Quando se fala em animes estranhos com seguimentos nonsenses surrealistas e psicologicamente confusos de se seguir uma linha de compreensão, talvez os autores/diretores que ficam na ponta da língua do público ocidental sejam Masaaki Yuasa e Hiroyuki Imaishi. O que é natural, pelos trabalhos que realizaram aos longos dos anos no circuito comercial que se tornaram internacionalmente cultuadas – embora isso não seja sinônimo de vendas.
Mas no Japão há um verdadeiro celeiro de diretores e animadores fãs de um estilo de animação elíptica e hiperativa, que diz mais pelas imagens em movimento do que exatamente pelo texto. Tanto que essa é uma das características mais difundidas em relação a animes.
Koji Morimoto é um diretor e animador/storyboarder cofundador do Studio 4°C. Sua própria carreira se confunde com a do estúdio que ajudou a fundar ao lado do produtor Eiko Tanaka, carreira fomentada por trabalhos experimentais. O cara construiu um legado de animação autoral incrível, mas apesar de ser bastante adorado na indústria é pouco conhecido pelo publico geral – e quando se fala em publico ocidental, menos ainda – por seus trabalhos normalmente circularem por fora do circuito comercial e serem compostos por trabalhos menores. Suas criações mais famosas são os seguimentos Beyond (The Animatrix), Magnetic Rose (Memories) e o insano Eternal Family – além do icônico Akira, no qual foi diretor chefe de animação, uma das funções mais importantes em animes.
Seu estilo gráfico se relaciona diretamente ao movimento Superflat, mais conhecido no ocidente pela obra de Takashi Murakami, o artista plástico japonês que se tornou famoso aqui por trazer a nós o conceito do movimento Superflat.
II
“Inicialmente a ideia era fazer um DVD de quarenta e cinco minutos. Após uma exposição linear, eu queria imaginar várias direções alternativas para a história. Eu queria tentar encontrar sons equivalentes aos visuais, esta matéria invisível, traduzir a ideia de sua animação. Considerei até mesmo uma exibição nos cinemas de Noiseman, mas as salas no Japão não estavam tecnicamente equipadas para o que eu tinha em mente. Era muito complexo no plano de qualidade de som para que o espectador pudesse realmente experimenta-lo nos cinemas. O caráter de Noiseman é de capturar todos os sons agradáveis, incluindo música, em armadilhas e guardá-lo. Então, quando eles fossem libertados, eu queria um efeito cascata, esta onda de som é uma experiência de audição de verdade. Propus o projeto para os operadores, mas nenhum deles estava disposto a investir na modernização dos seus equipamentos (risos)”. – Koji Morimoto, HK-Magazine n°12
Dirigido por Koji Morimoto, Noiseman Sound Insect (Noiseman: O Inseto do Som) é um curta-metragem experimental que combina elementos temáticos e estética cyberpunk com Superflat. O resultado é um trabalho psicodélico estonteante.
Ao se assistir Noiseman, é altamente provável que se saia com a falsa impressão de que acabamos de ver um videoclipe bizarro e, embora imaginativo e inquisidor, com pouco sentido e sem uma história de fundo amarrando a ação. A própria narrativa é de videoclipe, dada a natureza do projeto concebido por Morimoto, de uma animação que não se mantém inerte nem por um segundo sequer, com cortes rápidos e câmera inteligente com ângulos que privilegia o tom cinético fluído da ação, nos apresentando uma perspectiva sempre limpa da correria, embora o cenário em volta seja intoxicante e visualmente poluído.
No entanto, há sim uma trama com uma história interessante ao fundo, mas tudo acontece tão rápido em Noiseman que é um erro se tentar se guiar apenas pelos escassos diálogos. Sua história deve ser absorvida pelos olhos também, que devem se manter atentos a cada frame. A intenção autoral é de combinar intrinsecamente som e imagem como partes genuinamente conectadas dialogando mutualmente entre si. Por isso que a primeira impressão não está exatamente equivocada.
– “Seu personagem Noiseman lembra o Bicho Papão (Oogie Boogie) em O Estranho Mundo de Jack, do Tim Burton...”
