domingo, 10 de abril de 2016

ERASED: Boku Dake ga Inai Machi (2016)

ERASED (Boku Dake ga Inai Machi/A Cidade Onde Apenas Eu Não Existo) é aquele tipo de série previsível em seus recursos narrativos, mas ainda assim cativante por ser bastante simpática. 
O primeiro episódio emprega todos os clichês narrativos de uma história em que qualquer pessoa familiarizada com enredos de viagens no tempo e loopings temporais conseguem facilmente antecipar. Começa, é verdade, de um jeito meio monótono com um protagonista – Satoru Fujinuma – clássico em histórias otakus; sozinho, sem namorada, perdedor – pela ótica da sociedade –, baixa autoestima, mas ainda com um grande sonho. Um pouco azedo e irônico, mas ainda guarda aquela ingenuidade infantil de um coração puro. Ele quer ser mangaká. O problema, segundo os editores que avaliam seu trabalho, é que o jovem não se entrega emocionalmente à suas histórias, se mantendo em um nível superficial que não consegue convencer o leitor.

Oras, pra qualquer história, por mais viajada que possa soar, é importantíssimo que possa convencer a audiência de sua verdade. E como alcançar este feito? Fazendo com que ela abrace sua história como sendo a dela, envolvendo-a emocionalmente. O problema é que Satoru possui um enorme lapso em sua memória decorrente de um trauma passado. Ele tem um conflito psicológico similar a de vários protagonistas de visual novel: o do distanciamento afetivo da interação social. Ele enxerga tudo de cima do muro, e até se envolve na ciranda de pedra da coletividade social, mas seu ponto de vista é sempre de cima do muro, nunca se entregando completamente. Seus colegas, obviamente, instintivamente percebem isso, e ele próprio se vê como um ator atuando. 
Mas Satoru, diferente de boa parte desses personagens, é menos sínico e demonstra uma sinceridade doce, embora possa soar superficialmente áspero. Bokumachi começa a cativar começando pela idade do protagonista, 29 anos, uma idade bem avançada para o padrão, mesmo em uma história de viagem no tempo em que ele irá aparecer mais jovem – na verdade, criança, ou seja, não é o adolescente usual herói de uma jornada. Com uma idade tão avançada e sem grandes conquistas na vida, sua melancolia é pontuada pela laconicidade e soa mais urgente que a de um garoto de 16/20 anos – na idade de Satoru, a sociedade espera que ele já tenha uma base sólida, e não as incertezas de um adolescente e um futuro ambíguo.  

Outra questão a despertar empatia é a relação de Satoru com sua mãe, que a princípio é a relação comum de todo ser humano comum com a sua mãe, ou seja, a mãe acaba se tornando um ser chato e intrometido em nossa vida, mas isso muda quando ela é assassinada no primeiro episódio por um assassino misterioso, se tornando essencialmente a razão da motivação de Satoru. O mais importante, é o amor de Satoru pela mãe e o quanto ele sente pelo que lhe ocorreu sendo pautado em diversos momentos da história em que ações simples e cotidianamente banais se transformam em algo extraordinário para Satoru, que passa a volorizar como se fosse a última coisa que ele fosse ver ou experimentar. Isso faz com que ele mude várias de suas atitudes, chegando a surpreender a mãe. Como não se sentir com o coração aquecido quando após ser assassinada, ele a reencontre no passado, e fica sensivelmente emocionado? É o tipo de circunstância que não se percebe normalmente em obras otakus, onde o que há é um evasivo distanciamento da figura paterna (dica: A Relação Entre Pais & Filhos nos Animes). 
No entanto, em Bokumachi a mãe é um catalizador fundamental para o enredo, seja sua importância para a motivação do protagonista, ou ao se lembrar de fatos do passado de Satoru, que deveriam permanecer obscuros, após ele ter mais um de seus pontuais distúrbios premonitórios – normalmente Satoru nesses casos sente que algo importante está acontecendo à sua volta e após perceber do que se trata, tem a chance de voltar alguns segundos no tempo e impedir que aconteça. Mas, dessa vez, ao antecipar ao procurar nas imediações o que poderia estar acontecendo de errado, é a mãe de Satoru que percebe a atitude suspeita de um homem que supostamente pretendia sequestrar uma criança, alterando toda a cadeia de acontecimentos, já que ele percebe que estava sendo observado e desiste da ação. 

Porém, ela acaba se lembrando de um caso do passado em que vários alunos desapareceram e apareceram mortos em seguida, depois de ter uma epifania ao reconhecer o sujeito como um dos suspeitos daquela série de crimes. É o suficiente para que ela seja assassinada por ele, que faz com que Satoru se torne o principal suspeito. 
Bakumachi se torna então um thriller policial em que Satoru volta ao passado e precisa se desvencilhar das causalidades deterministas e encontrar a chave, o elo, que vai modificar toda a cadeia de acontecimentos que leva ao assassinato de sua mãe. Não será difícil para ele que, sempre se culpou pela morte de sua colega de classe – Kayo Hinazuki – e a condenação supostamente injusta do seu amigo Jun Shiratori. Acontece que por seu distanciamento, Satoru que sempre via Kayo solitária e passando por algum problema, podendo se aproximar dela, preferiu manter-se distante. Feito que, aos seus olhos, propiciou que a garotinha se tornasse a primeira vítima de um misterioso assassino – pedófilo – em série de garotas na região. Isso lhe deixou um trauma tão profundo que um lapso se criou em sua memória, como uma forma de autodefesa. 

