Saudações
do Crítico Nippon!
Agora
é oficial: essa divisão de 9 episódios está prejudicando a série. Claramente
forçando decisões e movendo personagens de um canto para outro daquele mundo em
uma velocidade surreal, a necessidade de criar clímax de 9 em 9 está sabotando
a série. Em Avatar, cada temporada contava com 20, então não havia pressa para
chegar nos locais e podiam construir arcos dramáticos com calma. Para construir
um final de temporada, é necessário por volta de 3 episódios. Em uma temporada
com 9, isso é um monte. Porém, em uma temporada com 20, míseros 3 episódios não
são nada. E isso faz toda diferença do mundo. Aqui, em um episódio o personagem
está feliz, no seguinte ela nunca esteve tão braba, é um salto rápido demais
para gerar conflitos falsos no pouco tempo que eles possuem. Enfim, há muito o
que se analisar.
(contém SPOILERS)
Com o início acertadamente focando nos problemas que sobrecarregariam um rei tão jovem como Ezran, temos uma brincadeira interessante com “400 e-mails não lidos”, somado com os vilarejos atacados de seu próprio povo e a insistência de entrarem em guerra contra Xadia.
Do
outro lado, Callum e Rayla começam com um ótimo episódio enfrentando um dragão
para poderem entrar em Xadia, seja utilizando a razão e argumentos, ou com
estratégias e perseguições. E o flashback mostrando como o dragão ficou cego
auxilia a entendermos sua raiva para com os humanos e justificar seu
comportamento.
As
paisagens das terras mágicas, como não poderiam deixar de ser, seguem
deslumbrantes, como sempre foram nas temporadas anteriores. Desde a gigantesca
árvore logo no início, passando pelo Bosque Prateado dos elfos da lua, até Lux
Aurea, a fortaleza dos elfos do sol, grandiosa em seus salões e completamente
banhada a ouro. A própria montanha onde vive a mãe dragão é de tirar o fôlego e
um dos cenários mais icônicos da série até agora.
Contudo,
os elogios não irão muito além disso. Viren, por exemplo, não consegue passar
sequer metade da temporada (de 9 episódios!!) na prisão que já dão um jeito de
soltá-lo. O jeito, infelizmente, não faz o menor sentido. Menos ainda se
levarmos em conta a ideia de um regente até Ezran ficar mais velho, e ao invés
de escolher isso, o pequeno rei escolhe... um absurdo completo. Aliás, por que
colocaram Ezran na prisão? Não bastava apenas abdicar pacificamente de seus
poderes como rei? Enviar uma criança
(cujo pai foi assassinado pela incompetência da corte inteira, diga-se de
passagem) pra prisão não é algo que, bem, um vilão faria? Nem Claudia vê nada
de errado com isso, mesmo recebendo a clemência de Ezran nos primeiros
episódios. E por que diabos a corte ainda dá algum crédito a Viren, sendo que
todos eles concordaram em prendê-lo após sua rebelião demoníaca no final da
temporada anterior. Todos sofreram perda de memória?
Outras
adições que não funcionam, como por exemplo o príncipe Kasef, da Neolândia, que
poderia ganhar traços de nobreza e ambiguidade, como as temporadas anteriores
costumavam fazer. Aqui não, ele é apenas um personagem unidimensional e que
termina ainda pior. Outra personagem surpreendentemente estúpida é a Nyx. Nem
um pouco inteligente ou forte, o seu plano de sequestrar o dragãozinho Zym é
surreal de ineficiente. E o deserto o qual oferece passagem não representa
maiores perigos além de (pasmem) cobras. Aliás, Rayla e Callum montados em seus
lobos/tigres parecem correr pelo deserto sem qualquer dificuldade, de dia ou de
noite, o que torna o drama em torno daquele ambiente completamente vazio e
desnecessário. Nyx soa esquecível como aquele pirata cego dos dois olhos da
temporada passada (que eu aposto que qualquer um lendo isso nem lembrava).
