domingo, 8 de janeiro de 2012

Toda a Pretensiosidade de Mawaru Penguindrum



IMAAAAAGIIINE! Eu não sou a Princesa do Cristal, mas hoje vamos falar de um anime que é FABULOUS MAX!!! Pseudo-cult? Elitista? Masturbação visual? É bom demais pra ser um anime? Profundo? Hoje é dia de Mawaru Penguindrum aqui no ELBR e de cumprir a promessa que eu fiz pra vocês, de comentar esse anime assim que ele acabasse. O quê, você ainda está procurando as respostas de qual a importância dos pinguins e o que eram aquelas maçãs? Okay, eu darei meu ponto de vista aqui, então já sabem: SPOILERS GRÁTIS! Como é um anime que se sustenta bastante no suspense do misterioso e inusitado enredo, recomendo que caso tenha interesse em assisti-lo, voltar aqui depois. E se está na dúvida [MINHAS PRIMEIRASIMPRESSÕES], indico dois excelentes posts que fazem um apanhado geral do mesmo [Mawaru Penguindrum – no Nahel Argama] & [Mawaru Penguindrum ébom demais para ser anime – no Subete Animes].

Não há nada errado em curtir um anime descompromissado, que não te obrigue a estuda-lo, a ir atrás de informações, um tipo de anime “fast-food”, onde terminado o episodio, é só partir pra outra, ou seguir o fluxo normal de sua vida. Mas às vezes queremos algo mais instigante ou simplesmente “diferente” do mais do mesmo que vemos continuamente a cada temporada (ou cour) de anime no Japão. Não que isso seja algo bom ou ruim. 2011 foi um ano com ótimas produções, que se destacaram e se tornaram candidatas a franquias que alimentarão seus investidores por mais alguns anos. Mesmo que Penguindrum esteja entre esses nomes de destaque, acaba sendo o último nome dessa lista, atrás de sucessos como Steins;Gate ou Tiger & Bunny. O que é bem compreensível, pelo fato de que, apesar da história ser simples, a narrativa é pretenciosa, cheios de labirintos que às vezes se tornam becos sem saída para o espectador que acaba se perdendo na incompreensão. Essa tal “estética hermética” ou “narrativa não linear” tanto para animações quanto para obras com atores reais, para muitos não tem pé nem cabeça. Incompreensível é elogio e nada faz o menor sentido. Penguindrum, em sua primeira metade até que oferece ao espectador uma narrativa clara e sem grandes subterfúgios, ainda que com diversos elementos presentes nas múltiplas camadas do enredo. Mas em sua segunda metade, restabelece os temas que foram abordados no primeiro episódio, deixando de lado o tom divertido que era a característica da série e se aprofundando no drama dos irmãos Takakura, assim como pela intensidade poética, pelo pitoresco dos episódios, cujo labirinto narrativo, cheio de desvios de rota e de recursividade, tanto vislumbra, quanto revolta.


Dirigido por Kunihiko Ikuhara, esse anime delirante chegou ao final ao fim de Dezembro do ano passado, provando que ainda há espaços para obras com abordagens diferenciadas e originais no mainstream. Diretor do clássico cult, Shoujo Kakumei Utena, a diva (Ikuhara) brindou a todos com duas séries arrebatadoras, ao fim de Mawaru Penguindrum. Vale a pena dar um tempo na zona de conforto oferecido pelos animes convencionais e dar uma viajada pelo belo show de imagens conduzidas pela mão firme do diretor. Embora os diálogos chamem a atenção, juntamente com referências históricas e flashbacks, o principal pilar de Penguindrum é sem dúvidas o apelo estético. Vamos começar falando do character designer, que sim, é conceitualmente shoujo, desenvolvido originalmente por Lily Hoshino (que ficou responsável também pelas ilustrações finais ao termino de cada episódio de Penguindrum) , famosa autora de mangás BL (Boys Love), e transposto para o vídeo com maestria pelo estúdio Brain’s Base. É um character designer bem clássico, que bebe na fonte que os diretos de arte, Osamu Dezaki e Shingo Araki consolidaram do fim dos aos 60 aos 70, não apenas em character designer, como também na forma de contas histórias sempre repletas de simbolismos visuais que acabam marcando em vários momentos da história.

