domingo, 28 de setembro de 2014

Guest Post: Eu, Punpun.

Texto escrito pelo querido escritor, desenhista e ator @Fractionnaire. Não sei se deveria confiar em alguém que se reconhece no Punpun, mas devo dizer que esse garotinho é corajoso em assumir algo notório, mas que muita gente teme encarar.  É difícil ler Punpun e não ver ao menos um pequeno fragmento seu em ao menos um daqueles personagens. Isso acontece porque eles soam muito humanos, mesmo os mais loucos, rs. Como o Augusto sempre se mostrou tão envolvido emocionalmente com a obra, não pude deixar de convidá-lo para dar suas impressões pessoais, o que ele aceitou prontamente, me alegrando muito. Agradeço sua pronta disposição em compartilhar conosco um pouco do que o fez se envolver tanto com Oyasumi Punpun. Para quem quiser conferir trabalhos dele, pode dar uma passada no Nupo, em especial, recomendo Charlie e Zuzu.
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Por Augusto Rodrigues


Eu, Punpun.

Vamos falar sobre esse mangá, que, com toda a certeza, me proporcionou um looping de sensações e pensamentos, que acredito que permearão – ou assombrarão – durante muito tempo. Não é necessariamente uma analise ou crítica, é mais uma mistura de tudo que eu vi, afinal de contas é uma história sobre pessoas e, pelo menos para mim, é meio difícil acompanhar uma obra dessas sem ficar submerso ou até mesmo se identificar com certas coisas abordadas. Seja bem vindo a fascinante, delicada e perturbadora vida de Punpun.

Oyasumi Punpun é um mangá de 2007, escrito e desenhado por Inio Asano. Já finalizado com 13 volumes. É redundante elogiar a excelente execução da arte de Asano, que com destreza, mistura foto colagem, como background, aos seus personagens peculiares e detalhadamente bem desenhados. O enredo, apesar de dividir opiniões, é executado e desenvolvido de uma forma tão sensível, que é quase impossível não se envolver com o carismático Punpun e sua família disfuncional já no primeiro capítulo.

É mais do que óbvio, que o que nos move quanto pessoas são nossos questionamentos, incertezas e insatisfações. Foram as dúvidas e a vontade de ir além daquilo que já estava estabelecido que resultaram na evolução da humanidade em vários aspectos e são os "por quês", que permeiam a obra do início ao fim, que fazem Oyasumi Punpun ser uma obra maravilhosa e difícil de ser esquecida. Todos os personagens são genuinamente humanos, tanto em ações, quanto no seu desenvolvimento, durante toda a história. E tirando alguns exageros na arte do Asano, suas emoções são muito críveis.

