No prologo do episódio 04 dois personagens conversam em um plano suspenso. Ambos
parecem não fazer mais parte do plano corpóreo, tendo transcendido a física. Ele
pergunta para ela: “de quem você foi heroína?”. Para quem está em dia com todos os episódios, é um questionamento significativo. Eles parecem ter transcendido a
matéria, algo ocasionado por uma grande obsessão de sacrifício, criando um
universo etéreo paralelo ao físico com o tempo passando de uma forma diferente.
Um dos elementos mais poéticos do expressionismo alemão
reside em seu jogo de sombras e luz. O preto e o branco. Fazendo refletir na
tela a sensação de horror que se alastrava pela sociedade alemã, criando a
partir disto um mundo inquietante de perigo eminente e sempre fatalista; este
reflexo criava na tela uma imagem de um mundo metafisico, de alegorias místicas
aparentemente desprovidas de lógicas ou sentido, mas carregados de significados
e símbolos em suas expressões. As telas captavam as imagens do inconsciente,
seu mundo onírico e realidade subjetiva, por isso tamanha abstração de sentidos
numa tela tentando traduzir algo quase intraduzível, que são as emoções mais
que profundas. Frutos da inquietação e temor obtidos na vida diária se
refletindo no inconsciente.
Para se livrar – ao menos em parte – deste fardo, o Homem
sente a necessidade de decifrar essa intraduzível realidade virtual. É da
inquietação que o ser humano faz arte e faz nascer um universo que transcende a
racionalidade, e acredito que o expressionismo alemão exprime muito bem essa
necessidade humana de “colocar pra fora”, de traduzir o intraduzível. Estava
pensando nisso enquanto assistia, algum tempo atrás, o episódio 4 de Mekakucity
Actors. Mais especificamente, sua terça parte final. E finalmente estou
escrevendo sobre as inquietações que este episódio me causou. /o/
O nosso protagonista-herói para poder passar o final de
semana com a amiga que ama em segredo, conta uma mentira para o pai, porém as
coisas não saem como ele pretendia, se frustrando por não conseguir um momento
a sós com ela por ter que dividir o espaço com uma terceira pessoa [do gênero
masculino]. Ele não demonstra se sentir ameaçado, porque este garoto mais velho
desempenha um papel de tutor para com eles, porém se sente distante da amada. Subjetivamente
poderíamos supor que ele vê sim o outro garoto como uma ameaça que está levando
sua amada para longe de si. Ele quer se declarar, mas tem receio, ao mesmo
tempo em que resoluto de que deve dizer a ela seus verdadeiros sentimentos, não
consegue encontrar a oportunidade para realizar essa ação.
O que vem a seguir é, para mim, é uma das sequencias esteticamente
mais bonitas do anime e que me fez indagar sobre todas essas questões. Ele se
deita, e a partir de então se vê em um loop temporal, repetindo diversas vezes
as mesmas ações: se levanta, anda por um longo caminho até se encontrar com sua
amiga-amada, que perseguindo um objeto (simbolizado
por um gato preto, símbolo de mau agouro) se distancia dele até encontrar a
morte (a ruptura total entre eles; quando
ele não consegue mais alcançá-la). Ele então acorda e repete o mesmo
cenário continuamente, sendo tragado em um vórtice aparentemente infinito, até
que em determinado momento se dá conta que está preso num looping de uma
realidade alternativa e assim resolve interromper esse fluxo, evitando a morte
da amiga, que era o elemento central que impulsionava esse eterno réquiem. Ele
instintivamente sabia que precisava salvá-la para se libertar desse pesadelo espiral;
objetivamente ele queria apenas evitar sua morte sem ter plena consciência do
significado de tudo aquilo.
A composição dessa sequência é belíssima e constitui numa
narrativa repleta de significados, em que a realidade passava a ser vista como reflexos deformados de uma realidade subjetiva,
evidenciando o forte temor interno do protagonista e sua desorientação: ele não
entende, mas sente e teme. Dizem que sonhos nada mais são do que um reflexo
distorcido, intraduzível e abstrato de inquietações. Esses fragmentos do
cotidiano formam um painel de sentimentos rebuscados no qual parecem
incompreensíveis, mas que alertam para uma necessidade subjetiva. Se analisarmos por este aspecto, tudo o que acontece aqui ser ou não literal, se torna insignificante, pois de uma forma ou de outra esse tecido metafisico tem origem em seus próprios temores de perder a garota, criando direta ou indiretamente (com ajuda de terceiros. Sendo isto algo comum no anime, existindo uma entidade capaz de atender desejos inconscientes) um ponto de fuga.
