Dono de uma mente vívida e lúcida, o simpático e culto Isao Takahata (o celebre diretor do celebre Cemitério dos Vaga-lumes/ Hotaru no Haka), discorre com simpatia e conhecimento acerca de suas inspirações para o seu mais recente filme, The Tale of the Princess Kaguya (O Conto da Princesa Kaguya), e ainda sobre Winter Days, projeto colaborativo de 2003. Vale muito a pena ler. Depois, mesmo se não tiver visto Kaguya, sairá da leitura querendo ver.
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Q: Entre My Neighbors the Yamadas (Meus Vizinhos Yamadas) em 1999 e O Conto da Princesa Kaguya [em 2014], você estava envolvido com a antologia Winter Days de Kihachiro Kawamoto. É provavelmente o seu trabalho menos conhecido no ocidente, portanto você poderia discutir como se envolveu no projeto?
Takahata: Winter Days é uma coleção de poemas colaborativos interligados, organizado por Basho Matsuo, o renomado poeta haiku do século XVII. Criar renku, poemas interligados colaborativos, é uma diversão altamente culta em que várias pessoas se revezam em composições extemporâneas, pedaços de poemas conectados a outros para criar conjuntamente um longo poema. O humor era um aspecto essencial nesta forma de haiku, ou a forma lúdica conhecida como haikai.
Kihachiro Kawamoto, a quem devo muito, surgiu com a ideia de criar um filme de Winter Days, atribuindo cada poema a um diretor de animação diferente para a realização deste projeto. Ele me pediu para participar neste esforço. Eu pensei que esta era uma tentativa ousada, mas eu queria aplaudir a imprudência do Sr. Kawamoto quando ele conscientemente tomou isto para si. A primeira vez que colaborei com o Sr. Kawamoto para transformar a antiga e difícil língua da coleção de versos interligados para o japonês moderno. Eles foram distribuídos aos diretores de animação participantes. Enquanto estávamos a trabalhar nesse sentido, das expectativas que eu tinha e o respeito que eu sentia por amigos em comum, o russo Yuri Norstein e o canadense Frédéric Back, eu decidi ficar com um dos haicais de Bashô. Infelizmente, o Sr. Back não pôde participar porque sua agenda estava muito ocupada.
O resultado foi uma película única e interessante. Mas, a menos que se entenda o significado de cada poema, pode ser difícil de compreender. Fiquei especialmente impressionado com segmento do Sr. Norstein em que ele mostrou um sentimento japonês poético e com humor, muito além do que os japoneses podem expressar.
Nota: O renku é uma poesia feita em grupo de pessoas, onde se reveza a vez. É um encadeado de pequenos poemas onde cada poema retoma um aspecto do anterior, e assim vai expandindo. O primeiro poema é o mote e é proposto pelo moderador, o tema é o haiku. Com o tempo, ele foi ganhando autonomia e passou a ser sobre qualquer tema.
Q: Visualmente, O Conto da Princesa Kaguya está mais perto de Yamadas do que seus filmes anteriores. O que agrada a você sobre este estilo mais impressionista?
Takahata: É interessante que você descreva o estilo como impressionista! Tenho sido fortemente influenciado por Crac! e The Man Who Planted Trees, de Back. Seu estilo de animação pode realmente ser chamado de impressionista.
A fim de que as pessoas acreditem em um mundo de fantasia e personagens que ninguém viu, no mundo real, pode ser a melhor maneira para se apresentar o espaço, objetos e personagens de uma forma tridimensional. É como se esse mundo existisse ali mesmo, em um trompe l'oeil fashion. Os atuais filmes americanos utilizam animação 3DCG para apontar nessa direção.
Mas eu me pergunto sobre a representação do mundo que conhecemos bem, como retratar paisagens diárias muito comuns, a natureza e as pessoas. Há muito tempo pensei que o melhor fosse apelar para a memória e imaginação dos telespectadores, mas isso era impossível de se expressar através da animação. O ato inicial de esboçar tem sido o melhor método para esculpir as mentes e as memórias das pessoas para a verdadeira impressão de objetos e figuras.
Convencido de que não era necessário desenhar em detalhes escrupulosos o mundo cotidiano que todos conhecem, eu usei esse estilo My Neighbours the Yamadas. Eu pensei que o talentoso Hisaichi Ishii [criador do mangá Nono-chan, em que Yamadas foi baseado] tinha capturado uma realidade distinta do povo japonês em suas interpretações gráficas, e eu acredito que eu fiz os personagens se moverem com mais realidade do que na animação habitual feita para filmes.
Nota: 'Trompe l'oeil' uma tendência utilizada no mundo da moda, a fim de criar um efeito enganoso. Trompe l'oeil é o francês para “enganar os olhos”. É uma técnica usada por designers, vintages e modernos, para criar ilusões de ótica em suas roupas, induzindo o olhar ao erro.
Nota2: Frédéric Back, artista e diretor canadense, cultuado por seus curtas-metragens repletos de estilos gráficos e tematicamente abstratos.
Q: Como você aplicou essas técnicas e estilos em O Conto da Princesa Kaguya?
Takahata: Com [este filme] eu fui mais adiante nesta direção para que o público vicariamente experimentasse o instante em que o artista esboçou rapidamente o que estava ocorrendo bem diante de seus olhos. Eu queria que a audiência imaginasse vividamente ou recordasse a realidade profunda dentro dos desenhos, ao invés de pensar que os desenhos em si eram a coisa real. Isso permitiria que os telespectadores se sentissem comovidos com as ações e emoções de alegria e tristeza dos personagens, e sentissem a natureza repleta de vida, de uma forma mais sugestiva do que através de uma pintura aparentemente real.
Para que este esforço tivesse êxito, era essencial ter a colaboração de um animador brilhante e um artista com talentos especiais. Sem Osamu Tanabe, que criou o design de personagens, design de animação, e layout, e Kazuo Oga, que criou os desenhos dos personagens, O Conto da Princesa Kaguya não poderia ter sido feito. Este trabalho é a cristalização dos esforços destes dois e toda a equipe que apoiaram a nossa visão.
Fonte: Ghibli Blog
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Muito bacana, né? É ótimo ler entrevistas de pessoas que têm algo a acrescentar e dialogam bem, e claro, com perguntas interessantes. Em tempo: Takahata parece realmente muito distante da ideia de aposentadoria, como seus colegas e parceiros Hayao Miyazaki e Toshio Susuki. Apesar do futuro vago do estúdio Ghibli, ele confirmou que o novo produtor do estúdio, Yoshiaki Nishimura, lhe pediu para fazer um curta-metragem. Embora o interesse de várias partes, Takahata diz ainda não ter se decidido. Que o homem continue cheia de energia por muitos anos ainda, né!?
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