Ikuahara, como a maioria dos grandes diretores, tem personalidade forte e gosta de ter pleno controle sobre o que produz – Motivo que o fez abandonar o barco de Sailor Moon (onde dirigiu as fases R e S), alegando falta de liberdade artística. Em Shoujo Kakumei Utena, mesmo com um baixo orçamento, conseguiu expor uma arte conceitual incrível. Ambas as obras, são carregadas desse traçado suavemente feminino, o que expõe o altíssimo grau de idealização, até mesmo no erotismo. Tanto personagens femininos, como masculinos, têm feições, mãos e dedos finos e longos, são altos e esbeltos e tendem a manter uma expressão facial serena ou pouco alterada. Kanba é o avatar da idealização feminina para com os homens, tanto em estética, como em atitude. Às vezes as expressões dos personagens se mostram de formas ininteligíveis. Um exemplo é Himari, que possui uma personalidade adocicada e aparentemente ingênua, própria pras “princesinhas” dos contos de fadas, mas que claramente possui algo de oculto escondido que é denunciado tanto em suas feições como na ainda, misteriosa ligação com a Princesa do Cristal.

Bela montagem comparativa, feita aqui, entre Penguindrum e Utena sobre o storyboard das mãos dos personagens



Claro que, não é o fato do diretor diva, ser uma diva, que influenciou nas escolhas de characters designers (em ambas as séries que ele dirigiu), que para nós ocidentais, soa tão efeminado até mesmo nas figuras masculinas. Além da visão nipônica, que associa entre outras coisas, boa educação e beleza, com traços mais delicados. Queria comentar sobre o conceito de “Anima/Animus” de Jung, que tem bastante dessa visão do Japonês, mas é algo que cai muito melhor em Shoujo Kakumei Utena do que em Penguindrum – No conceito de Jung , Anima significa o componente feminino numa personalidade de homem, e o animus designa o componente masculino numa personalidade de mulher.


Se a garota revolucionaria, Utena nos introduz a uma deliciosa mistura de garota mágica, em meio a algo como um conto de fadas ao avesso, Penguindrum vai um pouco mais além, ainda que se reciclando. Ikuhara sabe como contar uma história fabulosa e faz uso de sua imaginação afiada e grande berço cultural para desenvolver uma narrativa labiríntica cheia de conflitos simbólicos. Mas enquanto Utena possui uma estrutura mais visível (ainda que repleto de simbolismos), Penguindrum já começa com efeitos visuais e uma simbologia impressionante. O primeiro episódio por si só, já é um choque metafórico incrível. Começa com a cena se abrindo sobre o quarto da Himari, onde a câmera trata de focalizar diferentes ângulos e objetos ao redor que foram estudados por muitos blogs gringos, como se fosse um curso de teologia (algumas teorias bem absurdas, aliás). Querubim pendurado no teto, janela com cortinas azuis com estrelas amarelas flutuando pelo ambiente. O blog Iwa ni Hana chegou a fazer uma interessante comparação, onde as estrelas simbolizavam o futuro e a esperança, enquanto o palácio subaquático na capa do diário da Ringo representava o fato de ser um mundo passado que estava selado e intacto. No mesmo artigo, é dito sobre ser uma alusão ao folclore japonês de Urashima Taro, um jovem pescador, que certo dia salva um filhote de tartaruga das mãos de umas crianças malvadas. E devolve-o ao mar. Dias depois, enquanto pescava, uma tartaruga enorme surge no meio das ondas. Agradece-lhe por ter salvado seu filhote e o convida, em agradecimento, para conhecer o Paraíso do Fundo do Mar. Se você clicar nestelink e se interessar em ler sobre a lenda, verá que faz certo sentido com o desfecho da trama, assim como todo percurso final de Penguindrum, remete de volta ao fantástico primeiro episódio da série.

Eu odeio a palavra "destino". Nascimento, encontros, despedidas, sucesso e fracasso, sorte e azar na vida. Se as nossas vidas já estavam escritas pelas mãos do destino, então por que nós temos mesmo que nascer? Existem aqueles que nascem em famílias ricas, aqueles que nascem de pais bonitos, mas e aqueles que nascem no meio de uma guerra ou da mais profunda miséria? Se isso tudo está determinado pelo destino, então Deus deve ser extremamente injusto e cruel. Porque, desde aquele dia, nenhum de nós tinha um futuro e a única coisa certa era que nós não poderíamos fazer nada.