Aliás,
“a mãe dragão está morrendo” é a desculpa mais esfarrapada de todos os tempos e
não nos diz nada, visto que a informação não tem qualquer detalhe. Uma semana
de atraso para contornar o deserto não parece tanto tempo assim em uma jornada
dessas. É um intervalo que eles poderiam facilmente atrasar por qualquer contra
tempo que não o deserto (uma tempestade, alguma batalha, alguém capturado como
prisioneiro... são tantas possibilidades). Martelar uma urgência vaga dessas é
um desrespeito com a inteligência do espectador.
E
não para por aí. Ao chegarmos nas runas “Dê
seu último suspiro”, é impressionante como os autores não fazem nenhum dos protagonistas descobrirem a
charada. O ideal seria o jovem Ezran sozinho, mas ele só resolve o enigma com
um dragão-ex-machina. Ou seja, o mérito não é dele. Lembram em Senhor dos
Anéis, nas Minas de Moria? No livro, Gandalf revela a charada sozinho. No
filme, Frodo descobre sozinho, ressaltando sua inteligência. Era isso que
deveria ocorrer, não um dragão surgindo e sumindo da forma mais conveniente
possível.
Porém,
se o dragão-ex-machina não era o suficiente (mais tarde, sendo usado para
resgatar Soren também, pelo visto o dragão não faz mais nada da vida, só fica
salvando humanos na escadaria) (e mais tarde ainda, na batalha final, já
estamos tão saturados de dragões que eles não causam qualquer empolgação),
esperem até ver outro dispositivo preguiçoso que a narrativa usa. O
teletransporte-ex-machina. Ezran, após fugir da prisão, alcança os heróis em um
episódio. E o hipogrifo Fê Fê morre de cansaço! Como isso é aceitável? Como?! Parar meia hora, uma hora pra descansar não dava? Sério? É
uma decisão errada atrás da outra. Mais tarde, Soren faz exatamente o mesmo ao
se separar de sua família, chegando onde os heróis estão em minutos. Ah sim, e
se anteriormente citei a aparição dos dragões na batalha final, quão hilário é
Ezran lançando chamas nos seus próprios conterrâneos de Katolis depois de todo
aquele drama pra não entrarem em batalha? Foi a coisa mais hilária que eu já
vi, inacreditável de inconcebível que ele estivesse encabeçando um ataque
daqueles contra seu próprio povo.
Os
personagens praticamente não tiveram qualquer desenvolvimento. Saber que Rayla
virou um fantasma para o seu povo é interessante, mas não leva quase a lugar
nenhum. Ezran e Callum seguem imutáveis (o potencial desperdiçado de Ezran como
rei continua me chocando), exceto por um asas-ex-machina totalmente absurdo na
reta final. Ainda que a relação de Callum e Rayla seja melhor que nada, mas a
história parece não dar muito tempo pro casal. Assim, Soren é o único que passa
por algum tipo de arco. Rejeitado pelo pai, desacreditado pela irmã, o rapaz
parece completamente diferente daquele da temporada passada. Inclusive há um
momento bem-vindo se desculpando pessoalmente com Callum.
Por
outro lado, se antes Viren mantinha um equilíbrio delicado em não ser
transformado em um vilão da Disney, auxiliado pela sua relação com os filhos,
agora ele é o próprio Jafar enlouquecido. A necessidade da história em fazê-lo
envolvido nas mortes e nos dramas familiares de absolutamente todo mundo (até
Rayla, sério?!) é um exagero tão forçado que me faltam palavras.
Por
outro lado, é um dos flashbacks contados por Jafar-Viren que nos traz um dos momentos
mais emocionantes da série até hoje, com a morte de Thunder, pai do príncipe
dragão. E perceber como o pai do Zym matou a mãe do Ezran e Callum, e o padrasto
deles matou o pai do Zym, mostra a complexidade daquela situação toda. É
brilhantemente amarrado como os conflitos entre Avatares e Senhores do Fogo.
