Na era do anti-heroismo, a nova série noitaminA surge para pincelar este quadro com mais tons de cinza.
Jovens e crianças perturbadas que promovem massacres e atentados, o que as movem e o que buscam? Independentemente do que as move, um fator semelhante em todos os casos é o de que estes atentados buscam promover, chamar a atenção para alguma coisa. Insatisfação, vingança, estrelado mórbido, reafirmação, etc. e etc. Outra coisa muito comum nestes casos é: os envolvidos nestes atos bárbaros tendem a surpreender as pessoas mais próximas a eles. Oh, ele era tão calmo e tranquilo, hoje mesmo estava sorrindo com a gente. Como é possível? – Uma outra vertente seria: faz sentindo, aquela pessoa não saia de casa, era antissocial e introspectiva, vivia no computador e adorava jogos violentos.
A capacidade de manter a aparente calma ante a iminência do ato e após também, provavelmente deve ser algo que fascinam psicólogos e psiquiatras. Toda essa introdução sobre o assunto é porque um dos animes de maior hype na temporada, dirigido por Shinichiro Watanabe (Space Dandy, Cowboy Bebop) e com trilha sonora de Yoko Kanno (Wolf’s Rain, Ghost in the Shell), acabou de estrear, e dudes, que episódio de estreia FODA!!! Não vou ficar em cima do muro ou receosa em confessar que emocionalmente o episódio de Aldnoah Zero me impactou mais, mas por outro lado este episódio de Zankyou no Terror (com o titulo oficial de Terror in Ressonance aqui no ocidente, mas ao pé da letra se traduz como Echo's Terror ou Echo of Terror. Imagino que seja um duplo sentido referente à história) me envolveu completamente durante 23 minutos, onde fiquei submersa sem pensar em mais nada.
Acho que é inevitável a coletiva associação de todos com relação ao que se viu no episódio aos ataques de 11 de Setembro nos EUA, ou outras diversas chacinas cometidas contra colegas de classe; familiares ou publico em geral. MÃÃÃÃÃS eu ACHO que Watanabe utiliza somente a essência disto tudo para construir seu argumento, sem qualquer referência direta a eventos reais, sendo mais uma referência indireta baseada naquele que é um dos grandes paradoxos da sociedade contemporânea, no qual eu abro o texto. Na sociedade do século XXI a família como entidade se dissolveu, não exercendo mais o papel de antes ou não tendo o mesmo peso nessa equação. O papel na formação do individuo fora transferido para outras figuras de autoridade, em suma: o estado. Isso distanciou o convívio dos filhos com seus pais, e se por um lado possibilitou uma maior liberdade individual, por outro também trouxe maior isolamento [entre outras questões]. Estou querendo dizer que a possível resposta para a pergunta do primeiro paragrafo se encontra desde a infância ao convívio familiar-social. Uma situação paradoxal porque o individualismo e liberdade também trazem suas consequências, com que muitos não conseguem lidar.
Mas divago. Divago porque cheguei a esta linha de raciocínio somente por causa dos possíveis conflitos existenciais dos três personagens que protagonizam a trama do episódio. Mishima Lisa (Atsumi Tanezaki) é uma garota que parece enfrentar problemas em casa e na escola, se fechando para o mundo e desejando que tudo vá pelos ares. Ela é sensível e provavelmente se refugia numa concha de introspecção, e sabemos muito bem que o mundo não é nem um pouco gentil com pessoas assim, fragilizadas e hesitantes. Levando-a odiá-lo, possivelmente.
