Otbel é um sujeito astuto pra caramba, e como bom empreendedor que é não alcançou as posições mais altas sendo um cara absolutamente justo. Neste trecho da brilhante obra de Kenji Miyazaki, Viagem Noturna do Trem da Via-Láctea, observamos um pouco da aguda carpintaria lírica do escritor em traçar alegoricamente fabulas que dialogam sobre a frágil condição humana, sob de um olhar de acidez crítica e bom humor, que invariavelmente culminam em tons melancólicos e taciturnos, como não poderia deixar de ser quando se trata de falar da natureza humana.
Neste conto está presente um pouco da veia crítica do autor em relação aos valores sociais, chegando a ironizar satiricamente algumas crenças capitalistas. É apenas um trecho, sobre o momento em que um elefante invade as instalações de um empresário astuto e a história, a despeito do seu fim, gira em torno desta frágil relação, onde podemos notar algumas ferramentas clássicas de manipulação e opressão, da qual o trabalhador braçal desconhecendo sua real força sobre o opressor, se torna oprimido por meio de sua própria ingenuidade.
***
Ah! Otbel resolveu desafiar o perigo que corria. Passou o cachimbo para a mão direita e, juntando toda a sua coragem, disse:
-E então, está se divertindo por aqui?
-Ah, estou me divertindo muito! – respondeu o elefante, inclinando o corpo e apequenando os olhos.
-E que tal se ficasse para sempre por aqui?
Surpresos, os camponeses olharam para o elefante. A respiração suspensa. Otbel, depois de falar, começou a tremer sem parar. Entretanto, o elefante, como se nada houvesse de estranho, respondeu:
-Tudo bem para mim, posso ficar aqui.
-É mesmo? Então, vamos fazer assim. Podemos fazer assim, então? –Disse Otbel, totalmente vermelho e satisfeito, o rosto todo alterado.
E então, depois daquilo, o elefante se tornou propriedade de Otbel. Agora, vejam bem, Otbel poderia fazer o elefante trabalhar para ele, ou poderia se desfazer dele, vendendo-o para um circo; fizesse o que fizesse, ganharia mais de dez mil dinheiros.
Ah, mas esse tal de Otbel, Que grande sujeito! E, além do mais, o tal do elefante, que habilidosamente se tornou sua propriedade no galpão de debulhar arroz, também é incrível! E que potência ele tem a força de vinte cavalos! Em primeiro lugar, sua aparência é imaculada, as presas são feitas de um marfim absolutamente perfeito. Também o couro do corpo inteiro é magnifico e resistente como de um elefante. E é muito trabalhador. Embora o fato dele trabalhar tanto seja total mérito, realmente, de seu dono.
Vindo à frente do galpão, construído de troncos, perguntou-lhe Otbel, com um sorriso maroto, enquanto mordia seu cachimbo de âmbar:
-Ei, você não precisa de um relógio?
-Não preciso de relógio algum! – respondeu-lhe, rindo, o elefante.
-Bem, experimente usar um, é um objeto muito bom! – enquanto assim dizia, Otbel pendurou-lhe no pescoço um enorme relógio confeccionado de latão.
-Ah, até que é bom! – concordou o elefante.
Então, Otbel, que coisa incrível, prendeu um corrente de sem quilos em sua pata dianteira, dizendo:
-Acho que também seria bom ter uma corrente, não é?
Caminhando com três patas, respondeu-lhe:
-Sim, até que seria bom ter uma corrente!
-E se calçasse sapatos?
-Não, eu não calço sapatos.
-Ei, tente calçar, você verá que é muito bom! – com uma expressão marota, Otbel colocou-lhe nos calcanhares traseiros enormes sapatos vermelhos feitos de papel machê.
-Até que são muito bons! – concordou o elefante.
-Ah, mas temos que colocar enfeites no sapatos... – e Otbel, apressadamente, ajustou a parte de cima dos sapatos um peso de uns quatrocentos quilos.
-Até que ficou muito bom! – disse o elefante, como se estivesse muito contente com isso, dando passadas com duas patas. No dia seguinte, o elefante se encontrava caminhando, muito feliz, tendo apenas a corrente e o peso, após ter destruído os sapatos de papel de fibras vegetais e o enorme relógio de latão.
Otbel, cruzando os dedos por trás das costas, franziu o cenho e disse ao elefante:
-Sinto muito, mas como os impostos são muito altos, será que hoje você buscaria um pouco água de água no rio para nós?
-Ah, sim! Vou trazer-lhes a água. Quantas vezes o senhor quiser. Será um prazer.
Alegrou-se, apequenando os olhos, e até a hora do almoço já havia carregado água do rio umas cinquenta vezes e regado todas as folhas de plantação.
Ao anoitecer, o elefante estava no galpão, comendo os seus dez feixos de feno, quando viu a lua do terceiro dia do oeste, e disse:
-Ah, como é divertido trabalhar para viver, a gente se sente tão bem!
-Sinto muito, mas os impostos subiram de novo. Você poderia apanhar hoje um pouco de lenha da floresta? Disse-lhe desta vez Otbel, com um chapéu vermelho com viseira, as mãos nos bolsos.
-Ah, sim, vou. Que tempo lindo, não é? Eu absolutamente adoro ir à floresta!
Otbel ficou tão apreensivo que quase lhe caiu os cachimbos das mãos, mas naquele momento o elefante parecia estar se divertindo muito e já se punha a caminhar, lentamente. Otbel tranquilizou-se, mordeu o cachimbo e, suspirando levemente, foi supervisionar os outros trabalhos dos camponeses.
Nessa tarde, pouco depois do meio-dia, o elefante já tinha carregado novecentos feixos de lenha, e seus pequeninos olhos mostravam sua satisfação.
Ao anoitecer, o elefante, enquanto comia seus oito faxo de feno no galpão, parecia dizer para si mesmo, ao contemplar a lua do quarto dia do oeste:
-Ah, como trabalhei! Ah, que sensação boa! Santa Maria! E, no dia seguinte:
-Sinto muito, mas os impostos aumentaram cinco vezes; será que não poderia ir hoje à ferraria e assoprar o fogo do carvão?
-Ah, sim, vou. Se fizer com vontade, posso até fazer pedras avoarem apenas com meu sopro, sabia?
Otbel ficou novamente apreensivo, mas tranquilizou-se e riu.
O elefante se dirigiu à ferraria lentamente, sentou-se pesadamente dobrando as patas, e passou metade do dia soprando as brasas no lugar dos foles.
Nessa noite, o elefante em sua choça de elefante, enquanto comia seus sete feixos de feno, contemplando a lua do quinto dia do céu, disse:
-Ah, como estou cansado! Que alegria, Santa Maria!
E então, o que acham? A partir do dia seguinte, o elefante teve de trabalhar desde bem cedo. De feno, no dia anterior, recebera somente cinco feixos. É incrível que com apenas cinco feixos de feno conseguisse produzir tal força.
Na verdade, o elefante era muito econômico. Também por este fator, Otbel era realmente inteligente e o utilizava muito bem. Ah, esse tal de Otbel, que grande sujeito!
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