O que mais me chama a atenção na maneira com que o Asano escreve, é que dificilmente ele coloca o personagem em uma posição de culpado. Cada personagem tem suas ações justificadas, quem vai dizer se eles estão certos ou errados é você e a sua moral, diante de todo o acontecimento. Um exemplo claro para mim é a mãe do Punpun, que até certo ponto da história, era detestável, mas que depois, de alguma forma, se tornou um personagem que eu passei a ter uma certa afeição. Ele consegue fazer com que o leitor, encare a difícil tarefa de se colocar no lugar dos seus personagens, e falo difícil, porque esse "exercício", infelizmente, não é muito comum entre leitores, que na maioria das vezes só acompanha o desenrolar da história, como um expectador, claro que se envolvendo emocionalmente, mas raramente se colocando na mesma posição ou situação, e ele consegue esse feito de forma natural e fluída. No final de cada capítulo eu parava e me perguntava “E se fosse comigo?".  Claro que essa imersão depende de como você encara uma obra, mas cheguei a conclusão que Punpun aguça muito mais esse tipo de reflexão e exercício, do que um mangá "convencional", como Soul Eater por exemplo, que eu gosto muito, mas por outros motivos.
Não posso falar de Punpun e deixar de lado a doce e frágil Aiko. O amor eterno amor. A sua importância na obra pode ser equiparada a importância do Punpun, afinal de contas, Punpun talvez não fosse metade do que ele se tornou sem o furação Aiko. O fato deles se olharem e conseguirem se enxergar um no outro, poderem depositar qualquer tipo de sentimento, do mais terno ao mais sujo, é um dos pontos mais altos da história. Aiko é o medo, a insegurança, a vergonha, a impotência, a fragilidade, o desespero e também é todos os antônimos desses adjetivos. O que mais me impressiona é que ela é, essencialmente, é a mesma desde o início, e não quero dizer que ela é linear, alias linear é uma coisa que nenhum personagem de Punpun é, quero dizer que você enxerga a mesma Aiko das primeiras páginas, doce e esperançosa, mesmo durante as passagens de tempo. Aquele olhar e sorriso de felicidade, que esconde uma profunda tristeza desde a sua infância, são mantidos até o fim. Uma pena ela ter vivido boa parte da sua vida presa a uma muleta, chamada mãe. Não queria dar nenhum tipo de spoiler, mas é quase impossível não se abalar com o [SPOILER ALERT, selecione para ler >>>] fim previsível, porém muito, mas muito sentido que ela tem. Poucas vezes fiquei tão genuinamente tocado com a morte de alguém em alguma história. Foi um tiro no peito. Com o bônus da cena mais linda de toda a história, que é sem dúvida nenhuma a do Punpun carregando ela, sem vida, durante um longo caminho, alias, ele fez isso a vida toda, a carregou consigo, incondicionalmente.

A leitura de Oyasumi Punpun me lembrou muito os exercícios que faço nas aulas de teatro, que tem como um dos objetivos, aguçar e revirar muita coisa que se esconde lá nas profundezas de quem você é, mas ignora, por achar que assim é o melhor. De se colocar no lugar do personagem que você vai dar vida e entender, sem julgo nenhum, suas motivações, crenças e atitudes. Aceitar que talvez o certo não é tão certo assim e que o errado talvez não exista. É tudo uma questão de escolha, seja ela egoísta ou não.

Um ponto muito forte, que me causou muito incomodo, foram as cenas de sexo, sempre tratadas de forma nada glamourosa ou erotizada, diretas, um tanto frias e as vezes nojentas. Me incomodou por que? Porque não estava acostumado a ver o sexo tratado dessa forma, como uma necessidade fisiológica que precisa ser suprida e pronto. Se já é tabu falar e mostrar abertamente o sexo, seja ele romantizado ou erotizado, imagina constatar - porque na verdade, mesmo que a gente fantasie coisas, no final das contas é só isso mesmo, não em todas as situações, claro - que não tem nada de sagrado, majestoso, envolvente e mágico em dar uma foda. Parece um tanto idiota eu colocar assim, dessa forma óbvia, mas se levar em consideração que é um assunto que sempre circula por ai, na sua grande maioria como um grande meio de lucro, banal ou com extremo pudor, uma visão tão crua tem que ser percebida e pensada.

Os rumos que a história vai tomando, as consequências das escolhas, os diálogos, os últimos capítulos, o último capitulo em si, tudo é discorrido de forma brilhante. A melancolia, que apesar de ser amenizada em alguns momentos, é uma das grandes razões da leitura de punpun ser tão atípica e fascinante. Não é forçada, não está ali só como recurso de roteiro, ela é palpável. Seja ela representada nos quadros com background detalhados, em que os personagens quase desaparecem na paisagem ou em um olhar vago e vazio. Não sei ao certo se isso é característico do Asano, porque ainda não li suas outras obras – é... Ainda estou com ressaca emocional – mas é tratada de forma séria e cativante ao mesmo tempo, o que poderia ter caído facilmente no dramalhão barato e ficado exaustivo, mas felizmente não caiu. No final das contas, nem me peguei especulando o porquê de Punpun ser retratado como um pássaro, ou de forma anormal e acredito que isso fica a critério da interpretação de cada um. No final das contas, eu acabei descobrindo, que lá no fundo, apesar de tudo que ele se permitiu realizar, achando certo ou não, escorregando ou correndo firme, talvez o Punpun, seja eu.



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