O metafórico monólogo de Shouma nos minutos iniciais do primeiro episódio, trás a tona um dos roteiros mais inspirados que eu já vi, a despeito de algumas críticas. Num roteiro com diversas influências, que faz você se emocionar e pensar, as reviravoltas que sacodem a trama, que você achava que estava entendendo, mas que de repente muda-se toda a trajetória. Ikuhara brinca com o roteiro o tempo inteiro e mostra uma história extremamente bem planejada. A busca pelo desconhecido Penguindrum, que garantiria a vida de Himari, a recusa de Kanba em se resignar a tão cruel destino. Maçãs, pinguins, o diário da Ringo, referências em rebuscadas camadas que são uma verdadeira ode. Lembra bastante a Teoria Mecânica do Universo, que prega que a essência básica é o começo. E não dá pra falar sobre isso, sem falar sobre Causalidade (causa e efeito) e Pré-determinismo (onde todo efeito já está presente na causa). Assim, tendo explicado toda a cadeia de eventos em Penguindrum, que se iniciou no passado quando Kanba resolve dividir com Shouma sua maçã. Por isso dos irmãos Takakura odiarem a palavra destino e preferir acreditar que a vida não possui razões pré-determinadas. Em contrapartida de Himari, que ama a palavra destino e aceita com resignação os eventos que se sucessedem. O que acaba trazendo o conflito de pontos de vistas, bem peculiar. 


E quem diria que uma aparentemente simples referência do lendário livro, "Viagem Noturna no Trem da Via Láctea", de Miyazawa Kenji, se tornaria o escopo da série ao seu final, envolvendo a palavra destino e toda a simbologia, onde as maçãs representam o próprio universo (e a recompensa para aqueles que escolheram o amor acima de tudo), que conecta um mundo ao outro através de um fantástico trem. E o melhor; Tudo não acaba quando você morre, sendo pelo contrário, começa de verdade após a morte. Com isso, temos um primeiro e último episodio que se interligam e fazem todo um sentido, quando você vê que, para Himari ser salva, os irmãos Takakura tiveram que se sacrificar, sendo aquela a verdadeira essência do conceito do objeto que ganhou o nome de “penguidrum”, criando assim um novo mundo, após suas “mortes”. Uma série compacta, do tamanho de um Madoka Mágica, certamente faria de Penguindrum um anime bem diferente e não sei até que ponto isso seria válido. Mas uma série longa, com 26 episódios de uma história simples pra contar, precisa de bastante enchimento. É aqui que brilha a engenhosa imaginação de Ikuhara, ao entrelaçar temas repletos de simbologia, mitologia com elementos que dialoguem com a trama e a façam caminhar, sem deixar que o espectador perca o interesse, com sub-tramas uniformes que mesmo distantes do plot central, o compõe como um belo mosaico. Em meio ao humor/drama e romance da narrativa, vislumbra se um olhar crítico sobre a sociedade e seus valores sociais. Se "Viagem Noturna no Trem da Via Láctea" sustenta o conceito original da história, o uso de uma narrativa imersa numa atmosfera de contos de fadas, referências literárias como Branca de Neve, Super-Frog Saves Tokyo, Urashima Taro, o mito de Adão e Eva, e a delicadeza de se usar o atentado com gás sarin em 1995 no metrô de Tóquio, como um espectro que rondou a trama e seus personagens, são os ricos elementos que sustentam de forma intrínseca o roteiro de Penguindrum. 

Talvez um dos pontos mais óbvios do anime, seja o fato de se tratar de uma crítica velada à sociedade japonesa, com o anime tendo como tema principal e plano de fundo, a família.


Uma vez eu vi um documentário americano que se seguia uma família visitando um dos seus membros na prisão, uma vez por ano, fazendo a sua fotografia de família todos juntos.

Se fosse no Japão, o clima disso poderia ter sido algo como, "esta pequena comunidade que causou um problema não deve ser perdoada", eu suponho. Uma sociedade com base nos povoados excluiria uma família assim.

