terça-feira, 1 de julho de 2014

Sword of the Stranger

Saudações do Crítico Nippon!


            Descobri esse filme através de nossos leitores na página do facebook do Elfen Lied Brasil. Pedi algumas dicas e, dentre as que eu assisti, este filme Sword of the Stranger (ou Mukou Hadan) foi o que mais me agradou. E muito. Então agradeço a todos que deram sugestões e estou aqui honrando elas justamente sobre algo que vocês indicaram. Do famoso estúdio BONES, 2007, dirigido com uma segurança surpreendente por Mashiro Ando, compensa sua falta de história através de personagens que crescem diante de nossos olhos e cenas de ação que nos prende na cadeira, chegando a um clímax absolutamente espetacular.



          A trama se passa entre os períodos da Era Sengoku no Japão, marcado por constantes guerras civis e regimes dos senhores feudais, e da Dinastia Ming na China, e seus inúmeros imperadores. É neste cenário que acompanhamos o garoto Kotaro, que fugindo de guerreiros que acham que o sangue dele pode lhes tornar imortal, encontra o andarilho Nanashi. E essas perseguições e elixir de imortalidade não passam de uma desculpa rasa para nos aprofundarmos na relação entre estes dois e nos encantarmos com as vindouras batalhas.

       A primeira vista, Kotaro é um garoto desconfiado e precavido, paranoico com as pessoas que o cercam, sendo este seu mecanismo de defesa. Enquanto o praticamente rurouni, Nanashi (uma mistura de Kenshin com Manji), é um homem de poucas palavras e que não perde a deixa de rir das tiradas do garoto e implicar de vez em quando. E é aí que o diretor Mashiro acerta ao nos manter presos a eles e explorar a amizade que cresce entre eles com calma, sem parecer forçado em momento algum nem ‘água com açúcar’. Tanto que durante todo o primeiro ato do filme não restam dúvidas dos interesses específicos do garoto e do andarilho, e que uma vez cumpridos, se separarão para sempre.




            E o cotidiano destes é explorado com maestria pela animação cuidadosa e impecável, bem como sua direção de arte. Mantendo cenários secos e áridos, sempre em tons pastéis, é visível a vida dura que eles enfrentam e os fazem serem cooperativos cada um com suas particularidades. Salientando ainda mais através de sons diegéticos que inundam este filme com um cuidado precioso. Note, por exemplo, quando Nanashi está dormindo e ouvimos o som do vento e o barulho de madeira batendo, e podemos sentir sua noite fria e desconfortável. Repare também no som das flechas no início do filme, acertando o chão em um baque rápido e duro, bastante real. E ainda que, vez ou outra, se entregue ao clássico som cristalino das espadas sendo retiradas da bainha, em inúmeros momentos elas soam silenciosas como são na vida real, com um leve trincado e nada mais. Afinal, seria uma tragédia se em toda emboscada de samurais, elas fizessem o som de uma máquina para saírem.


            Enquanto a fotografia mantém uma paleta em tons de sépia no núcleo dos heróis, cores mais exóticas preenchem os vilões. Vistos constantemente em cenários escuros, sempre com chamas ameaçadoras e roupas incrivelmente coloridas, chegando a parecerem venenosas. Utilizando o significado da cor vermelha de forma inteligente, notem que os guerreiros chineses vestem capas cor de sangue, espelhando o perigo que representam. E mais tarde, ao entregar Kotaro em um dojo no qual será traído e capturado pelos vilões, repare a cor dos pilares e do parapeito, já nos avisando antecipadamente o que o aguarda. E na luta final, de onde o inimigo principal surge? Isso mesmo, de uma casinha na cor vermelha.

 

            Com algumas tramas desnecessárias e aborrecidas intercalando o desenvolvimento principal, o núcleo do prisioneiro que é torturado sem sentir dor não serve para nada. O mesmo pode ser dito da luta entre Rarou e Nanashi na ponte, sem absolutamente propósito algum além de uma necessidade do diretor de agitar um pouco a narrativa até então contemplativa. E se por algum tempo esperamos a revelação do passado de Nanashi, que permanece com sua espada amarrada na bainha sem tirá-la (Samurai X, alguém?), logo cansamos ao chegarmos próximos do clímax sem nada. E nos pouquíssimos segundos em que vemos o flashback, não é um motivo tão forte ou mesmo digno para um espadachim que ficou tão habilidoso (espadas servem para que mesmo?).
           
            Cuidando a animação impecável, fazendo os personagens se moverem sempre com naturalidade e gestos comuns. Desde as multidões da cidade, até pequenas ações como Kotaro quase escorregando em uma poça, ou o bafo do samurai na lâmina de uma espada. E seguindo a risca a frase de Nobuhiro Watsuki, citada em outro texto meu, a graça de lutas com espadas está na limitação destas, exigindo aos combatentes ficarem sempre próximos. E todas são de tirar o fôlego e imprevisíveis, principalmente ao final, quando Mashiro conduz um clímax com segurança, aumentando-o exponencialmente. Com sequências de ação que, mesmo complexas com inúmeros guerreiros, estabelece a geografia das cenas com precisão, sempre sabemos o que vários personagens específicos estão fazendo. Culminando na sublime batalha final em que ambos são afetados até pelo vento forte, dificultando seus movimentos, em uma das melhores sequências de luta que já assisti em animação japonesa.





            Interessante nos cuidados pequenos, como ao trocarem de cela por uma diferente e mais simples, para não chamarem atenção; ou mesmo na surpresa constante de todos com o estrangeiro Rarou ter os olhos azuis e ser tão alto, em uma terra predominante de morenos baixinhos (“É um demônio!” chega comentar uma aldeã incrédula). Vilão, aliás, nada inescrupuloso ou maníaco, se mostrando relativamente justo em inúmeras ocasiões, como ao lutar com espada de madeira em um dojo, mesmo quando provocado; e ao interromper um tiro no final; ou mesmo oferecendo um remédio ao herói antes da batalha.


            Com uma violência gráfica expressiva, digna da época e das batalhas que retrata, o jorro de sangue é constante. E mesmo que um ou outro combatente pareça mais importantes que outro, isso não lhe garante vida longa em uma batalha com lâminas velozes, tornando as brigas acertadamente imprevisíveis. Entregando pequenas doses de ‘recompensa’ na reta final, como a técnica de segurar a espada com a mão, vista na abertura do filme, retomada muito depois; bem como a resolução final para o frasco verde que Nanashi ganhara de Kotaro; e o aprendizado gradual a cavalo que o garoto estava recebendo e que o faria inverter de papel com o andarilho; Sword of the Stranger encerra com satisfação, embalado pela belíssima trilha de Naoki Sato, remetendo aos clássicos assobios, sopros e batidas frenéticas dos filmes de samurai. E eu não me importaria nem um pouco de ter visto uma continuação a caminho. Nanashi e Kotaro merecem um futuro promissor juntos.







(Para mais dos meus textos, é só ir no menu 'Crítico Nippon'.)
@PedroSEkman

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