sábado, 16 de julho de 2016

Space Patrol Luluco (2016): A Anomalia de Hiroyuki Imaishi

A loucura visual e narrativa de uma série que comemora o estilo preferido do diretor.
Luluco (M.A.O) é uma menina de treze anos de idade que vive na fronteira de uma zona de colonização especial solar de Ogikubo. Ano não especificado, mas imaginamos algo muito além no futuro, já que seres humanos e alienígenas passaram a conviver juntos como a coisa mais normal do mundo; além de tecnologia futurística. Luluco mora com seu pai, que trabalha para a Patrulha do Espaço (Space Patrol). Apesar de se tratar de um distrito repleto de imigrantes estrangeiros e ponto de desembarque da galáxia, o que faz Ogikubo funcionar como uma espécie de rodoviária espacial, Luluco ainda consegue viver a vida de uma menina normal do fundamental. Porém, quando seu pai é congelado acidentalmente, ela é obrigada a assumir seu lugar na Patrulha do Espaço – que não tem muitos membros; na verdade Luluco passa a ser a única, além do chefe da divisão o diretor geral Over Justice (Tetsu Inada) – e lutar por JUSTIIIIIICEEEEEEE~ A partir de então, a vida previamente normal de Luluco passa por uma mudança drástica, com ela sendo enviada em missões diárias para proteger Ogikubo de criminosos espaciais, ao lado de seus novos parceiros e colegas de classe o misterioso e ameaçador AΩ Nova (Junya Enoki) e a delinquente Midori (Mayumi Shintani)!!

Acredite, ao final, você não vai resistir em gritar por JUSTIIIIICEEEEEEEEEEEEE~
Há uma vastidão de animes escolares com personagens vivendo suas vidinhas chatas e normais, sem graça; rola até mesmo uma piada interna em torno de um dos tropos mais clichês dos animes, mangás e tudo mais que se relaciona a cultura otaku: o próprio protagonista é consciente de sua situação e no primeiro episódio é quase como uma epistola obrigatória que ele referencie isto em “voz alta”, “dizendo” o quanto sua vida é desinteressante – afinal, se trata de um espelho da vida do otaku do outro lado do vídeo.

Isto é praticamente um sopro que antecede os minutos de anomalia na vida desse personagem, normalmente ainda estudante, até que um estranho asteroide entre em sua orbita colidindo e mudando sua trajetória, tirando sua vida do marasmo.

Tem que ser assim. Verdade seja dita, boa parte de nossas vidas são mesmo chatas e tudo que menos queremos é que o entretenimento que a gente absorve siga por este caminho. Tem que ter algo. Uma anomalia que justifique nosso interesse. Que torne interessante acompanhar aquilo.

Luluco segue exatamente esta cartilha com Imaishi reiteradamente quebrando a estrutura de quarta parede ao promover constantemente a ruptura deste padrão de vida cotidiana desinteressante e normal e ao dialogar indiretamente com o expectador sobre isso. Embora seja tudo o que a protagonista queira: uma vida normal. E é sério, ela repete isso uma dezena de vezes por episódio. Mas o diretor e idealizador Hiroyuki Imaishi não pensa da mesma forma. Tanto que faz questão de brincar com isso.
Claro que o desejo de ser uma garotinha normal da Luluco – e ser vista como tal, e portando ser parte do coletivo – é o desejo de qualquer garotinha que está abandonando a pré-adolescência – e ela já tem 13 anos; portando já passou por um terço significativo da complexa e paradoxal transição onde o individuo se confunde e não sabe exatamente o que é – se criança ou o quê? Com 13 anos, Luluco já se reconhece intimamente como uma mocinha em amadurecimento, não mais como uma simples criança. Isto é representado tanto por sua intrínseca necessidade de ser reconhecida/aceita pelo grupo como uma parte de um todo – e para isso é de vital importância que ela não se destaque se tornando uma peça única, e assim por dizer, vista como uma parte não integrada ao sistema, ficando à sua margem; e a pior das consequências: ser ignorada/odiada (o que é um pesadelo muito mais substancial para um japonês do que para um ocidental, levando em consideração a questão cultural).