Mas na América é o oposto. Como: "Não importa o que todos dizem a nossa comunidade é importante." Eu pensei que isso era realmente interessante.

Gostaria de saber se eventualmente o Japão se tornará daquele jeito também. Eu não acho que esteja distante o dia em que todos estarão se perguntando: "Qual é a comunidade mais importante para mim?”.

(...) Dentro dessa história, o início dela retrata esse tipo de coisa. Tentando forçar sua própria imagem da "família feliz" sobre os outros. Tentando forçar os outros a compartilhá-la com você. A primeira metade da série tem esse aspecto.

 –Trecho da entrevista de Kunihiko Ikuhara, que pode se vista traduzida no Subete Animes.


Todo esse olhar crítico e sensível sobre a família (um grupo social, inserido na sociedade, independente dos laços sanguíneos – Onde em todos os núcleos de personagens, a questão familiar é o grande leque de possibilidades), reflete na estrutura do anime como um todo e nos dá as metáforas mais alucinantes, como o atentado no metrô de Tóquio, a estufa de crianças, o grupo Kiga e as caixas, onde Kanba e Shouma estiveram aprisionados. Além de toda a ambiguidade da trama, Sanetoshi e Momoka representam bem todo esse lado simbólico de Penguindrum, pode se dizer que um “Yin Yang” – Que estão ali representando uma ideia.

Himari é escolhida por Shouma para fazer parte de sua família, no mesmo episódio 20, onde a verdade bem à tona, revelada durante uma longa sequência de flashback, Ikuhara insiste em bater na mesma tecla, onde ele reafirma sua crítica sobre os que são rejeitados pela sociedade. É bonita a metáfora sobre o “primeiro homem” e a “primeira mulher na terra”, que surgiu na conversa entre Himari e Shouma, mas melhor ainda e com um efeito mais prático sobre a trama, é o momento onde os dois cuidavam de um gato abandonado na rua, mas que acaba sendo descoberto e jogado no caminhão de lixo. “Ele não foi escolhido” – “Este mundo está dividido entre os escolhidos e os rejeitados” – “E ser rejeitado, significa morrer” – Que acaba sendo um recurso autoexplicativo para a “Estufa de Crianças” onde vai parar as crianças rejeitadas, que consequentemente, acabarão desaparecendo.



Nem tudo em Penguindrum é real, muitas vezes é um ilusionismo da representação de um sonho, uma ideia, algo que não existe em matéria, algo que inclusive é bem representado pelo simbólico personagem de Sanetoshi – Esse é um aspecto utilizado por muitas tramas surrealistas. O que, definitivamente, e propositalmente, gera uma certa confusão de se entender todas as camadas de Penguindrum. O surrealismo é uma aventura pela irrealidade, despreza o que é crível e mergulha na absoluta liberdade de expressão. Penguindrum é surreal, é uma maluquice pura, é sua maior virtude, e também defeito. Não é algo que está além da compreensão, mas requer um “querer” refletir sobre tudo que ele propõe. Segundo André Breton (poeta e inventor do surrealismo – Um movimento literário que trouxe o inconsciente, a fantasia e o sonho para o domínio da arte), "Surrealismo é o automatismo psíquico puro pelo qual se propõe expressar, verbalmente, por escrito, ou de qualquer outra maneira, o funcionamento real do pensamento. O pensamento é ditado com ausência de qualquer outro exercício da razão, a margem de toda preocupação com estética ou moral. Em outras palavras: existe outra realidade, tão real e lógica como a exterior, que é a dos sonhos, da fantasia, dos jogos espontâneos do inconsciente que se desenvolve a margem de toda a função filosófica, estética ou moral”.

O que é a estufa de crianças?

“É o destino de todas as crianças abandonadas pela sociedade. Não podemos fazer nada sobre isso, não podemos salva-las. Não podemos fazer nada, é um mundo congelado” – Percebe-se ai mais uma crítica sútil de Ikuhara à sociedade japonesa. O que acontece com as crianças que vão parar lá? Elas se tornam invisíveis. Eles nunca serão ninguém importante (como dito pelo pai de Shouma), Tais quais os membros da sociedade japonesa que caem em desgraça ou os hikikomoris, otakus e todos que são colocados à margem daquela sociedade.

