quinta-feira, 6 de setembro de 2012

A Lenda de Korra: Escolhas Mal Feitas (1ª Temporada)


Entre muitas pretensões, Korra esbarra no conservadorismo, lições moralistas no final e uma guerra civil em segundo plano.

A Lenda de Korra (The Legend of Korra) é uma sequela de Avatar: A Lenda de Aang (Avatar: The Last Airbender) e se passa no mesmo universo ficcional. Um mundo dividido em cinco nações: Água, as Tribos Nômades do Ar, o Reino da Terra, a Nação do Fogo e da recém-formada República Unida das Nações. A série nos traz alguns seres humanos capazes de manipular elementos associados com suas nações (água, terra, fogo ou ar), estes são chamados de dobradores. A Lenda de Korra se foca na extrovertida e inquieta Korra (17 anos), recém-chegada na cidade de Republic City e no conflito politico entre dobradores e não dobradores.

Eu tive alguns probleminhas com Korra. Todos problemas técnicos, claro, que acabou fazendo eu perder o ritmo e só assistir ao seus episódios finais um bom tempo depois. E Korra é aquele tipo de série boa pra se assistir vários episódios de uma só vez, com sequências de tirar o fôlego, embates bem coreografados (entre artes marciais chinesas tradicionais), e mesmo que haja bastante tensão, conflitos políticos e mais a frente uma Republic City tomada por uma estética noir, a dupla de direção formada por Joaquim dos Santos (hahaha o nome é latino americano, mas não se enganem) e o experiente coreano Ki Hyun Ryu, conseguem fazer um bom jogo entre uma ação alucinante pela cidade e o crescente suspense em torno de Amon. A diversão é garantida.


Agora, sem a “censura” da classificação etária de Aang, os produtores e roteiristas Michael Dante, DiMartino e Bryan Konietzko, tiveram a possibilidade de explorar um pouco mais os seus limites nesta nova série, que ao menos teoricamente, tem um público alvo mais crescido. Claro, ganha se um pouco mais de liberdade, mas perde-se muito das sutilezas que talvez fosse um dos grandes atrativos de Aang. Avatar é uma franquia ambiciosa, com um amalgama de influências, das HQ’s, a estética em anime. Os americanos em mais de duas décadas deram ao mundo diversas comédias adultas animadas [a maioria, emulando a batida formula do sitcom], mas pouquíssimas vezes conseguiu emplacar ficção cientifica/fantasia/dramas em animação, da mesma forma que seu “rival” japonês, que deu ao mundo algumas pérolas cultuadas no ocidente por crítica e massa, como Cowboy Bebop, Evangelion e Ghost in the Shell. O horário nobre americano bem que tentou, trouxe Invasion America (1998), Aeon Flux (1991-1995), Spicy City (1997), entre outros exemplos até interessantes, mas nenhum se tornou um fenômeno referencial. 

Mas obteve grande sucesso em animações destinadas ao público infanto-juvenil, por sua boa gama de complexidade narrativa, audiovisual menos caricato e mais obscuro, ao ponto de conquistar também adultos com algo mais ousado. Dungeons & Dragons/Caverna do Dragão (1983-1985) não obteve sucesso em sua exibição original nos EUA, ao contrário da boa repercussão que teve aqui no Brasil, por lá a série foi controversa e polêmica, com ameaças de roteiros engavetados devido ao nível de violência em algo destinado ao público infantil. Foi um bom pontapé inicial até então para algo genuinamente americano, que voltaria a investir nessa narrativa com um toque mais maduro em Batman: The Animated Series (1992-1995) e X-Men: Animated Series, com grande sucesso. Tudo que veio a seguir foi seguindo essa tendência, nem sempre com o mesmo brilhantismo, claro. Avatar: A Lenda de Aang (2005-2008) e Wolverine e os X-Men (2008), são bons frutos dessa safra de animações que conseguiram atingir um público maior, mesmo com as restrições etárias, com o último inclusive, mesmo com as boas críticas, sendo totalmente ofuscado por Aang.


O sucesso de Aang foi/é incrível, mas é com Korra que enfim, nas palavras dos próprios idealizadores, conseguem ter sua quebra de convenções, com sua heroína do sexo feminino e de forte personalidade, e uma ambientação totalmente distinta da anterior. A trama agora se passa 70 anos após os eventos anteriores, de uma data equivalente à década de 1850, a 1920, a tecnologia evoluiu tão rapidamente que é impossível não arquear ceticamente uma sobrancelha ao visualizarmos Republic City e seu salto tecnológico de algo pseudo medieval, a uma avançada cidade com elementos de cultura steampunk fundidos com arquitetura asiática. Todo o visual se mostra planejado de forma meticulosa e se mostra muito charmoso, ainda que falte um toque mais refinado que só um cenário completamente 2D pode proporcionar, ainda assim encanta pela estrutura. E tem todo o aspecto em que a personalidade de Korra, a cidade, e os conflitos, se misturam. A Korra é impulsiva, dura, forte, possui maior afinidade com o físico, o que combina com uma cidade tecnológica, claustrofóbica, diferente de Aang, mais espiritual e em contato direto com a natureza e suas sutilezas.  