Também representa o seu amadurecimento e abandono da terceira infância o despertar sexual de Luluco, que passa a ver as pessoas com outros olhos e se interessar romanticamente por elas; no caso, por Alpha Omega Nova, seu colega recém-transferido. Nada melhor que o arquétipo de um estudante transferido, enigmático; perfeito e intocável para representar as fantasias idealizadas de uma menina aflorando sexualmente (notadamente, a figura arquetipa de uma alienígena e o apelo fantástico, desconhecido e intrigante que causa em nós, ainda que ameaçador). Nova está sempre perto o suficiente, mas distante ao ponto de se tornar intangível na cabeça dela. Ele, como ela a vê, é uma fantasia idealizada, razão pela qual a distancia emocional entre eles é tão longa quando uma linha reta a se perder no infinito. Naturalmente, o primeiro amor da vida pode brilhar como uma pedra preciosa, mas é oca e sem grande valor; assim elas podem ser arrancadas – como as joias no peito de Luluco – uma atrás da outra que, por mais que se sofra naquele momento e pense que ela jamais será substituída, nascerá outra e mais outra, e quanto mais se amadurece, mas significativas e preciosas estas joias se tornarão. É quando Nova é desconstruído para ela e então passa a ser encarado na mesma altura e se torna palpável; eles agora estão em pé de igualdade.
Há ainda uma fase na adolescência em que o adolescente quer se diferenciar do padrão e pertencer a uma tribo única e diferente do normal – é quando as regras são quebradas e acontece a subversão, algo que é melhor abordado em Kill la Kill, e que inclusive comentei algumas vezes este tópico. No entanto, este não é o tema de Space Patrol Luluco. O assunto proposto é: Luluco quer ser uma garotinha normal, mas seu criador Hiroyuki Imaishi se mostra desinteressado em contar este tipo de história de uma forma formulaicamente normal. O que ele busca é a subversão e a anarquia no modo de se contar uma história. Afinal, há várias maneiras de se contar uma história, depende do ponto de vista do narrador. Já pensou nisso? O quão diferente pode ser um mesmo ponto sob diferentes olhares?

Space Patrol Luluco é sucessor espiritual do clássico FLCL no sentido de contar as transformações que a puberdade proporciona de uma forma imagética e repleta de metáforas visuais que aludem às transformações do corpo e dos desejos sexuais, só que pelo viés feminino (e obviamente em proporções bem menores em todos os sentidos, estamos falando de uma obra-prima e Luluco por melhor que seja, é um exercício criativo menor e mais experimental). Na verdade, o coming-of-age na série não passa de um mero pano de fundo para o que Imaishi quer dizer.

A série é um projeto original em comemoração aos 5 anos de emancipação de Imaishi ao abandonar o lendário estúdio Gainax e fundar o seu próprio, o Trigger. Aqueles eram tempos de incertezas na mente de muitos fãs do estilo louco e incontrolável do diretor, e hoje nota-se que apesar do pouco tempo o Trigger já tem a sua cara e legitima herdeira do estilo mais despirocado e explosivo da Gainax, que foi justamente a que lhe rendeu mais fama – isso se levarmos em consideração que o Khara gira basicamente em torno de Evangelion e mesmo que Hideaki Anno tenha ficado com alguns dos melhores membros; uma figura genial como Kazuya Tsurumaki está desde então à sombra de Eva.
Então do que se trata Space Patrol Luluco? É uma grande brincadeira, com referências aos trabalhos originais do estúdio Trigger nestes 5 anos, utilização de diversos recursos narrativos na ficção que já vimos o diretor aplicar em outros animes que dirigiu (com mais ênfase no incrível Panty and Stocking), como quebra de quarta parede; reviravoltas cavalares, alternâncias significativas na arte e na animação e também na estrutura narrativa de cada arco do enredo, alegoria, metáforas  e subversão de expectativas – sendo esta o meu recurso preferido, o grande plot twist na catarse definitiva da série; não, não estou falando sobre a verdadeira [spoilers, selecione para ler >>>]identidade de Nova e revelação do verdadeiro antagonista do enredo, mas sim do desdobramento da verdadeira natureza da série. Quando um enorme [spoilers, selecione para ler>>>] gatilho surge no amplo espaço negativo da tela e dispara , eu tive a certeza absoluta de estar assistindo a um dos momentos mais catárticos da ficção e uma cena emblemática, tanto que mal consegui me conter.

