domingo, 5 de fevereiro de 2017

Guest Post: Kuzu no Honkai #04

Por Carlos Dalla Corte 

Eu já fui um grande fã de animes ambientados em universos medievais – ou então simulacros estilo batalha de espadas. Posteriormente, conforme os tormentos psicológicos e os pelos corporais foram tomando conta, meu gosto também mudou, e radicalmente. 
Hoje em dia, tenho forte predileção por animes que podem ser caracterizados como estudos de personagem; isto é, quanto o arco de um personagem é mais importante que a história em si. Obras assim, quando bem executadas, são fascinantes.

E Kuzu no Honkai, até aqui, tem sido um destes raros espécimes. Acrescenta-se o s para deixarmos a descrição no plural e temos aqui um estudo de personagens. E nesta 4ª parte, o foco foi em Akane, a professora até então mostrada como alguém recatada, sorridente e deslumbrante. Engano proporcionado pela bela superfície, é claro.

A moça é, em síntese, uma personagem deplorável, narcisista, adepta do hedonismo e inescrupulosa para se satisfazer, independente do efeito nisso nos outros – se for atormentar alguém em especial, melhor, como vimos em seus radiantes pensamentos ao flertar com Narumi (o professor) aos olhos de uma atordoada Hanabi.  

Porém, narrativamente, ela é, em contramão, arrebatadora, justamente pela boa construção e desenvolvimento que tem recebido. Uma evolução minuciosa, com detalhes revelados pacientemente para ampliar o impacto de determinadas revelações, tudo em sinergia com o andamento da trama.
Apesar de ter sido a figura mais explorada, entretanto, em seus curtos 23 minutos, o episódio deu à própria Hanabi mais nuances expostas. Com a inteligente direção de mostrar duas cenas por pontos de vistas diferentes, como bem ensinou Bergman em Persona, vemos a declaração do professor – e amor platônico da protagonista – do ponto de vista da professora, escondendo suas reais intenções por trás da máscara de pureza, e do olhar indignado e impotente da jovem garota.

Um caminho comum aqui seria fazê-la vitimizar-se e desidratar-se ao limite pela infelicidade da situação. Mas não. Tristezas à parte, a obra tem uma temática bem definida em debater nossas mazelas internas. E, Hanabi não é vítima para vitimizar-se. De uma maneira diferente, ainda inexperiente, refém de si mesma, preencheu o vazio com sua outrora amiga ruiva. 

E é divertido notar como, na verdade, ambas se usaram, como é a relação de Hanabi com Mugi. É um ciclo vicioso onde não cabem julgamentos justamente por serem todos carne do mesmo saco. Não é uma podridão de minorias, e sim a vastidão da angústia humana. É a libertinagem como metáfora de nossa imperfeição. 

Ademais, não sou de me ater a detalhes técnicos, mas Kuzu faz por merecer. De orçamento e recursos limitados pelo acanhado estúdio da Lerche, é de se aplaudir a criatividade da staff para driblar seus limites com uma direção engenhosa, com vários cortes e uma composição de quadros no mínimo curiosa, quase sempre acompanhados por uma trilha sonora precisa, cujo destaque aqui se dá pela melodia ao fundo da cena onde Hanabi e Sanae trocam carícias na cama. Não ouvimos algo belo e reconfortante, e sim um som que se encaixaria perfeitamente em películas do mestre David Fincher, claustrofobia e inquietante, como o pensamento e ações das garotas por trás do véu da juventude.


Com tantos elementos a favor, tem sido um deleite acompanhar Kuzu no Honkai. Que continue assim.

Carlos escreve sobre idols em seu blog Delirios da Madrugada.