Mas, estará Kayo destinada a ser assassinada todo verão de Julho (referência à Higurashi) enquanto Satoru não descobrir a identidade do assassino? Ficará ele preso nas engrenagens sádicas das causalidades temporais, provocando ainda mais danos colaterais à medida que tenta exaustivamente salvar a sua vida (referência à Steins;Gate ou qualquer outra história clássica do gênero)? Não exatamente. Bokumachi é o que podemos chamar de um thriller romântico (??). Sua estruturação é bastante simples, ao menos na adaptação em anime. Não há qualquer complexidade envolvendo paradoxos e loopings temporais. Mesmo a identidade do assassino, que é o maior mistério da história, é bastante obvia já a partir do segundo episódio – a incógnita é: o que isto traz? Ou seja, quais serão os recursos narrativos que o autor irá empregar para tornar a missão/jornada do nosso protagonista-herói em um caótico puzzle? 
Narrativamente falando, Bokumachi não impressiona pela utilização das convenções de gênero. Na verdade, sua utilização é bastante econômica. Em 13 episódios, apenas 3 viradas [ou, reviravoltas]. No primeiro episódio, com a morte da mãe de Satoru; no meio da série onde apesar ter corrigido todos os seus passos para salvar a vida de Kayo, acabam presos na teia da cauasalidade, com o enredo apontando para um possível determinismo – mas a questão é solucionada de um modo simples sem maiores complicações; e na virada definitiva, em que após a solução do conflito, há a confrontação com o antagonista.  

É o que se poderia se esperar de uma adaptação completa de um mangá (já finalizado) de 8 volumes em apenas 13 episódios de anime? Para um mangá de 8 volumes que não trabalha com uma estruturação de mundo complexo, 13 episódios são mais do que suficientes para se contar uma história sólida. Digo isso porque é notável no anime que realmente há um vácuo de detalhes que talvez se encontrem no mangá, mas essa é a característica de qualquer adaptação. Pode-se substituir isso e aquilo, acrescentar ou tornar a linguagem própria para o meio audiovisual, mas dificilmente será tão rico em detalhes como no original. O que a produção pode fazer, é dar à adaptação um charme próprio, uma personalidade única. 

Não sei se Bokumachi é uma boa adaptação, porque não li o original, mas certamente é um anime bacana e gostoso de se acompanhar até o episódio 9 (dizem que o mangá consegue ser melhor nesse momento da história). Não é pelo uso das convenções clássicas que Bokumachi causa empatia, mas pela bonita interação de Satoru os demais personagens de seu passado, que por soar tão sincero e genuíno, compramos sua determinação. Se pudesse ter aquela chance única de voltar no tempo e puxar assunto com aquela pessoa? Se pudesse fazer tudo diferente? São questões que estamos sempre pensando na vida, mesmo que refutemos a ideia de mudar o que se passou, são questões que estão sempre à nossa volta. E Bokumachi até então se mostrou muito mais como uma série de segundas intenções sobre a existência, do que um thriller clássico do gênero, que tende a ser mais psicológico. 

Mas, alguma coisa saiu errado. O que ocorre depois do episódio 9 é algo que ultrapassa o nível do insatisfatório. É simplesmente pobre e sem qualquer imaginação. É ruim. Demais. Dos diálogos aos arranjos dos conflitos de cada personagem, é tudo bastante desinteressante. Pode se louvar a coragem do autor em inverter certos tropos e fugir da covardia otaku ao se tomar conclusões definitivas para o rumo dos personagens, mas não podemos dizer que o anime tem uma conclusão satisfatória. 
 
Novamente, a série tem uma estrutura em que as revelações são previsíveis, mas a história era interessante o suficiente para prender a atenção e vontade de continuar preso àquele universo. No entanto, o que se mostrou interessante e diferente (a relação entre os personagens e o crescimento dessa confiança mutua; um adulto de 29 anos preso no corpo de uma criança tornando a inter-relação mais dinâmica até para os padrões japoneses), acabou-se empalidecendo diante total falta de técnica narrativa para se utilizar dos elementos de roteiro necessários para dar novo fôlego ao enredo. Se você já conhece muitas histórias do tipo, e já está super exposto a todos estes clichês narrativos, pode até dizer que Perfect Blue é previsível, mas nunca que lhe falta técnica narrativa para que os acontecimentos continuem com folego de urgência e absolutamente envolventes, estonteantes e surpreendentes

No fim, Bokumachi se assemelha à experiência de ter o seu professor de história narrando tediosamente eventos históricos que você já conhece e viu sendo contado de forma muito mais atraente em algum filme ou livro. 

Observação lateral: Boku Dake ga Inai Machi se traduz como A Cidade Onde Apenas Eu Não Existo, e é bem legal o sentindo que isto tem no inicio da história e ao final dela.

Nota: 05/10
Conteúdo: Adaptação (Mangá)
Direção: Tomohiko Ito (Sword Art Online)
Composição de roteiro: Taku Kishimoto
Roteiros: Taku Kishimoto (Silver Spoon. Haikyuu!)
Tipo: TV
Episódios: 13
Música: Yuki Kajiura (Madoka Magica)
Diretor de arte: Masaru Sato (Boogiepop Phantom, The Big O)
Diretor de animação: Keigo Sasaki, Kiminori Ito, Takahiro Shikama