Foi uma sacada fantástica, que dá significado substancial às referências aos outros animes originais do Trigger presentes em Luluco, e leva o anime a uma direção completamente nova e nervosa – eu mesma mal pude me conter e novamente sinto o meu corpo em chamas. Era uma ode, descompromissada e divertida embora repleta de paixão, ao universo Trigger (e a sincronicidade não perdoa, porque com Little Witch Academia ganhando um novo anime TV, o encontro [spoilers, selecione para ler>>>]entre Luluco e Akko cruzando o Triggerverso, deixaram os fãs eufóricos, inclusive eu!).

Era também um aceno discreto ao passado do Gainax. Com Luluco se tornando a senhorita Trigger-chan, fica evidente o esforço de Imaishi em nos dizer, em uma obra especialmente comemorativa, que é um animador, storyboarder e diretor de animações completamente desinteressado em contar uma história com uma narrativa normal com perspectiva tradicional. Ele diz isso de modo bastante direto e pouco sutil, através da jornada repleta de curvas e quebra-molas na qual Luluco se desventura, lhe negando todas as possibilidades de uma narrativa normal de amadurecimento. A série FLCL do diretor Kazuya Tsurumaki, no qual Imaishi também trabalhou nas mais diversas funções, é talvez a sua maior referência em coming-of-age desenhado de uma maneira completamente fora dos trilhos, e sendo Gainax a sua primeira casa, certamente foi onde pode se encontrar plenamente ao seu próprio gosto. Então, quando Luluco se torna Trigger-chan, Imaishi mais uma vez estabelece suas intenções de cunho criativo no estúdio, e que está tudo bem em ser diferente.

Comentários Extras

Luluco: Então eu devo ficar normal?
Nova: Não. Você deve ficar maravilhosa.

Na visão de alguém como ele, o que gera fascínio e provoca paixão é certamente tudo que foge da normalidade. Em uma entrevista, perdida por ai em algum lugar da internet, Imaishi comenta sua insatisfação em relação a determinadas elaborações criativas em TTGL (Tengen Toppa Gurren Lagann, anime que pegou pra dirigir na Gainax, substituindo um outro diretor afastado pelo estúdio), ele se diz uma completo insatisfeito sobre os rumos tomados pela equipe – aliás, alguns funcionários da equipe o descreviam assim, como um chefe de equipe não satisfeito com nada. Kazuki Nakashima, roteirista e co-criador de Kill la Kill – colega de Imaishi – comentou que durante a produção de TTGL, o que mais se via eram storyboards que a equipe de animação entregava e em seguida ele gritava e amassava os papeis, transformando-os em bolinhas, dizendo “isso não é suficiente para girar a broca do meu coração!”. E parece que apesar da pressão, todos estavam bem com seu nível de exigência. No entanto, o que ele buscava não era algo perfeito em termos técnicos, mas sim algo capaz de acender uma faísca dentro de si, algo fora do comum. É isso.

Nota: 9/10
Fonte: Original
Tipo: TV
Diretor: Hiroyuki Imaishi
Composição: Hiroyuki Imaishi
Roteiro: Akira Amemiya (eps 2-3, 11), Hiromi Wakabayashi (eps 4-6, 12), Hiroyuki Imaishi (eps 1, 9, 13), Kimiko Ueno (eps 8, 10) e Yu Sato (eps 7)
Musica: Kenichiro Suehiro
Diretor de animação: Shuhei Handa, Yusuke Yoshigaki
Diretor de arte: Hiroyasu Kobayashi
Diretor de Fotografia: Yuko Tonishi

Temas Relacionados
-Duas Visões Sobre Black Rock Shooter TV
-KILL la KILL: O Poder do Uniforme Escolar
-Kill la Kill: OVA – A Formatura
-FLCL Ganha Novo Anime por Production IG
-Little Witch Academia – De Gainax ao Trigger 

