Kureha, por que recusas o nosso amor?
Enquanto assistia ao episodio 5 de Gay Bears, fiquei pensando o quanto a Kureha era antipática, por tratar Ginko e Lulu de modo demasiadamente hostil, enquanto estas tentavam se aproximar dela para lhe confortar e proteger – obviamente que somos influenciados pela narrativa a ter este tipo de sentimento. É inevitável. Afinal, dentro desta história, temos um papel passivo. Nós observamos tudo por uma perspectiva meta. Ou seja, de observamos tudo de cima, não podemos interver nem alterar o rumo dos acontecimentos, tudo o que nos cabe é observar de cima para baixo, e desta forma temos uma visão privilegiada de todo aquele universo. Por exemplo, embora não saibamos exatamente qual direção esta história irá tomar até o seu desfecho, temos o registro de tudo o que aconteceu a partir de diversos núcleos e tramas, e podemos tirar nossas impressões daí. Como o fato de que Lulu e Ginko salvaram Kureha – ela não sabe disto, mas nós sabemos, e por sabermos, tendemos a sentir um apreço por Lulu e Ginko muito maior que qualquer personagem que convive com elas naquela universo; mais do que isso, nós somos levados a sentir empatia pelas duas, a despeito de quaisquer atitudes agressivas que possuam, afinal, a série justifica isso ao afirmar o seu estado primitivo de animais vorazes e contrasta suas ações violentas com um aspecto moe e fofo das personagens (exemplo: quando em forma humana, por vezes elas parecem estar usando cosplays de ursos, ou seja, elas soam como mascotes; e quando estão transformadas em ursos literais, elas soam como ursinhos de pelúcia fofinhos).
Algo semelhante a perversidade inocente de uma criança. Afinal, ursos são animais, e o lugar deles não é em meio às pessoas, como afirmou o próprio Ikuhara. E assim, criamos arquétipos de ursos fofos e meigos, o que cria um paradoxo quando estes têm comportamento selvagem, mesmo com uma aparência amável. Logicamente, é por terem essa aparência que suas ações têm o seu peso amenizado.
Algo semelhante a perversidade inocente de uma criança. Afinal, ursos são animais, e o lugar deles não é em meio às pessoas, como afirmou o próprio Ikuhara. E assim, criamos arquétipos de ursos fofos e meigos, o que cria um paradoxo quando estes têm comportamento selvagem, mesmo com uma aparência amável. Logicamente, é por terem essa aparência que suas ações têm o seu peso amenizado.
Yurizono em atuação impecável em toda sua vilania, vou sentir saudades |
Então, mesmo que Lulu tenha devorado diversas alunas e se deliciam com isso e se divertem aterrorizando todas as estudantes e sintam uma atração instintiva em se alimentar delas, e só poupem a Kureha por esta ser a protegida de Ginko, ainda assim não sentimos hostilidade por elas. Dependendo de qual seja a intenção da narrativa, muitos autores tendem a ignorar o aspecto de como determinada personagem reagiria em uma situação, tornando suas ações estilizadas e romanceadas, ou simplesmente podem agir com atitudes verossímeis, mas tudo isso é só um recurso narrativo para que corresponda ao objetivo do autor. No caso da Kureha, se fosse um yuri “contos de fadas” (modo como eu passei a chamar os romances yuris mais doces e idealizados, e etc), certamente que a atitude dela enquanto heroína deveria soar mais equilibrado e menos agressivo e antipático, para não criar uma aversão no leitor. Mas, se tratando do que Yurikuma propõe as atitudes de Kureha soarem o mais próximo do real possível faz todo o sentido, embora isso ocorra em apenas um ponto ou outro da história em que aparentemente é importante extrair um conflito da forma como cada personagem reage, já que a narrativa da série é genuinamente romanceada, “irreal” e a teatralizada. Isso quer dizer que a intenção de Ikuhara através deste conflito é expressar algo da Kureha.
Oras, é perfeitamente natural que ela sinta aversão por aquelas duas garotas intrusivas que ela mal conhece, e que se sinta tão defensiva em relação às outras pessoas, levando em conta o background da personagem, que aparentemente possui feridas profundas ao tentar fazer amizades, e atualmente vive novamente o mesmo drama que sofreu em outros momentos do passado (que sempre vem à tona quando se lembra da sua mãe), além de ainda nem ter se recuperado pela "traição" de Yurizona, a quem descobriu se tratar de um urso, seu maior inimigo, o que faz com que ela se feche mais ainda. Ela não tem o mesmo conhecimento que nós em relação à Ginko e Lulu (ainda que aparentemente haja uma elipse na sua memória, levando em conta as revelações deste episódio), e eu acho que reagiria da mesma forma com duas estranhas invadindo a minha privacidade e não respeitando o meu desejo de ficar só para degustar minhas dores e lamber minhas próprias feridas (ela ainda foi até bem tolerante). Mas, o interessante nesta atitude da Kureha, é que... em termos de popularidade, realmente não é uma boa ideia por parte do autor criar heróis ou heroínas que soem antipáticos perante o público, o que pode inclusive arruinar a imagem comercial da série, no entanto Ikuha deliberadamente não faz nada para tornar a sua heroína uma heroína que possa ser amada por todos. Ela é fechada, reservada, se mantém distante e quase sempre sendo mal humorada com Ginko e Lulu, isto quando não está se lamentando por uma perda que ninguém se importa realmente, ela repele a todos que tentam se aproximar e se recusa a abandonar o luto e se entregar a um novo possível romance – embora seja natural, há formas e formas de se conduzir algo assim, e passados metade do anime, Kureha ainda permanece em sua concha e até então não nos foi permitido ver muito do seu interior, a não ser o básico.
