades ao se tentar
realizar um sonho. Mas é uma história belamente tecida com uma linearidade que
conta a história de parte de uma vida de alguém.
Isso me faz questionar internamente do quão poderoso pode
ser uma obra seriada de muitos capítulos/episódios ao qual você acompanha
durante anos. Por mais que um anime como Mushishi com seus “apenas” 26
episódios consigam criar raízes profundas em seu emocional ou que um Sakamichi no Apollon em 12 episódios desperte
calor em seu coração com a amizade cativante entre dois amigos, a relação entre
publico e obra é completamente diferente quando se vê envelhecendo junto com
esta obra.
E o tempo só faz bem para Uchuu Kyoudai. Se você comprou a
premissa e sentiu empatia por seus personagens no inicio, e então continuou
acompanhando o anime, percebeu que eles cresceram muito e que uma história
simples e de resoluções previsíveis, conseguiu criar suspenses atmosfericamente
dramáticos em decorrência de nos importarmos com eles. Isso é algo que foi construído
gradativamente. Diversas vezes me vi pensando o quão previsível era determinado
tipo de situação, como na fase de eliminação, em que já era possível ter a
certeza que o grupo principal de personagens seguiria intocável. E assim foi. O
que não impediu que a cada final de episódio, um gancho maldoso corroesse o meu
estômago em ansiedade e tensão. Inclusive, uma dos lamentos mais corriqueiros
era: oh, não, vai ficar para o próximo
episódio de novo. E não era só de minha parte, mas de muitos fãs.
Ao decorrer da série, vários personagens vão e vem; contam
suas histórias; influenciam e são influenciados. Para alguns, por mais que se
empenhem, seus sonhos se mostram inalcançáveis por demais; mas isso não é motivo
para deixarem de sonhar. O que há de tão incrível no ser humano é essa sua
capacidade de superação e de poder cultivar vários sonhos e de tornar possível
a existência de vários caminhos a se seguir através de seu esforço,
perseverança e esperança. Ao conseguir dar importância a estas participações –
ainda que algumas bem pequenas – da ampla variedade de personagens, o autor conseguiu
validar suas existências dentro do enredo. Um exemplo que eu gosto, é a de um
personagem secundário que era mergulhador e obcecado por uma espécie exótica de peixe. Nos poucos momentos que aparecia, invariavelmente eram momentos em
que ele estava enchendo o ouvido do protagonista Nanba Mutta (Hiroaki Hirata), que estava imerso
demais em seus próprios problemas para prestar a atenção na história ou no
peixe. Mas em determinado momento, procurando a resolução para um impasse com
seu melhor amigo Kanji Makabe (Masayuki Katou), Mutta encontra a inspiração que resolveria todos os seus problemas
através da história que esse mergulhador ficava falando ao seu ouvido. O
desfecho se dá numa cena emocional com os dois amigos resolvendo seu impasse.
Se Uchuu Kyoudai traça uma história motivadora sobre a vida,
é natural que os caminhos que se cruzam e as ações tomadas se tornem relevantes
num futuro próximo, mesmo que as vezes imperceptível, como a cabeçada que Mutta
dá em seu chefe por este ter ofendido seu irmão, o levando não apenas a uma
sumária demissão por justa causa, mas também a um currículo manchado que lhe fechou
todas as portas. Agora, Mutta, um homem trintão e bom profissional na área de
engenharia automotiva, se vê desnorteado sem conseguir encontrar emprego e com
um futuro indefinido. Mas se não fosse por este ato impulsivo, ele não teria
sido demitido, ficado perdido e por fim, seu irmão Nanba Hibito (Kenn), não teria enviado uma mensagem
convidando-o a se inscrever nos testes para astronauta da Nasa. As vezes a vida
tem dessas coisas mesmo, onde uma série de infortúnios acabam por nos
proporcionar experiências surpreendentes. Diz-se que o Homem só cresce e
amadurece como individuo através dos obstáculos e eu creio bastante nisso. É
como o intelecto humano: se faz necessário expô-lo continuamente a novas
informações para que possa se desenvolver, é através da problemática que se
torna apto para lidar com adversidades cada vez maiores. E é exatamente por
isso que pessoas que são hiperprotegidas na infância e adolescência em uma
concha enfrentam sérias complexidades quando atingem a idade adulta e precisam
sair para o mundo.
Claro, seja você uma pessoa experiente ou não, os medos e
complexos internos atingem indistintamente. É o que acontece com Mutta, que ao
ingressar nos testes preliminares, além de ter de lidar com a avançada idade e
com a alta expectativa de todos por ele ser o irmão mais velho do famoso
astronauta Hibito – que se tornou lenda ao ser o astronauta mais novo e o
primeiro japonês a pisar na lua – precisa lidar com sua latente baixa
alto-estima. Mutta cresceu eclipsado pelo irmão mais novo, e complexado seguiu
uma carreira sólida, mas distante do sonho de criança de um dia pisar na lua ao
lado de seu irmão. Uchuu Kyoudai trata da ascensão de Mutta e seu
amadurecimento: é surpreendente comparar o Mutta dos primeiros episódios com o
dos últimos, este mais centrado e menos complexado, ainda que sua personalidade
atrapalhada e às vezes fazendo as coisas mais inacreditáveis do mundo por não
saber o que dizer, seja algo que irá lhe acompanhar por toda vida.