“Nesse momento, várias crianças estão se tornando invisíveis. Este mundo está corrompido, por permitir que isso aconteça”.  



E assim é retratada a ideia centrada sobre como a sociedade japonesa pode ser cruel com quem se destaca no grupo, seja positiva ou negativamente. A “Estufa de Crianças” não passa de uma representação figurativa. Tanto Mawaru Penguindrum, como Shoujo Kakumei Utena, bebem na mesma fonte do Pós-modernismo, claro, é uma resposta pessoal para uma sociedade pós-moderna. No caso, uma resposta de Ikuhara que com toda sua bagagem cultural, usou e abusou da intertextualidade, metalinguagem e muita auto-reflexão com sua visão do que seria “revolucionar o mundo” e mudar o destino. Isso emana no grupo Kiga, que tem como líder, a família Takakura, de Shouma. Um culto de terroristas cujos ideais são reformar a sociedade tradicional japonesa. Até que ponto este país vai continuar negligenciando seus filhos? A “Estufa de Crianças” é um estado da mente, mas existe como um processo real, que jazz nessa negligencia da sociedade japonesa para aqueles que estão “jogando” fora das regras estabelecidas. Lembra bastante o escopo do livro Nineteen Eighty-Four, um clássico do autor inglês George Orwell, que retrata o cotidiano de um regime político totalitário e repressivo. Orwell mostra como uma sociedade oligárquica coletivista é capaz de reprimir qualquer um que se opuser a ela. Acredito que Ikuhara quer dizer que há uma sensação de paranoia e estagnação, apesar da fachada de felicidade. É bem feliz o diálogo da Himari no episódio 20, que é uma alusão à ideia de crianças morrendo esmadas pelas engrenagens do sistema.


 "Você é praticamente transparente. Eu não posso vê-lo. Eu vou compartilhar com você, as suas punições."

No segundo trailer de Penguindrum, há essa citação de Shouma, que seria uma alusão a “Estuda de Crianças”. No fórum AnimeSuki, houve uma interessante observação, de casos como o do serial killer, SeitoSakakibara, um garoto de 14 anos de idade, que matou um menino de 11 anos e uma menina de 10 anos, em 1997 – Que certamente, fazem parte da visão do Ikuhara, de pessoas que acabam partindo para atitudes extremas de violência, devido ao bullying que sofrem, a forte pressão de competitividade japonesa, ao fato de serem colocados de lado e tratados como pessoas invisíveis. Não cheguei a ler o livro, mas há trechos e relatos do autor Haruki Murakami , do livro Underground: The Tokyo Gas Attack and theJapanese Psyche (Um livro com uma visão particular de Murakami sobre o atentadocom gás sarin em 1995 no metrô de Tóquio), onde ele lamenta que jovens com tanto potencial para mudar o quadro de uma sociedade estagnada tenham que recorrer a um tipo de “estratégia de sobrevivência”.

“(...) Eu sou uma pessoa pequena e sem importância, se eu acabar em uma engrenagem no sistema da sociedade, pouco a pouco irei me desgastar até morrer – Hey! Está mesmo tudo bem? (...)” – Haruki Murakami


Kenzan Takakura simboliza bem esse lado, daquele se revolta e parte para meios hostis, onde a frente do grupo Kinga, comete um atentado ao metrô de Tóquio. Ringo Momoka, irmã de Ringo Oginome foi uma das vítimas no atentado, deixando cicatrizes incuráveis em sua família. Certamente, Oginome foi uma das que mais sofreu nesse processo, mas interessante também observar que Shouma e Kanba (e por que não dizer; Himari também), por serem filhos dos terroristas que praticaram o atentado, foram punidos pela sociedade.

"Esses dois aceitaram a sua punição. Viver é a própria punição em si" – Himari em uma conversa com Sanetoshi.