O melhor ainda está por vir, porque se subtende que Toji 'Twelve' Hisami (Soma Saito) e Arata 'Nine' Kokonoe (Kaito Ishikawa) fugiram de alguma instituição em que estavam sendo mantidos presos e isolados do mundo, ao lado de outras crianças. Provavelmente são ou faziam parte de algum experimento. Logo, ao contrário do que se especula bastante, seus codinomes como Twelve e Nine (Doze e Nove) de nada teriam a ver com uma possível referência camuflada com os ataques de 11/09, mas sim com o passado deles, onde todos possivelmente eram catalogados por números. Será? A efeito de curiosidade, ainda há outro personagem intitulado como ‘Five’, um agente do FBI que irá investigar sobre os atentados. Terão esses personagens alguma ligação? A principio me pareceu que Lisa pudesse ser uma criança perdida que conseguiu escapar da instituição, assim como Twelve e Nine. Porém, isto logo se provou equivocado, já que Lisa aparenta ter uma família normal, ainda que provavelmente disfuncional.
Perguntas e mais perguntas, mas poucas respostas de concretas. Do que exatamente se trata Zankyou no Terror? Gosto de recorrer à sinopse original, que observa o fato de que Twelve e Nine são crianças que não deveriam existir, e que elas formam uma entidade clandestina [até agora com a participação de Lisa] chamada Esfinge que tem como objetivo acordar as pessoas de seu sono, puxando o gatilho do mundo através de um jogo de terrorista. Na história ainda contamos com a figura do detetive e a Polícia como entidade social, que devem ter um papel de destaque, fazendo parte do jogo proposto pela Esfinge.
Tudo isso aponta que Zankyou no Terror é sobre o exercício criativo de uma ideia critica, em que os personagens e suas histórias são o meio, não o fim. Portanto, estou apostando que esta tal instituição que mantém crianças como experimentos, assim como os conflitos individuais dos personagens não serão tão aprofundados ou resolvidos, não é uma historia sobre a dificuldade de roubar e implantar explosivos, a proposta é sobre os efeitos destas ações e as perguntas que isto que proporciona e finalmente qual a mensagem que estes terroristas querem passar– mas não quer dizer que não haverá boa caracterização, pois a impressão que fiquei é o exato oposto. Quem sabe? Tudo este quizz é muito excitante é um dos mais aspectos mais legais de se acompanhar em tempo real uma obra original. Zankyou no Terror proporciona isto. Muitas teorias e achismos, que podem ou não ficar pelo caminho.
É a estreia mais completa da temporada. O episódio entrega o pacote completo. Direção de arte, trilha sonora, efeitos, roteiro, paleta de cores obscurecida intencionalmente a fim de exprimir o espirito da série e a obscuridade de seus personagens, enfim, seu mundo; e claro, uma estética trabalhada para que tudo o cenário daquele mundo soe crível com o nosso, ou seja, é um mundo sem personagens de cabelos coloridos ou paletas com cortes fortes que se contrastam, o que provavelmente tem ligação com a mensagem que a série deseja passar. Afinal, até mesmo os personagens possuem traços contidos e proporcionalmente coesos.
A cinematografia deste episódio é tão incrível, com diálogos mínimos e com uma animação tão fluida que por um momento pensei estar assistindo a um longa animado. Me apaixonei pelos desenhos de personagens, que me trouxe reminiscências de Wolf’s Rain, Cowboy Bebop e Serial Experiments Lain, mas o character design não tem relação com nenhum desses animes. É um desenho que foge bastante do que se vê de convencional atualmente e traz um bom leque de personagens diversos. Twelve e Nine têm linhas totalmente distintas um do outro (Twelve lembra o Hige, de Wolf’s), assim como Lisa e demais personagens – ela segue um traçado mais feminino e bonitinho com linhas que ressaltam sua hesitante e frágil personalidade, enquanto Nine tem linhas mais fortes, refletindo seu espirito, e também com um aspecto físico sexy e atraente, contrapondo a inocência angelical das feições de Twelve, que se transforma num anjo caído quando sorri maliciosamente. Assim segue, são desenhos não necessariamente extremamente originais, mas possuem personalidades e revelam contornos difíceis para os animadores em seus pequenos detalhes: se atentem para as expressões minimalistas que, peço perdão pela redundância necessária, são expressivas – porém sutis – e revelam muito do personagem.