Contudo,
Xadia parece absolutamente alheia a qualquer guerra, inclusive não vemos
qualquer exército. Com exceção dos elfos do sol que não parecem páreo pros 4
reinos humanos juntos. E a urgência dos humanos em invadir suas terras não parece
ter qualquer fundamento, exceto Jafar-Viren querendo o príncipe dragão. E os demais
líderes, qual a justificativa? Por que estão seguindo Jafar-Viren? O que Xadia fez
contra eles? A Nação do Fogo costumava claramente atacar a todos e se vangloriar
disso. Xadia (ou mesmo os humanos) não chega nem perto. Exceto aquela meia
dúzia de demônios que Jafar-Viren espalhou para forjar um conflito, mas que ninguém
jamais menciona aqui.
E
se o mago das trevas parece completamente descontrolado, Aaravos é peça fundamental
disso. Ele era ameaçador sem dizer uma palavra no espelho, e agora parece
amar ouvir o som da própria voz. E sua versão fantasma para não ficar a
temporada inteira desaparecido é uma convenção pro espectador, não para Jafar-Viren,
que poderia se virar muito bem só com a voz em sua orelha. Dito isso, é um
absurdo completo ele dominar a fortaleza inteira dos elfos do sol com uma
facilidade imensa e, principalmente, sem seu corpo físico. Isso só torna a
derrota de Aaravos para Thunder algo inconcebível tamanho seu poder, e sua
permanência na prisão não faz o menor sentido. Aliás, com um único movimento,
Aaravos e Jafar destruíram todo potencial de desenvolvimento dos elfos do sol.
Eu
tenho a impressão de que nunca fizeram uma piada que funcionou em O Príncipe
Dragão, e eles continuam insistentemente tentando. São constrangedoras em
vários momentos, como aquela sobre pintar um cocô (juro). Por outro lado, as
sutilezas em referenciar Avatar ainda me cativam. E o dublador de Sokka
encontrando um bumerangue é o auge até hoje. Além de outras, sempre muito
sutis, como “Sinto muito que tenha que terminar assim” e “Não sente, não” (Zuko
e Azula disseram isso). Além de, claro, a voz de Isca que é idêntica ao Appa.
Porém,
guardei o maior absurdo e covardia para o final, seguindo a ordem
cronológica da temporada, que é o seu clímax. Transformar os soldados de
Katolis em zumbis só vai servir para um tentativa patética de eximi-los da
culpa. Afinal, estavam possuídos, coitadinhos, não sabiam o que estavam fazendo.
Isso é uma covardia imensa. Fazê-los “infectados” tira toda complexidade e responsabilidade
das mãos deles. Até porque, dar contornos sombrios e cinzas para personagens “bons”
era um dos maiores elogios desta série. E agora todos parecem ter sido imunizados. Como se não bastasse, Claudia enfim cruzou a linha do aceitável nos
últimos momentos da temporada, abraçando a vilania completa. E Viren sobreviver
pela bilionésima vez mostra uma falta de ideias gritante. Se ele levou míseros 3 episódios pra sair da prisão, imagino que vá levar só mais 3 pra ficar super poderoso novamente.
Assim,
é com pesar que encerro este texto sobre o Livro 3 – Sol. E ainda que olhando a
temporada de longe, não sinto qualquer tipo de raiva, apenas decepção, pois tenho carinho pelos
personagens e aquele universo. Mas foi um tropeço feio, bem feio. Irregular e
apostando na ação desenfreada ao invés de apostar no nosso coração e na emoção
de reunir o príncipe dragão com sua mãe. Transformaram o momento em um show de
horrores e com vínculo emocional que durou míseros segundos. Quando deveria ter
sido justamente o contrário, lutas rápidas e grande investimento emocional.
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