Uchuu Patrol Luluco (1)Uchuu Patrol Luluco (2)Uchuu Patrol Luluco (3)Uchuu Patrol Luluco (4)Uchuu Patrol Luluco (5)Uchuu Patrol Luluco (6)Uchuu Patrol Luluco (7)Uchuu Patrol Luluco (8)Uchuu Patrol Luluco (9)Uchuu Patrol Luluco (10)Uchuu Patrol Luluco (11)Uchuu Patrol Luluco (12)Uchuu Patrol Luluco (13)Uchuu Patrol Luluco (14)Uchuu Patrol Luluco (15)Uchuu Patrol Luluco (16)Uchuu Patrol Luluco (17)Uchuu Patrol Luluco (18)Uchuu Patrol Luluco (19)Uchuu Patrol Luluco (20)Uchuu Patrol Luluco (21)Uchuu Patrol Luluco (22)Uchuu Patrol Luluco (23)Uchuu Patrol Luluco (24)Uchuu Patrol Luluco (25)Uchuu Patrol Luluco (26)Uchuu Patrol Luluco (27)Uchuu Patrol Luluco (28)Uchuu Patrol Luluco (29)Uchuu Patrol Luluco (30)Uchuu Patrol Luluco (31)Uchuu Patrol Luluco (32)Uchuu Patrol Luluco (33)Uchuu Patrol Luluco (34)Uchuu Patrol Luluco (35)Uchuu Patrol Luluco (36)Uchuu Patrol Luluco (37)Uchuu Patrol Luluco (38)Uchuu Patrol Luluco (39)Uchuu Patrol Luluco (40)Uchuu Patrol Luluco (41)Uchuu Patrol Luluco (42)Uchuu Patrol Luluco (43)Uchuu Patrol Luluco (44)Uchuu Patrol Luluco (45)Uchuu Patrol Luluco (46)Uchuu Patrol Luluco (47)Uchuu Patrol Luluco (48)Uchuu Patrol Luluco (49)Uchuu Patrol Luluco (50)Uchuu Patrol Luluco (51)Uchuu Patrol Luluco (52)Uchuu Patrol Luluco (53)Uchuu Patrol Luluco (54)Uchuu Patrol Luluco (55)Uchuu Patrol Luluco (56)Uchuu Patrol Luluco (57)Uchuu Patrol Luluco (58)Uchuu Patrol Luluco (59)Uchuu Patrol Luluco (60)Uchuu Patrol Luluco (61)Uchuu Patrol Luluco (62)Uchuu Patrol Luluco (63)Uchuu Patrol Luluco (64)Uchuu Patrol Luluco (65)Uchuu Patrol Luluco (66)Uchuu Patrol Luluco (67)Uchuu Patrol Luluco (68)Uchuu Patrol Luluco (69)Uchuu Patrol Luluco (70)Uchuu Patrol Luluco (71)Uchuu Patrol Luluco (72)Uchuu Patrol Luluco (73)Uchuu Patrol Luluco (74)Uchuu Patrol Luluco (76)Uchuu Patrol Luluco (77)Uchuu Patrol Luluco (78)Uchuu Patrol Luluco (79)Uchuu Patrol Luluco (80)Uchuu Patrol Luluco (81)Uchuu Patrol Luluco (82)Uchuu Patrol Luluco (83)Uchuu Patrol Luluco (84)Uchuu Patrol Luluco (85)Uchuu Patrol Luluco (86)Uchuu Patrol Luluco (90)Uchuu Patrol Luluco (94)Uchuu Patrol Luluco (100)Uchuu Patrol Luluco (101)Uchuu Patrol Luluco (107)Uchuu Patrol Luluco (121)Uchuu Patrol Luluco (126)Uchuu Patrol Luluco (130)Uchuu Patrol Luluco (131)Uchuu Patrol Luluco (134)Uchuu Patrol Luluco (141)Uchuu Patrol Luluco (147)Uchuu Patrol Luluco (150)Uchuu Patrol Luluco (151)Uchuu Patrol Luluco (154)Uchuu Patrol Luluco (155)Uchuu Patrol Luluco (157)Uchuu Patrol Luluco (160)Uchuu Patrol Luluco (169)

review, resenha, análise, crítica, comentários, Uchuu Patrol Luluco, Space Patrol Luluco, anime, estilo cartoon, coming of age, colegial, comédia, nonsense