Saudações
do Crítico Nippon!
A
Tartaruga Vermelha, aparentemente, traz o clássico embate do Homem vs Natureza,
mas com o encantamento de uma animação coproduzida pelo Studio Ghibli e
auxiliada por Isao Takahata, diretor do fenomenal O Conto da Princesa Kaguya.
Desprovido de qualquer diálogo, é um filme intenso e mágico, puramente visual e
sensorial. As imagens e os sons contam tudo que precisamos saber, afinal, essa
é a função do audiovisual. Aliás, esse estilo me lembrou bastante a recente
obra-prima nacional O Menino e o Mundo.
Dirigido
e escrito por Michael Dudok de Wit, o filme acompanha um náufrago que vai parar
em uma ilha deserta após uma violenta tempestade. Pelas roupas brancas e o bote
que estava com ele, é possível supor que se trata de um marinheiro. Assim, o
Homem tenta inúmeras vezes escapar do local em uma jangada feita de bambu, que
sempre é destruída pela tartaruga título. Após alguns conflitos, e de forma tão
fantasiosa quanto ter sido criada de uma costela, surge a Mulher.
É
como estarmos vendo o único casal da humanidade (primeiro a costela, depois
Adão e Eva...), e o fato de não possuírem nomes torna sua representação ainda
mais universal. Aliás, o próprio design do filme, que mescla CG e backgrounds
que parecem verdadeiras pinturas, contribuem com o tom fabulesco de tudo que
estamos vendo. A animação, como não poderia deixar de ser devido aos
envolvidos, é absolutamente impecável. Desde o contraste de luzes que vemos na
ilha ao longo das horas do dia, às imagens da jangada na imensidão do
horizonte, até às folhagens abundantes do bambuzal. E percebam a naturalidade
absurda de movimentos como o Homem retirando um caranguejo da calça, ou a leve quicada
do bambu em suas mãos ao segurá-lo.
Com
uma fotografia distante que valoriza a animação e aquele ecossistema, ao mesmo
tempo em que contribui para o isolamento daqueles indivíduos que sempre
aparecem diminutos de corpo inteiro.
Aliás, apesar de contarem com uma trilha sonora absolutamente
espetacular e evocativa, o diretor é inteligente o bastante para criar tensão
justamente ao não utilizá-la. Como no momento em que o personagem cai em uma
caverna subterrânea, desprovida de qualquer espetacularização ou cortes
abruptos, a urgência vem justamente da crueza visceral com que é retratada.
Conduzindo
o filme com uma segurança admirável, Michael Wit cria transições inteligentes
como ao passar do corpo estendido do Homem para a ilha, cujo formato se mostra
idêntico. A cor da tartaruga, aliás, é a perfeita combinação de seu
significado, representando perigo inicial e culminando em paixão. E a passagem
do tempo é sentida de forma bastante orgânica, como a barba crescendo, a roupa
se desgastando, entre outros. O retrato da fauna é feito
com preciosismo, desde as tartaruguinhas nascendo, aos crescentes caranguejos,
até às formigas que caminham sobre o corpo do Homem.
A
Tartaruga Vermelha se transforma completamente em sua segunda metade,
mergulhando o espectador em uma narrativa doce e profundamente humana. Sem
deixar de contar com perigos reais, o filme evoca sentimentos universais, como
a finitude da vida, reflexões sobre a nossa ínfima trajetória aqui na Terra e o
amor que temos uns pelos outros. Deliciosamente aberto a interpretações, é um
filme maduro e que facilmente provoca lágrimas tamanho envolvimento.
(Para mais dos meus textos, só ir no menu "Crítico Nippon")
Twitter: @PedroSEkman
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