Muitos certamente devem ter ficado decepcionados com a pouca abordagem sobre o atentado com gás sarin em 1995 no metrô de Tóquio ou pela visão fantasiosa que Ikuhara dá a este acontecimento. A meu ver, a abordagem foi excelente e leva a uma reflexão bem mais profunda e dentro da perspectiva daqueles personagens, dentro da proposta da trama, que é um apanhado geral de crítica ao sistema. O comentário de Shouma, logo abaixo, transcreve bem a sensação de uma família que é desfeita abruptamente, por causa de um ato violento:

"Realmente foi um dia como qualquer outro. Tivemos café da manhã juntos na parte da manhã. Nós três fomos para a escola. Nossos pais foram trabalhar. Nos sorriu pela porta e acenou. Mas eles nunca voltaram. Essa foi à última vez estivemos juntos como uma família."

Como não dizer que essa referência metafisica, não tem um relativo peso dentro de enredo, se as engrenagens da trama começam a se mover justamente por causa desse ataque planejado pelo líder da família Takakura? Todos os núcleos de personagens, são atingidos de alguma forma pelo ocorrido, seja os irmãos Takakura que precisam lidar com o fato de serem filhos de assassinos e ficarem a margem daquela sociedade (eu não sei, mas acho que o fato da casa onde eles moram se destacar das demais residências, é uma forte metáfora sobre isso), Ringo Oginome que acredita que pode tomar o lugar da irmã dentro do seio de sua família, já destruída pela tragédia. Keiju Tabuki e Yuri Tokikago, amigos íntimos de Momoka, que buscam vingança pela sua morte no atentado. Masako Natsume que é separado do seu irmão gemeo, Kanba, ainda na infância, e acaba sumindo o posto de herdeira e líder da família Natsumi. A Catarse do evento devastador vem à tona nos últimos episódios e de uma forma deliciosamente caótica.


Masako: “Esse teatrinho de família feliz de vocês não pode durar pra sempre”
Shouma: “Nós somos uma família de verdade”

E ao falar de efeitos colaterais que a tragédia trouxe e todas as metáforas que Ikuhara lançou sobre o anime, não poderia deixar de comentar do conceito de caixas e seres humanos (algo bem abordado no impactante episódio 23). Acredito que tenha ficado bem claro, com os diálogos de Sanetoshi, as caixas são metáforas para seres humanos. Eles são a caixa, seres humanos são incapazes de sair da própria caixa, eles estão presos. No caso, é a sociedade presa a velhas convenções. Só não vale achar que aquilo tudo é real, pois não passa de uma representação, okay? Assim como as maçãs. Aliás, maçãs, pinguins, penguindrum, caixas, estufas de crianças, Sanetoshi, o trem que se fez muito presente em todo anime, mas em particular, a forma como foi representado no último episódio com os personagens embarcando, rumo ao fim do mundo (e certamente mais coisas que me fugiram aqui) são tudo representações. Nada disso pode ser interpretado literalmente. São apenas metáforas, que ilustram a ideia que Ikuhara quis passar. No fim das contas, temos vários easter eggs inseridos no contexto, mas o mais importante, certamente é compreender a mensagem que o diretor diva quis passar. Só com isso, eu já fico bastante satisfeita, afinal, os elementos delirantes se acomodam numa linguagem pictórica realista repleta de simbolismo, sei que muita coisa escapou dos meus olhos. 


Mas se as gaiolas representam o ser humano isolado em sua própria solidão, incapazes de se conectarem com os outros, afinal, o que eram as maçãs e o penguindrum?

 A maçã representa o próprio Universo. Um universo na palma da mão. É isso que conecta esse mundo ao outro mundo. E claro, a maçã é a recompensa para aqueles que escolheram o amor acima de tudo, novamente voltando ao livro que inspirou Ikuhara, "Viagem Noturna no Trem da Via Láctea". Adão e Eva compartilharam a maçã do conhecimento, que lhes deu o conhecimento, mas também lhes deu pecado. Viver é o maior castigo. Kanba escolheu se sacrificar por sua irmã, Masako, ele escolheu o amor acima de tudo e foi recompensado com uma maçã, na gaiola em que vivia. A mensagem de Ikuhara é bem clara, ao invés de ficar com a maçã só para ele, ele resolver criar compartilhar com Shouma, que por sua vez, compartilhou sua parte com Himari, que também estava sozinha. Eles criaram um vinculo, não estão mais sozinhos, com isso, puderam se libertar das gaiolas em que viviam. Agora eles são uma família. Que nos leva a questão dos círculos. Alguém ai se lembrou do filme americano, “A Corrente do Bem” (Pay It Forward)? “Faça um grande favor para três pessoas e peça para que cada uma delas faça o mesmo para mais três. E as nove pessoas devem retribuir para mais três”. Essa corrente funciona como as pirâmides através das quais as pessoas tentam ganhar dinheiro ou livros, por exemplo, só que ao invés de utilizar essa artimanha para multiplicar os ganhos materiais, a proposta do garoto encaminha-se no sentido de fazer com que as pessoas pratiquem o bem para os outros, sem esperar qualquer devolução ou retorno.