Uchuu Kyoudai trata desse tema universal que são os sonhos e
a esperança. Este é o segredo do seu sucesso. Algo que eu acho muito terno em
sua narrativa é a insistência em salientar que não importa quando ou a idade
que se tenha, você pode sempre recomeçar e nascer de novo. Mutta que redescobriu
seu grande sonho depois dos 30. Hibito que viu seu mundo perfeito desmoronar
por uma crise de pânico e que por mais que tenha perseverado para dar a volta
por cima, às circunstâncias da vida não permitiu uma reconciliação entre ele e
seu sonho, no entanto, ele entendeu que poderia recomeçar, em outro lugar, e
que este sonho ainda poderia continuar sendo possível, ainda que de uma forma
bem diferente de antes. Às vezes não é possível se alcançar algo por um caminho
nem da forma que se sonhou, então é necessário que se percorra outras direções
para se alcançar esse objetivo. Foi o que ocorreu com Sharon (Masako Ikeda), a madrinha de Mutta e Hibito, que devido a algo que acontece, foi
impedida de continuar seu projeto com os próprios punhos, tendo que recorrer à
ajuda de demais para vê-lo completo. Dessas histórias, uma das que mais me
tocou foi a da pequena Olga Tolstoy (Mariya Ise), que depois do primeiro tombo, abandou sua grande paixão [o balé], só
vindo a retomá-lo mais de 1 ano depois. Essa que é uma história que se correlaciona
diretamente com a de Hibito, mostra como pode ser difícil se levantar ou mesmo
querer continuar seguindo naquela direção depois de um grande tombo. Queremos
nos fechar e fugir por medo de nos ferirmos novamente, de voltar a sentir a
mesma dor. É um sentimento tão humano e que se faz presente em meio a todos,
que é difícil ficar indiferente a ele.
Estudos dizem que somos a geração da insatisfação, de que
somos infelizes por sermos obrigados a corresponder à pré-determinadas expectativas
que não vão de encontro ao que realmente queremos para nossas vidas. Em muitos
casos, uma consequência em achar que tudo vem naturalmente sem a necessidade de
esforço – talvez seja verdade alguns, mas não é realidade da maioria. Atualmente,
Gin no Saji (Silver Spoon - Escolhas & Expectativas), é um mangá/anime que trata com propriedade o tema
sonho versus expectativas que outros
possuem para nós. Solanin é um que merece destaque por imergir completamente
na mente daqueles que chegam na vida adulta e se deparam diante das incertezas
de seguir o sonho idealizado ou manter os pés no chão. Shakespeare dizia, “Nós
somos do tecido de que são feitos os sonhos”. Ele quis dizer que a
essência do ser humano são os sonhos que se tem, e que sem eles não passamos de
cascas vazias. Não apenas sonhar, mas buscar realiza-los, pois no processo e na
sua busca é quando crescemos e aprendemos. Através da dor ou da conquista, nós
nos conhecemos e conhecemos o mundo e outras pessoas. Pode ser um conceito filosófico,
mas ele não soa tão palpável?
Se o Homem não sonhasse, não teria almejado e
consequentemente conquistado. Do sonho nasceu a sociedade, as armas, a tecnologia,
industrialização, a descoberta do cosmos. Ele queria voar, mas não tinha asas,
então inventou o avião. Foi por sonhar que o Homem pisou na lua pela primeira
vez e o autor não poderia ter escolhido um objetivo melhor para os irmãos
espaciais, pois, a ida do Homem à lua representa o grande sonho da humanidade.
Mangás/animes shounens e/ou com temática esportiva estão sempre abrangendo o
tema da necessidade de se ter um sonho, como Chihayafuru (veja a critica do Critico Nippon) onde a protagonista vivia dias
vazios e despretensiosos até despertar para uma grande paixão que se tornou seu
maior objetivo: as cartas do karuta. Ou Kaleido Star, em que a garotinha sai do
interior para a cidade grande por pensar grande demais. Enfim, temos bons vários
exemplos por ai.
O que te move a levantar da cama todos os dias, a continuar
tentando? O que preenche o espaço vazio no seu peito? A resposta é a diferença
entre estar vivendo ou apenas sobrevivendo. Os sonhos trazem a esperança, que
por sua vez proporciona a perseverança. É o que sustenta o sentido da vida.
Talvez soe piegas, mas eu gosto dessa reflexão e desse sentimento que Uchuu
Kyoudai promove. Sabemos que as coisas podem não ser tão fáceis quanto a obra faz
parecer às vezes, mas é justamente esse folego e pensamento positivo da
narrativa que faz o coração se aquecer no peito. Uchuu Kyoudai em torno desses
2 anos me motivou a fazer várias coisas, a cada episódio que conseguia arrancar
lágrimas e ao mesmo um sorriso no meu rosto, de certa forma eu ganhava um
estimulo. O @estranhow comentou no Mangatologia que é por isso que as pessoas
compraram a ideia, porque é algo que traz um afago para o espirito ver algo que
todos têm medo de arriscar, sendo feito pelos personagens. E eu concordo. A
série trabalha conflitos típicos da idade adulta, mas sem o olhar cínico que
muitas obras que abrangem essa faixa etária, fazem. É uma visão mais
esperançosa, e isso é bom, também é importante acreditar em coisas boas!
Trivia:
Com o mangá ainda em andamento, o anime termina em aberto,
mas a staff diz ser apenas um hiato. Esperemos que retorne daqui algum tempo,
e que dessa vez o mangá já tenha sido finalizado, para acompanharmos o final da
trajetória dos irmãos espaciais!
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