–“Em certo sentido, é óbvio. Eu gosto de Tim Burton como diretor e por sua poderosa conexão com a animação. O que me chamou a atenção no caráter de Oogie Boogie, é que ele é infantil e bonito, mas o que se esconde no interior é muito assustador. Deste ponto de vista, sim, Noiseman remente ao Burton”.
Koji Morito, HK-Magazine n°12
Fala sobre como um cientista acidentalmente ao tentar projetar uma ambiciosa “maquina de som”, cria um monstro infantil chamado Noiseman (Etsuko Kozakura) que começa a crescer exponencialmente até se tornar um tirano empenhado a aspirar – literalmente – toda a música existente. As crianças trabalham para o monstro como aspiradores que capturam tanto sons flutuantes pelos céus quanto os resistentes, agora transformados por Noiseman em criaturas flácidas em forma de peixe.
Operadores são máquinas flutuantes que voam pelos céus dirigidas por crianças que também funcionam como aspiradores de qualquer som que exista ao redor e de inimigos do Noiseman. Um desses aspiradores, Tobio (Hideki Ogihara), em meio a uma corrida perigosa pela captura de fugitivos começa a se questionar sobre o que está fazendo e a natureza de Noiseman. No meio da correria seu veiculo flutuante acaba se chocando ao de sua amiga de infância Reina (Maya Okamoto) e eles vão parar num oceano, aqui representado por uma enorme bolha. Lá ele come um fruto estranho que elimina todo o ruído provocado por Noiseman em sua mente e ele começa a se lembrar dos tempos onde a música fluía livremente, tempos felizes e de paz. É então que Tobio e Reina formam uma resistência para acabar com a ditadura de Noiseman.
III
“A música é o coração dos meus trabalhos e minha maneira de trabalhar. Ela me ajuda tanto a criar personagens quanto o clima, o ambiente específico de cada sequência. Os personagens se movimentam de um estado para outro e é precisamente esta passagem que me interessa. Além disso, a animação é um trabalho meticuloso, concentrado, o que requer a manutenção de uma certa tensão. Para desfrutar da atmosfera de cada cena, para mergulhar na condição psicológica ou emocional que se exige, eu escuto sempre a mesma música o tempo todo, até que me sinta satisfeito com a sequência em questão. A música é tão importante para mim que é absolutamente essencial que eu estabeleça um excelente valor de qualidade, uma cumplicidade real com o compositor e que ele possa sentir a visão [que eu tenho] do filme. Sempre uso os mesmos músicos com os quais eu consigo estabelecer intensidade e riqueza de texturas sonoras.” – Koji Morimoto, HK-Magazine n°12
Não se estranhem quando assistirem aos primeiros minutos e o áudio estiver repleto de ruídos e o vídeo de ruídos visuais, é intencional e faz parte da temática (Noiseman significa O Homem Ruído – é o ruído tomando forma antropomórfica), mas logo desaparece.
É parte do que faz de Noiseman uma peça tão imaginativa, instigante e diferente, onde uma forma de vida sintética apaga as ondas sonoras transformando-as em ruídos e separa a forma física do espirito das crianças que se tornam resistentes ao seu controle, colocando suas almas em cristais e transformando seus corpos físicos em criaturinhas flácidas inofensivas.
Entende-se como um comentário crítico de Morimoto em relação aos rumos do cenário musical com músicas onde se escuta mais ruídos do que notas harmônicas. Também um arranjo assimétrico em que o aspecto infantil se revela perverso e violento, em uma correlação com o movimento pós-moderno Superflat, que torna Morimoto um dos nomes de destaque na indústria japonesa a trabalhar em cima da temática.
Superflat, assim como o moe, não pode ser definido com apenas uma palavra, envolve uma gama enorme de significações, mas ao que interessa a nós é a preocupação com o medo de crescer no imaginário otaku. E Noiseman revela esta faceta através do subtendido receio de se tornar um adulto. No universo de Noiseman, adultos são figuras escassas e destituídas de autoridade, à parte do mundo condicionado das crianças – um mundo onírico e fantasioso, onde a única ameaça a ser combatida é um monstro criado dentro do próprio seio do entretenimento; que por sua vez corresponde a uma das características denunciadas no Superflat, a alienação no consumismo dos japoneses após a derrota na Segunda Guerra Mundial como uma forma de escapismo para a dura realidade que o país enfrentava.