A Kureha me intriga bastante. Mas é mais num sentido de querer descobrir que há por trás deste enigma e como se dará a explosão da personagem, e eu tendo a gostar bastante deste tipo de escolhas "não populares" por parte dos autores, indo contra o senso comum. Eu, mesma que a compreenda e goste do conceito da personagem, e sinta certa empatia, se ela morresse no próximo episódio eu duvido que fosse sentir algo em relação a isto que não fosse um choque natural pelo fato de uma heroína estar morrendo na metade da série (claro, aprendi a não duvidar das escolhas criativas do Ikuhara até que a obra esteja completa, e ainda assim há tanto de abstrato, que se torna uma tarefa complicada julgar certas questões; a Ringo, de Mawaru Penguindrum, por exemplo, lembro perfeitamente que era uma personagem que muitos odiavam no inicio da série, mas o que veio a seguir foi redentor – também é verdade que Yurikuma não tem todo este tempo do mundo, e talvez isto seja só um sintoma, quem sabe).
Este episódio se relaciona diretamente com o quarto, que trata do passado da Lulu – será que aquele seria um episódio totalmente aleatório e fechado, que poderia ser exibido em qualquer ordem sem alterar a percepção do andamento da storytelling? Eu acredito que não, que o motivo de ele estar ali, certamente se alinha o ritmo da narrativa, como é notável no episódio 5 e as correlações entre Lulu e Kureha. Não por acaso, é ela que leva o arroz com mel para a enferma e mal humorada Kureha, que o joga insensivelmente ao chã0, como a própria Lulu fazia com todas as tentativas de aproximação do seu irmão menor (neste momento do episódio, ela tem uma insight e se recordou e somos levados novamente ao seu passado pela narrativa, pois acabara de se ver na Kureha). Ambas ergueram uma barreira intransponível em torno de si (no caso da Lulu, no episódio 4 isto é simbolizado pela abelhinha que dá voltas em torno dela, mantendo afastado as outras pessoa e só permitindo a aproximação de determinadas pessoas, o que fazia que a abelha girasse em torno da Lulu e essa determinada pessoa). O mais interessante nisto, é que Lulu nem percebeu, mas mesmo odiando o seu irmão, ela também o amava (simbolizado pelo fato de que a abelha não repelia ele de estar próximo à ela, ou seja, a abelhinha girava em torno dos dois, formando um anel em sua relação intimista e afetiva). No entanto, suas atitudes de não querer aceitar este amor e nem percebê-lo, fez com que ele se ferisse fatalmente. Assim, mesmo que ela tenha tentado mata-lo diversas vezes, sem sucesso, o que o matou realmente foi a negação deste amor por parte de Lulu (simbolizado pelo fato de o irmão ter sido morto por abelhas, que ironicamente, circulava ao redor dela, formando um arco somente em torno das pessoas que ela realmente sentia afeição e amor). Ela não pôde perceber, e quando percebeu, já era tarde demais e nada lhe podia mais aplacar o vazio que sentia no peito.
O mesmo, de certa forma, ocorre com Kureha em relação à Ginko. Kureha não consegue perceber o amor de Ginko [mesmo que aparentemente as duas tenham tido uma ligação no passado], e isto reflete um das maiores obsessões do Ikuhara: as pessoas que se esquecem de algo muito importante para a formação do seu eu, acabam se perdendo e andando em círculos, até que possa se reencontrar novamente.
Em resumo, nos episódios 4 e 5, Kureha e Lulu refletem uma mesma característica; a de não perceberem algo que é muito importante para elas e o fato de erguerem muralhas em torno de si; e a relação entre Lulu e seu irmão, e a de Ginko e Kureha, possuem bastante de similaridades. Será que Kureha perceberá muito tarde algo que esqueceu? Irá conseguir recuperar uma parte importante de si mesma?
Em tempo: episódio 4 foi o melhor episódio, e o 5, mesmo não atingindo o mesmo patamar, tem uma direção de arte formidável, e a melhor faceta de Ginko até o momento, já que até então ela têm sido ofuscada pelo esplendor da maravilhosa Lulu! Gao gaaao~
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