sábado, 31 de maio de 2014

Cena Do Mês #06: Dancem Em Uníssono, Asuka e Shinji!

Dance, dance, baby!
A música é um elemento imprescindível para qualquer obra audiovisual. Ela é importante até mesmo quando se mostra ausente, pois intercalando com o silêncio atmosférico, cria-se uma ressonância em que os sons correspondem ao gradativo retorno de sentidos antes dormentes ou paralisados, em transe, suspensa. Creio que se pode afirmar que a música estabelece a atmosfera e o tipo de emoção que a obra quer passar. Não por acaso, no cinema mudo a trilha sonora desempenha um papel imprescindível em suas películas. É o cinema, em essência, feito de sons e imagens? O que dizer então das radionovelas que não podiam contar com o recurso de imagens, utilizando da música como um recurso a evocar sensações. Kotonoha no Niwa, do Makoto Shinkai, é criticado por sua aparente ausência de um roteiro mais forte na narrativa, quando na verdade é justamente isso que ele evoca: uma narrativa em que a subjetividade emerge através de imagens e sons.

A música não apenas afeta, como faz parte do próprio ser humano desde tempos imemoriais quando este aprendeu a tirar sons ritmados de objetos. Repare que o ritmo musical é tão indissociável do nosso ser, que mesmo quando você não gosta de um estilo de música, se exposto por algum tempo, dificilmente conseguirá se mostrar indiferente, com seu corpo e mente reagindo ritmicamente de modo involuntário. Quando fiz aula de música na pré-adolescência, fiquei tão influenciada pelos compassos usados para atingir o timing perfeito, que acabei adquirindo um tic curioso: em diversos momentos do meu dia, mesmo distante dos ensaios, me pegava estalando os dedos e assoviando, e isto acabou me marcando diante outras pessoas. XD

Estudos dizem que música classe exerce um grande domínio no humor das pessoas, e posso dizer que experimentei isso pela primeira vez quando criança e desde então instrumentais viraram sinônimo de equilíbrio para mim. Quando pequena, meus pais me levaram num psicólogo (acho que era isso ou algo do tipo), onde não sei bem ao certo que técnica ele usou comigo, mas propôs que eu me deitasse de uma forma que considerasse confortável , colocou música clássica ao fundo, e me mandou fechar os olhos (hey, parem de pensar maldade!). Então começou a me dizer suavemente para esvaziar a mente, como se fosse uma lousa branca sendo apagada até não restar mais nada. Depois de um tempo, realmente consegui sentir-me plenamente leve e com a mente completamente vazia (!!!). Considerava isto algo impossível, mas eu experimentei isso. Depois de algumas coisas que ele me mandou imaginar, eu fui adentrando cada vez mais fundo no inconsciente e então apaguei. Acordei uma hora depois, me sentindo leve e renovada.

Enfim, a música afeta o ser humano de muitas maneiras, além de ser utilizada frequentemente para fins terapêuticos, recreativos, educacionais e etc. É um elemento essencial para qualquer obra audiovisual, e Evangelion é uma série onde isto se torna ainda mais evidente, em que a música e imagem formam uma cumplicidade de modo a sobrepor qualquer deficiência em termos de animação e explorar o mais profundo da subjetividade humana.
No episódio “Both of You, Dance Like You Want to Win! (Momentarily Unite the Minds)” este aspecto da série é ressaltado quando devido à falta sincronia de Shinji e Asuka nas operações contra os Anjos, ela acaba por ser forçada a se mudar para o apartamento de Misato e Shinji. Um novo Anjo aparece, e ele é bem diferente dos demais. Ao ser alvejado pelas unidades 01 e 02, o Anjo se divide em dois  e se torna aparentemente impossível de ser derrotado pelos Evas. Para complicar, as diferenças entre eles afetam qualquer tipo de cooperação mutua. Fica evidente o quão dessincronizados Asuka e Shinji são, algo que fica aparente desde o episodio em que a ruiva tsundere faz sua primeira aparição no anime. Os dois são completos opostos, e essa polaridade faz com que tenham dificuldades de trabalharem em sintonia um com o outro. Acontece que em qualquer emprego, as diferenças precisam ser postas de lado em prol de um interesse em comum.

Os dois tem apenas 6 dias antes que a ONU soltar uma bomba sobre o Anjo e exterminar o resto de uma cidade que ainda não se recuperou dos últimos incidentes.

O Anjo só pode ser derrotado simultaneamente, e a maneira encontrada por Misato para sincronizar Shinji e Asuka foi através da música e rígidos treinamentos ritmados: dança! Sim, como treinar jazz (o estilo de dança), em que o corpo e a mente precisam estar sintonizados, completamente entregues ao parceiro. Quando fiz jazz, o professor me disse uma vez que não havia segredo em dançar, mas que exigia extrema disciplina e uma confiança cega no parceiro. Você teria que ser capaz de fechar os olhos e entregar seu corpo, confiando apenas nos ritmos e na capacidade do parceiro em seguir este compasso. Não havia tempo hábil para pensar. Era preciso esvaziar a mente e deixar o corpo se mover.
Se trata de um episódio que consegue evidenciar o aspecto mais envolvente da série, trabalhando justamente em cima da sua temática mais primordial à narrativa: música e imagem que evocam a subjetividade latente no ser humano. A sincronia é tão essencial à Evangelion quanto o ar para o ser humano. Os pilotos precisam estar sincronizados com a “alma” dos Evas para conseguirem se mover com eles, precisam somar forças e agir em conjunto à medida que os Anjos vão ficando cada vez mais resistentes, e a mente do piloto está diretamente conectada à gênese do Eva, fazendo com que um psicológico desequilibrando faça a maquina sair de controle. A sincronia também é muito importante para o ritmo da melodia, que por sua vez busca uma sincronia com o interior humano. Questões internas estas que são tão caras à Evangelion.
A cena seguir é pós-treinamentos, e uma das cenas mais famosas do anime, além de ser uma das melhores também em termos de animação fluida. Episódio 09, exibido originalmente em 29 de Novembro de 1995, com script de Hideaki Anno e Akio Satsukawa; storyboard de Shinji Higuchi; subdireção de Seiji Mizushima e animação de Shinya Hasegawa – conhecido por seus movimentos suaves e cortes precisos. É um episódio que gosto bastante e ele é o que melhor expressa essa áurea mais leve e divertida da primeira parte do anime. Ver Shinji e Asuka se repelindo e sendo obrigados a trabalhar este lado conflitante é divertido, mas não se compara com essa cena que começa com os dois Evas fundidos lindamente sincronizados. Criativo e com timing exemplar, como não poderia deixar de ser. 
Imagm retirada do site Sakugabooru. Visitem! É bem legal, lá.