Ao dar sua parte da maçã (que recebera de Shouma) para Kanba, Himari não só reconhece a essência da rotatividade do Penguindrum, mas também os laços comuns entre os três, à razão de suas existências, eram por causa do que um fez para o outro. Assim é uma família, que compartilha seus fardos e felicidades. Isso responde bem o que o Ikuaha indagou: “O que nós definimos como uma família? É baseado em laços de sangue? Uma maçã podre estraga todo o conjunto?” (entendemos como a “maçã pobre”, o personagem Kanba). É bem interessante perceber depois de exatos 24 episódios, que a forma ambígua de Kanba agir, representa bem essa ideia, de que uma família não precisa ser perfeita e que seus membros, cometem “pecados”. Mas que não é por isso que eles devem ser exilados, pelo contrário, precisam ser apoiados pelos outros membros. Permitem-me dar uma “viajadinha” aqui na “maionese”: 

Engraçado como Himari em toda sua passividade, lembra bem o papel maternal dentro de um seio familiar, enquanto Shouma representa o lado paternal e a clássica rivalidade masculina. Normalmente, quando um filho cai em desgraça, o pai é sempre a figura extremista, enquanto a mãe olha com pesar e tenta aconselhar. 

Como Tabuki conclui: "Tudo o que precisávamos era de alguém para nos dizer que somos amados”.





Ao dar sua parte da maçã para Kanba, Himari completa o círculo, encontra a verdadeira essência do Penguindrum e o destino é alterado. Penguindrum é o circulo de reciprocidade e sentimentos compartilhados. Emocionante também foi o fato de Shouma reconhecer a Ringo Oginome como seu grande amor (aprendemos em Dawsons Creek que, almas gêmeas nem sempre é no sentido romântico em si e que nem sempre almas gêmeas estão destinadas a ficarem juntas – Sobre Shouma ser a alma gêmea de Himari), e arranca do peito seu coração/maçã e dessa vez, ao invés da Himari, se sacrifica pela stalker mais amada (e odiada) dos animes.

Kenji Miyazawa afirma que a maçã reflete a imensidão do universo fora de nós mesmos. Assim como há um mundo fora da casca da maçã, o universo não se esgota também. Com isso, Mawaru Penguindrum chega ao fim, com toda sua subjetividade incompreendida. Alteraram o destino, e todos os conflitos dos personagens foram resolvidos, num mundo onde os ursinhos de pelúcia com explosivos dentro, presentes no trem, ao invés de pretos, agora eram brancos.


Eu adoraria fazer um paralelo do episódio 24 de Mawaru Penguindrum e todo o significado sobre o “penguindrum”, com o episódio 26 (último) da série de tv de Evangelion, e seu Projeto de Instrumentação Humana. Mas um exemplo mais prático pode ser visto no clássico filme, Cidadão Kane (Citizen Kane), onde os processos de condensação e deslocamento pode ser observado na história de um magnata das comunicações no início do século XX, Charles Fortes Kane. A cena inicial mostra-o em seu leito de morte, sussurrando uma palavra: "Rosebud”. A trama do filme se desenrola com a busca do significado dessa palavra, tarefa que não é realizada. No entanto, na cena final, o espectador descobre que “Rosebud” é o nome de um trenó que pertencia a Kane em sua infância, como se vê na cena onde ele é levado de sua casa por um tutor. O trenó condensava tudo aquilo que Kane perdera, remetendo à sua infância, a companhia materna, seus casamentos, suas amizades. Como esses elementos, pela sua elevada intensidade psíquica, não podiam ser trabalhados psicologicamente em Kane, o trenó, elemento de baixa intensidade psíquica, simbolizava-os.