Essa é outra característica forte no episódio, a capacidade de se comunicar por imagens e ações, onde o pouco de diálogo que tem, não é tão fundamental assim. Tomamos conhecimento dos possíveis conflitos e circunstâncias que colocaram Twelve e Nine neste mundo por um rápido sonho inquietante...
(numa cena com uma fotografia magnifica, uma das cenas mais lindas esteticamente do episódio)
... também sabemos que Lisa tem problemas com uma mãe super protetora através das constantes mensagens enviadas perguntando sobre todos os passos da filha, o que ela está sentindo, com quem esteve, se está se alimentando e etc. Aliás, a personagem mais trabalhada neste episódio é Lisa. Ela é insegura, o que possivelmente tem ligação com seus conflitos familiares, e isto afeta seu convívio social.
A minha cena preferida neste episódio é uma que se interliga diretamente com uma das primeiras cenas, em que Lisa está sendo vitima de bullying (cena animada aqui). Ela é coagida a pular na piscina de roupa, mas hesita olhando para a agua – já no final do episódio, ela precisa pular para escapar da morte, e olha para baixo, tremula e hesitante. É uma cena que fecha tudo o que precisamos saber sobre ela neste episódio. Ela tem medo de sair de sua concha, de correr riscos, de saltar, ou seja, ela não se esforça, preferindo o estado de latente dormência do espirito. Contudo, ela é colocada numa situação onde ou ela toma uma atitude ou morre. Seria este o primeiro passo da personagem para que consiga se encontrar e se reafirmar perante a sociedade? Durante o sonho envolvendo o passado de Twelve e Nine, é explicito essa mensagem sobre a necessidade do individuo encontrar forças em si mesmo para superar as adversidades, sendo necessário sair do seu estado de comodidade. Oras! Não é exatamente isto que diz a sinopse? Despertar as pessoas dormentes, lisérgicas? Lisa é uma personagem que aparenta se encaixar neste perfil, o que faz com que Twelve tenha a impressão de ver nela uma das suas colegas que não conseguira escapar no último momento. Essa conexão torna o envolvimento entre os três personagens mais interessante e tornando obvio a motivação do enredo. Como eu disse a série não aparenta preocupação em retratar exatamente como dois estudantes conseguem praticar tais atos sem grandes problemas ou como eles podem aceitar uma garota estranha como cumplice, deixando suas identidades em risco. Watanabe não está interessado em ações complexas, a complexidade está toda na essência. É um meio, não o fim, e o exercício de criatividade está no intrincado jogo das motivações.
Watanabe, que desenhou o storyboard do episódio, e o misterioso roteirista, que se esconde atrás do pseudônimo de Shoten Yano, e a direção do promissor Yuzuru Tachikawa de Death Billiards desenvolvem uma incrível composição entre imagens e textos, onde é evidente que eles dizem mais do que o episódio aparenta. Inclusive, a trilha sonora tem um papel fundamental em toda esta equação. Encontro-me in love com as faixas hanna (ft. Hanna Berglind) e von (ft. Arnor Dan). Essa trilha sonora (que já se encontra disponível por ai) proporciona uma experiência completa de absorção em um episódio com ótima atmosfera. Profundidades de campo, iluminação, animação, o bom casamento com o 2D. Zankyou no Terror proporciona uma parte técnica e narrativa visual que só me dar vontade de falar e falar. Fico na torcida que o nível continue alto e a história faça por onde também.
reação final
Avaliação: ★ ★ ★ ★ ★
Roteiro: Shoten Yano
Roteiro: Shoten Yano
Storyboard: Shinichiro Watanabe
Direção: Yuzuru Tachikawa
Diretor de animação: Manabu Akita, Kazuto Nakazawa
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-uma das minhas cenas preferidas. Nem falarei nada, apenas deixarei aqui.
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