O Amor... a amizade e a necessidade de estar sempre se conhecendo e reinventando continuamente.
Dias atrás li uma entrevista com Mari Okada e Tatsuyuki
Nagai (aqui, em inglês), respectivamente roteirista e diretor do anime Toradora, em que eles
comentavam sobre Toradora exalar uma atmosfera de shoujo. Oras, sabemos que
shoujo é simplesmente um demográfico e não um gênero, mas por ser o romance o
enfoque característico e mais popular do shoujo mangá, se convencionou a
assimilar romance com shoujo – até entre os japoneses. O interessante é que
questionados em como isso poderia afetar a audiência masculina, Okada responde
que enxergam como qualquer outra história, não como se fosse um “mangá shoujo”.
Essa perspectiva estabelece uma dicotomia paradoxal, porque se por um lado comumentemente
não se evita uma série de anime ou mesmo dorama por ela ser um romance shoujo,
muitos homens hesitam em pedir por um mangá shoujo numa banca. Provavelmente
pela questão de gênero ser tão intríseco dos mangás que se orientam por
demográficos bem definidos, enquanto uma série de animes, por exemplo, é geralmente
mais abrangente a um publico geral e no caso um romance shoujo não despontaria
apenas como uma série para meninas. De qualquer forma, com uma série de tv, não
existe a necessidade de se expor a uma possível reprovação social.
Isshuukan Friends (One
Week Friends/ Amigos Por Uma Semana) é uma adaptação de um mangá shounen
que também olha muito como se fosse um shoujo genérico daqueles melozinhos e
agridoces repletos de indecisões e mal entendidos, mas por uma perspectiva
masculina. Oh, bem, isso apenas evidencia, apesar das possíveis diferenças de percepção,
que o amor afeta igualmente ambos os lados. Isshuukan Friends é adaptação de um
mangá de tirinhas exibido na temporada de primavera.
Yuki Hase (Yoshitaka Yamaya) é um garoto apaixonado por sua colega de classe Kaori Fujimiya (Sora Amamiya), mas que não consegue
estabelecer contato por ela estar sempre se isolando dos demais com uma postura
arrogante. Para Yuki, porém, Kaori não é nada do que as circunstâncias dizem e
as pessoas parecem acreditar. O fato de ela estar sempre sozinha e sem nenhum
amigo lhe motiva a se aproximar dela e ser seu amigo, mas o que ele não podia
imaginar é que Kaori sofre de uma síndrome que faz com que suas memórias sejam
apagadas e reiniciadas todo final de semana. Ela não se esquece de tudo, caso
contrário sua convivência em sociedade seria improvável, mas apenas de pessoas
importantes, com exceção de seus pais.
A estruturação dessa premissa a principio soa bem simplista
e conveniente, convergindo facilmente para situações conflituosas e manutenção
do status quo da obra. Afinal, é estranho que Kaori perca as memórias justamente
das pessoas que lhe são mais importantes – sendo que a lógica pede o inverso –
e ainda assim mantenha as memórias afetivas dos pais. Mas como diz a velha
máxima, é a forma como uma premissa é trabalhada por quem a está contando que
faz com que você aceite ou não, ame ou odeie. A partir disto, não importa
quantas vezes a mesma história fora contada anteriormente ou o quão absurdo ela
seja. Se esta obra te diz algo, você irá abraça-la.
Como comentei no post de primeiras impressões sobre a série,
tinha um grande receio por se tratar da adaptação de um mangá de tirinhas que
são, por essência, extremamente simples. O grande desafio era conseguir fazer
que uma premissa aparentemente tão limitada se sustentasse e convencesse ao
decorrer de 12 episódios, sem perder o fôlego. Para o meu prazer, Isshuukan
Friends não apenas seque se reinventando, como também emocionando. Me senti tão
boba no último episódio que não pude evitar os sorrisos e lágrimas. Sou fraca
para coisas singelas e sentimentos bonitos. Para prazer de quem gosta e
insatisfação de quem rejeita, o anime está repleto desses fragmentos.
O estúdio Brains Base e a staff sobre o comando do diretor Tarou
Iwasaki promovem uma produção fabulosa, com uma animação que apesar de não
exigir grandes firulas visuais, proporciona uma fluidez minimalista nos
trejeitos dos personagens que encanta e ressalta a delicadeza da animação. Isso
se estende pelos belíssimos e apaixonantes cenários de diversos bairros
residenciais de Tokyo. A série faz um verdadeiro tour por esses bairros, com
uma projeção que os fazem parecer incrivelmente acolhedores. O cenário de
Isshuukan Friends tem esta característica, provavelmente por fugir da grande
metrópole e se focar no aspecto domestico da grande cidade. Isso é importante para
uma série emocional que dialoga com o abstrato interior humano e de como, dependendo do seu humor, ele vê a vida e as paisagens ao redor.
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Todas as características ressaltadas refletem em sua
delicadeza, da sensível trilha sonora à sintonia da paleta de cores e filtros
que ressaltam e dialogam com as emoções dos personagens. A direção entende o
espirito da série, que encanta nestes pequenos detalhes. Mas a completa
absorção e experiência só são possíveis porque há um bom trabalho em amarrar a
série e desenvolver seu potencial. É mais uma história sobre conexões humanas,
dessa dificuldade de se conectar ao outro, de entender e se fazer entender –
como na premissa básica de Kimi ni Todoke; que
estes sentimentos alcancem você. É fundamentalmente sobre comunicação e os
conflitos que surgem dessa dificuldade em se integrar. É um tema recorrente em
obras japonesas e mais significativo para uma cultura como a deles, mas é uma
questão que afeta todo o mundo.