Começa com uma composição de cores azuis harmônicas que
revela o mundo interior e sua confiança e tranquilidade em transitar por ele,
ainda que vários semáforos emitam sinais de alertas e algo pareça não estar
certo, a paisagem com cabos e mais cabos ligados de um poste ao outro – tão
típica do cotidiano japonês –, dizem o contrário. Porém, o cenário traz uma
iluminação contrastada de luzes e sombras que evidenciam o estilizado do preto
e o branco; P&B que são fundamentais para transmitir uma atmosfera onírica de
sonho, e também ameaçador. Assim como ser um plano de uma cidade flutuante e isolada demonstram esse caráter interno e isolacionista, de um mundo à parte. Eu gosto bastante de quando ele acorda e as linhas e
planos de sua cama e fisionomia se estendem um longo preto e branco sem
qualquer camada de cinza.
Na sequência, o cenário de um azul suave e tranquilo, vai se
colorindo pouco a pouco de um vermelho à medida que ele se dá conta de que
precisa salvar sua amiga, simbolizando e demonstrando a principio sua
inquietação; nervosismo e confusão num contraste que alude ao desconforto – para
então evidenciar seu estado de espirito combativo e vibrante ao encontrar uma
solução para sair daquele paradoxo. Para tudo aquilo que o Homem não
entende/compreende, o corpo encontra uma forma de evidenciar o que está
obscurecido. O fluxo do seu paradoxo se interrompe quando ele consegue
intercepta a garota que tanta amava.
O que vem depois, são as consequências de um
sonho tão intenso que parecia real (com
ele realmente se levantando e indo ao seu encontro, deflagrando num novo rumo
para a história no episódio seguinte). Ou simplesmente de uma realidade que violou os limites entre físico e metafisico. Destaque para arquitetura tingida de
várias cores, em especial uma praça com um jogo de cores entre preto, branco,
azul e vermelho. Também para a beleza daquela cenário flutuante quando as águas são tingidas de vermelho e o plano
aberto que mostra a amiga em cima do escorregador admirando a paisagem de um
céu tingido de vermelho. Em meio a tantos detalhes, as sombras em P&B dão
um toque charmoso. Tudo isso evidência o caráter lúdico da narrativa.
Bom, pelo menos é a forma que eu interpretei esses eventos,
mas é difícil apontar com exatidão o concreto numa construção tão abstrata (e de tramas tão entrelaçadas uma na outra).
Ainda há muito que se revelar sobre a história, de modo que nem sei se esta
sequência será um elemento isolado ou diretamente conectado à outros eventos, o mais provável é que ele se mostre significativo mais adiante.
Dizem que há muitas interpretações a respeito desse trecho, no qual ainda não
tive acesso, mas é interessante como realidade e fantasia pode se sobrepor de
uma forma que se torna quase impossível tomar consciência de tais limites
cósmicos muito além de nossa compreensão, sendo tais planos espirituais (céu, inferno, etc) meros reflexos de inquietações mundanas. Veja que no último estágio do protagonista desse episódio no ciclo de repetições, o momento em que ele acorda, o cenário através de sua janela já não era mais de uma realidade concreta, mas de um mundo contraposto pelo pesadelo tingido de vermelho.
No fim das contas, essa é a unica conclusão que se pode ter certeza: a de que todos esses eventos que ocorrem na série e que estão longe da lógica humana são reflexos de questões muito subjetivas. Enfim, talvez tenha ficado muito fumado e um pouco confuso (por causa do carácter ambíguo de tudo isso), mas no final do anime eu volto pra fechar o raciocínio. Talvez. Mekakucity Actors tem essa formula de simulacro, presente desde o primeiro episódio, que é bem estimulante.
Essa sequência pode ser assistida, abaixo:
No fim das contas, essa é a unica conclusão que se pode ter certeza: a de que todos esses eventos que ocorrem na série e que estão longe da lógica humana são reflexos de questões muito subjetivas. Enfim, talvez tenha ficado muito fumado e um pouco confuso (por causa do carácter ambíguo de tudo isso), mas no final do anime eu volto pra fechar o raciocínio. Talvez. Mekakucity Actors tem essa formula de simulacro, presente desde o primeiro episódio, que é bem estimulante.
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