Mas e os pinguins? Se você esperava que tivesse algum segredo relacionado ao fato deles existirem naquele universo, certamente deve ter se decepcionado. Mas todos nós queremos algum tipo de resposta sobre o grande segredo que é a vida. Se é que há algum segredo. Mas os pinguins representam as emoções dos personagens, é como se fosse um espelho, um reflexo do interior de cada um. Cada um tem suas características próprias com base em seus mestres. Pinguim #01; De Kanba, é pervertido e está sempre olhando por baixo das saias das mulheres. Pinguim #02; De Shouma, está sempre com um spray inseticida na mão e é comum, vê-lo o sempre comendo muito. Pinguim #03; De Himari, feminina, está sempre com um lacinho na cabeça e faz companhia para sua “dona”.


Já Sanetoshi, eu diria que é a personificação do lado negro do ser humano, que procura vingança, recorrendo-se sempre aos métodos mais violentos possíveis. Ele deseja alterar o destino e o mundo pela mágica de Houdini. O mundo está no caminho errado e precisa mudar. É uma boa sacada, referir-se ao famoso ilusionista Harry Houdini, pois suas mágicas não passavam de ilusão, assim como as vidas que Sanetoshi trazia da morte, só se mantinham vivas por pouco tempo. Inclusive, Momoka chega a referir se a ele como Houdini. E a propósito, Momoka e Sanetoshi, são praticamente um Yin Yang (SIM, eu me lembrei de Lost e as manifestações do “bem” e do “mal” como forças opostas). Mas sobre Momoko muito pouco se sabe, mas triunfante, ela deixa Sanetoshi e sua imensa biblioteca da sabedoria e segue seu caminho, com os dois chapéus penguindrum em mãos. É o fim do espetáculo e a diva foi embora, deixando o resto a cargo da imaginação do público. Mas como bem lembrado por Sanetoshi, outros trens virão, e cai bem sobre a ideia de inferno de Steph King: Em “Você só pode dizer o nome daquela sensação em francês” King conta a história de um casal que passa a sofrer com lembranças de um passado que insiste em atormentá-los. Quando menos esperam, algo estranho e igualmente bizarro acontece; O casal se vê preso em um “loop” temporal. Em suas considerações sobre o conto King relembra mais uma vez sua visão sobre o inferno onde “O inferno é repetição”.


Pra encerrar, volto ao fator estético visual do anime de Penguindrum. Para quem assistiu Utena, com certeza se sentiu muito familiarizado com diversos elementos empregados na estrutura narrativa audiovisual. Os personagens que compões cenário e normalmente não possuem importância para o enredo, são sempre representados por figuras que remetem a sinais de metro. Eu já imaginava que fosse uma referência a técnica teatral de “Kuroko”, pois em Utena se usa esse elemento em cena – Mas também há uma referência ao fato no blog Reverse Thieves. Esse é um elemento muito usado no teatro mundial, com atores se misturando ao cenário, seja na cor preta ou branca. Alias, falando em teatro, se Utena esbanjou sobre a temática de Takarazuka, Penguindrum também teve seu momento, com a personagem Yui, no teatro musical Takarazuka Revue.

Acabei deixando muita coisa de fora, muitas especulações, que fica mais divertido de teorizar informalmente e que se constitui em algo que possibilita diferente interpretações. E foi uma série pouco prática e feita pra se degustar e não engolir de uma vez, mas quem disse que só séries despretensiosas podem ser divertidas? Fetiches sexuais, poses provocantes, sombras e paisagens oníricas, tramas metafísicas, romances proibidos, stalker depressiva, uma grande montagem teatral, enfim, Penguindrum foi um anime completo e Ikuhara com seu modo particular de criar histórias fantásticas, nos brindou com mais uma série que, tem todos os elementos pra se tornar atemporal, tal qual foi sua antecessora, Shoujo Kakumei Utena. Vamos revolucionar o mundo? 

Direção: Kunihiko Ikuhara
Roteiro: Kunihiko Ikuhara/ Takayo Ikami
Estúdio: Brain's Base
Tipo: Tv
Episódios: 24