terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Genevieve e Sua Sombra

Genevieve e Sua Sombra também pode se dizer tratar de uma semi-autobiografia de sua autora em relação às semióticas que lhe despertam fascínio. Para quem acompanha a brilhante Débora Valéria, vulgo Lobo Paranoico, no Twitter certamente pegará todas as referencias contidas nesta história curta.
Mesmo Céu, primeiro trabalho que li da autora, também tem muito disso – naturalmente, os gostos que influenciam o paladar de um autor se tornam elementos marcantes em suas histórias. Mas seu conteúdo acaba sendo mais forte e um tanto surpreendente que Genevieve; que trilha por um caminho mais abstrato e conflitivamente aberto. 

Na história, Genevieve é uma garota que se defronta com sua própria sombra, que lhe arrasta para uma aventura para além da matéria em diferentes planos que misturam fantasia e realidade, além de ações que pouco sentido lógico fazem, mas que todo mundo já vivenciou em algum sonho surrealista nonsense. Uma pena ser uma pincelada tão curta quanto um sonho maluco – daqueles que temos em poucos minutos naqueles cochilos gostosos que gostaríamos que tivessem durado muito mais tempo. Genevieve parece ser uma personagem que parece ter muito mais para mostrar.
O que me deixou magnetizada e deslumbrada foi a técnica da autora, o preto e o branco impactantes e a envolvente energia cinética da narrativa visual – a quadrinização e a ação que acontece dentro destes quadrinhos dialogam em um ritmo frenético e harmonioso. Nunca é chato acompanhar a pequena, mas deslumbrante aventura de Genevieve. As vezes soa como um daqueles filmes franceses editados tal qual um videoclipe, com múltiplas técnicas narrativas; da mise en scène teatralizada  e mise en abyme, que nada mais é que uma narrativa que contem outras narrativas dentro de si. Assim, somos tomados de assalto com múltiplas camadas de um mundo onírico em um ensaio metalinguístico da autora que pode parecer bastante confuso ou bastante simples, dependendo de quem lê, mas não vazio de sentido. Embora o texto não seja o forte aqui, e sim a aventura imagética – o que torna Mesmo Céu mais sólido e eficiente, pois seu texto é mais fácil e versa sobre um sentimento universal (não me refiro ao texto no sentido clássico).

Já Genieve é muita doideira. Esse é o tipo de histórias que mais gosto, e também a que mais gosto de escrever sobre por provocar toda uma consciência autoreflexiva da realidade e da linguagem ficcional, é o caso de Paprika, Wendy, Mind Game, entre outros que já comentei sobre. E Genevieve E sua Sombra não foge disto ao tratar da dualidade conflitiva entre o sujeito e a sua sombra e o que é real dentro de uma história dentro de uma história e assim sucessivamente. É como dois mundos que vão se confundindo a medica que as divisas entre um e outro vão se estreitando. O físico – real – e o subjetivo – o que está dentro de si, contendo todas as referências ficcionais e experiências que viveu até se formar naquela pessoa. 
É assim que Genevieve me soa. Um amálgama metalinguístico que formam a obra e os personagens de um autor, ao ponto de tudo estar mesclado a tal nível que seria quase impossível querer distinguir ele próprio da sua obra, o verdadeiro da criação. E etc e tal. É uma consciência meta que provoca a intrusão da figura do autor na sua obra em um caráter auto-reflexivo (não no sentido clichê e batido de aparecer uma charge do autor ali no meio interagindo com o leitor, embora a Genevieve quebre a quarta parede em algum momento. Não é nada disso), onde a consciência sobre na história e sobre a obra se tornam palpáveis. Nesse sentido, Genevieve se aproxima bastante de Paprika, que também é uma brincadeira de Satoshi Kon que homenageia a sua maior paixão – e uma espécie de sequência espiritual de sua obra anterior Millennium Actress, que alude sobre os mesmos temas: narrativas em abismo, história dentro de outras histórias e a transcendência da consciência meta. 

Se a Genevieve é a própria Debora eu não sei. Talvez nem ela saiba. No entanto, sinto como se fosse. Essa pequena história me bate como uma consciência meta da vida e da arte, refletindo na angustia diante a impossibilidade de controlar o fluxo do tempo e os acontecimentos desencadeados pela ação que provoca. Genevieve é uma personagem fascinante.

Avaliação: 😉😉😉

Autora: Débora Valeria
Ano: 2016
Paginas: 22
Publicação Independente
Página: http://meilinwau.blogspot.com.br/
Lojinha: https://www.colab55.com/@meilinwau

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