Receios, anseios, dilemas, fugas. Vemos tudo isso através do
prisma de Yuki, que conceitualmente é um personagem na idade transitória de
descobertas e contatos com novos mundos – são conflitos e inseguranças típicas
da idade, o passar do tempo e a pouca maturação destes elementos é uma
sintomática cruel, embora recentes estudos tenham dito que a adolescência não
termina de fato aos 18 anos, mas se estende pela casa dos 20. Yuki é um
personagem instável, por vezes chato e egoísta, que tem dificuldades em dar o
passo seguinte e não compreende bem os próprios sentimentos, fazendo com que
tenha ações questionáveis através de um ponto de vista adulto. Mas é difícil
não olhar para ele e não compreendê-lo. Não é preciso se identificar com seus
impulsos e ações, basta olhar para o lado e ver que é algo que está sempre
acontecendo com diversas pessoas. É isto que dá mais calor humano ao
personagem. Seus equívocos são sempre com as melhores das intenções, embora nem
sempre acerte.
O roteiro evidencia seu crescimento natural a partir de seus
equívocos, assim como a sua relação com Kaori. Relacionamentos amadurecem
através de conflitos e a profundidade do envolvimento individual de cada peça
deste relacionamento se dá na capacidade ou não de superar os inevitáveis
obstáculos que surgem pelo caminho. Por isso ser tão comum relacionamentos
anteriormente nunca confrontados, não resistirem à primeira instabilidade. Não
é?! Quando se está conhecendo intimamente alguém, estes conflitos apenas refletem
o nível de envolvimento entre as partes. Quanto mais se envolve com alguém,
mais choques ocorrem.
Os desentendimentos entre Yuki e Kaori se dão principalmente
por estarem se envolvendo mais profundamente e evidencia o quão longe estão
indo e a necessidade de se conhecerem e consequentemente amadurecerem mais esta
relação. Claro, isso só é possível com o próprio crescimento pessoal e, por
mais que Yuki não se transforme em outro até o final do anime, ele está
continuamente se conhecendo mais e principalmente à Kaori. Ao final, percebe-se
que a falta de diálogos e de uma conexão mais próxima é o que mais causa
distanciamentos entre duas pessoas. Procurar se conhecer. Procurar conhecer o
outro. São coisas só possíveis através do sincero diálogo, afinal, tentar
adivinhar o que o outro está pensando e agir da forma que VOCÊ acha ser o
melhor para esta outra parte sem considerar sua opinião só aponta equívocos
rotineiros que estamos sempre cometendo.
Como se mostra notável depois deste longo texto, Isshuukan
Friends sabe explorar as frestas da premissa e desenvolver com propriedade seu
argumento, estabelecendo tramas paralelas que vão conectando todos os
personagens e formando uma teia de amizades que soa sincero e honesto.
Evidentemente, se trata de uma série com proposta de ser ingênua, afetivamente
terna, evocando calor humano de quem vê através das ações dos personagens. Não
é o tipo de anime que você vá assistindo esperando por um retrato cinzento da
vida e das relações humanas. Pelo contrário, é a exaltação das cores e do que
há de mais bonito nas pessoas. É uma fantasia que suprime as frustações e
persegue subjetivamente as idealizações.
Por isso que é o tipo de série que você assiste – ou lê – esperando
um final bonito e feliz, em que nossos personagens conseguem superar os seus
problemas e seguir adiante. Um final diferente seria simplesmente frustrante –
algo assim cai bem somente em obras como 5 Centímetros por Segundo.
Felizmente, Isshuukan Friends não desaponta, fechando bem a história e o
oferecendo o esperado. Talvez depois do que eu disse suas expectativas caiam,
mas no fim das contas, mesmo as fantasias mais irreais só precisam ser reais de
fato no que diz respeito às emoções, para que consiga envolver. E Isshuukan
Friends conta com uma direção eficaz em criar situações em que tememos pelos
personagens e sua relação, mesmo que o desfecho de tudo seja obvio. Isso só é
possível por a série contar com personagens cativantes. Não é uma série que
pareça atemporal, mas é uma pornografia gratificante e prazerosa.
Trivia:
Isshuukan Friends tem um argumento similar ao do filme
americano Como Se Fosse A Primeira Vez (50
First Dates), que possui uma estrutura bem mais elaborada – já que estamos
falando de um filme. Fiquei espantada quando descobri que essa doença de
personagens que tem a memória resetada continuamente é real. É uma amnésia
anterógrada, conhecida como síndrome de Korsakov, proveniente de traumas
celebrais, onde a pessoa não se lembra de fatos ou pessoas recentes na memória
pós-trauma, diferentemente daquele tipo de amnésia [retrógrada] em que a pessoa
esquece de acontecimentos anteriores ao trama. Obvio que na ficção a síndrome é
retrata com exageros para se adequar ao argumento da história, que precisa de
conflitos para se sustentar. Apesar disso, a síndrome de Kaori até que faz
muito sentido, descontada a dose de fantasia. Sua dificuldade em criar novos –
ou se lembrar de – laços afetivos vem exatamente da necessidade de sua mente de
autopreservação, após determinado incidente que a lesionou, sendo que seus pais
não representam uma ameaça. A peixinha de Procurando Nemo também sofre dessa
síndrome, mas o dela é mais parecido com a doença da Saki (Rumi Ookubo), que se esquece das coisas e pessoas
instantaneamente, heh.
Nota: 08/10 (Muito bom)
Direção: Tarou Iwasaki
Tipo: TV
Episódios: 12
Páginas: ANN, MAL
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