No desfecho de Noiseman é implícita, como em outras obras de Morimoto, a inerente vontade do ser em ser livre para sentir na mente o deslumbramento de uma eterna juventude sem a opressão de alguém suprimindo seu escapismo. Ainda que alcançar isto signifique viver em uma espécie de limbo em que as diferenças entre o que é virtual/fantasia e real sejam inexistentes.
IV
–“Além disso, faço notar que para a música, muitas vezes você trabalha com Yoko Kanno (Macross Plus, Escaflowne, Cowboy Bebop) Ela compôs a trilha sonora de Memories, Noiseman, e isso não nos escapou, a música para o seu piloto de Tekkon Kinkreet...”
–“É isso mesmo, eu agradeço imensamente o que ela faz, tanto na clássica quanto em suas composições mais modernas. Isso remonta ao que eu lhe disse: a escolha da música é uma parte importante do que eu faço.”
Koji Morimoto, HK-Magazine n°12
Noiseman também dialoga com a estética cyberpunk e seus ambientes esteticamente sujos e visualmente poluídos, combinando o que é de mais caro à temática: a música, ambientes urbanos, uma sociedade decadente, indivíduos vivendo à sua margem e a formação de grupos de resistência – tudo isso resultando do elevado desenvolvimento tecnológico que leva a sociedade a uma crise identitária e de segregação.
A história ainda emprega alguns simbolismos; como a alusão ao fruto proibido e o conhecimento conferido àquele que lhe comer e tropos clássicos da ficção cientifica; como o Complexo de Frankenstein – que é a ideia de que uma máquina inteligente seria uma ameaça para a humanidade que deveria ser destruída a todo o custo, muito comum em filmes do meio como em Exterminador do Futuro e Matrix – e além do uso do processo de metamorfose e antropomorfismo por meio de manipulação, que é marcante na animação japonesa devido a heranças da bomba nuclear e seus efeitos nefastos sobre mente e corpo. É uma vertente que se tornou muito popular no Japão graças a Akira.
O conjunto final, somando todos estes elementos assimétricos, é especialmente extraordinário. Morimoto nos leva a um passeio de animação fluída em todos os mínimos detalhes e frenética com ângulos imagéticos e uma direção afiada de uma peça de degustação quase que puramente audiovisual (a termos de curiosidade, Morimoto foi diretor de animação em Mind Game, filme de Masaaki Yuasa de efeitos puramente visuais. Yuasa retribui trabalhando como diretor de animação e character design emNoiseman). É uma animação selvagem. Com um time de produção tão de alto nível, o essencial teor musical do curta fica por conta da magnifica Yoko Kanno, que também encerra com uma peça belíssima cantada por Cristal Williams. Noiseman pode até apenas 15 minutos, mas vale por longa-metragem inteiro.
Se há algo a se criticar, é o fato de não podermos assistir isto com uma qualidade de vídeo e áudio decente, à altura da qualidade do conteúdo exibido.
Extras
Vinheta dirigida e animada por Morimoto para a MTV do Japão, presente no DVD de Noiseman
Outro vinheta dele, dessa vez para a Jet TV
Noiseman Sound Insect, disponível por inteiro no Youtube
Nota: 8/10
Fonte: Original
Direção: Koji Morimoto
Roteiro: Hideo Morinaka
Música: Yoko Kanno
Diretor de Arte: Shuichi Hirata
Diretor de Animação: Masaaki Yuasa
Se há algo a se criticar, é o fato de não podermos assistir isto com uma qualidade de vídeo e áudio decente, à altura da qualidade do conteúdo exibido.
Extras
Vinheta dirigida e animada por Morimoto para a MTV do Japão, presente no DVD de Noiseman
Outro vinheta dele, dessa vez para a Jet TV
Noiseman Sound Insect, disponível por inteiro no Youtube
Nota: 8/10
Fonte: Original
Direção: Koji Morimoto
Roteiro: Hideo Morinaka
Música: Yoko Kanno
Diretor de Arte: Shuichi Hirata
Diretor de Animação: Masaaki Yuasa
Diretor de CG: Akiko Saito
Tipo: OVA
Episódios: 1
Duração: 16min
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