Este que seria o grande desafio, afinal, Aang tinha a seu favor o fator da descoberta, a emoção de a cada jornada descobrir novas maravilhas ao explorar aquele mundo vasto de fantasia, e em Korra, a história fica presa a um ponto fixo, as possibilidades diminuem e exige-se dos autores certa desenvoltura e criatividade. E eles conseguem, até certo ponto, pois a estrutura não comportou o tamanho da história a ser contada.

A Lenda de Korra carrega diversas referências da série anterior, como não poderia deixar de ser, mas se desenvolve de forma independente com bastante desenvoltura, sendo autossuficiente como um universo, ao mesmo tempo em que carrega consigo a herança de Aang. Como comentado por Konietzko, um dos roteiristas, a guerra dos 100 anos teve um fim, mas ainda sobraram os conflitos, afinal, uma guerra mesmo após seu termino, ainda continua ecoando pela sociedade por um bom tempo. E Korra é bastante feliz ao retratar esse conflito político entre dobradores e não-dobradores, como resultado de uma herança maldita.


Korra nasceu com tudo na mão, com um talento nato, não é a sua heroína trágica tradicional, já dominando 3 elementos naturais, vem a Republic City para treinar suas habilidades e tentar alcançar o elemento com que menos tem afinidade, no caso, o ar, que só conseguiria dominar caso se conectasse com seu lado espiritual. Fundir diversas sub-tramas que acabam se relacionando e ir trabalhando progressivamente uma obscura trama ao fundo foi bem conveniente, divertido, muito divertido, mas sem o ritmo ideal para tornar parte daqueles conflitos algo efetivo.

A Lenda de Korra é seu típico shounen de saias, um pouco mais ambicioso. Korra passa pelo processo de treinamento, novas descobertas, amizades, paixões, e aventuras.  A inserção do "Pro Bending" que se baseia na "dobra como um esporte", inspirado nos torneios Mixed Martial Arts (MMA), se revela uma grata surpresa dentro da série, com embates realmente empolgantes, bem animados e com um sabor visual bem distinto. A interação entre Korra, Mako e Bolin se fortalece, e com a entrada de mais uma personagem, Asami, o TeamKorra se mostra umas das melhores jogadas dentro da série, mas o conflito romântico acaba sendo equivocado, superficial e afoito, com uma direção totalmente equivocada.


Além de Korra acabar sendo subdesenvolvida e sufocada num triangulo amoroso sem inspiração (por quê a mulher tem que ter sempre um garotão do lado? Ela não pode brilhar sozinha e ser auto-suficiente? Quiseram fazer heroína forte independente, mas ficaram presos a velhos conceitos das HQ's), o lado visual que era um grande charme da série acaba desaparecendo já na sua metade. Faltou criatividade para compor os planos de fundos de uma cidade envolvida em meio a uma guerra civil, há uma clara tentativa ao mostra-la deserta, feia e esfumaçada, em evocar um feeling noir e de tensão social, mas é apenas genérico e sem graça, com um amontoado de CG sem vida. Neste ponto, a principal diferença entre um Batman: The Animated Series com seu cenário gótico e Korra, acaba sendo a mão de obra – Enquanto o primeiro conta com uma boa staff japonesa na co-produção, o segundo tem o apenas competente coreano Studio Mir. Em tempos atuais, tanto os americanos, quanto os japoneses, recorrem à mão de obra barata da Coréia, contando inclusive com o incentivo dos estúdios japoneses, onde em meio à crise e produção em massa, terceirizar acaba sendo um bom negocio. Porém, os mesmos resistem em repassar aos vizinhos à técnica que adquiriram. Porém este não é o ponto aqui, o fato é que Korra peca nos planos escuros e confunde uma cidade acuada, com uma maquete em inspiração.

As tramas são resolvidas rapidamente ou apenas ignoradas, o tempo é curto e a revolução de Amon se mostrava iminente. A tensão é consistente e sólida como um todo, mas o duelo de Korra com Amon não mostra a mesma urgência. Os diálogos trazem a tona medo, questionamentos, mas além de seu receio em perder suas habilidades de flexão para Amon, não se vê um drama genuíno no que impulsiona Korra como Avatar, a pará-lo, e nem mesmo sua imaturidade consegue legitimar isso uma vez que faltou um desenvolvimento maior para a personagem. Tanto que os sonhos com Aang parecem algo meio imposto a certa altura. Os riscos aumentam, a ação é emocionante e pulsante, sim, mas nunca nos conectamos com Korra e como resultado, temos um final amargo e anticlimático, embora recheado de boas ideais e um Amon interessantíssimo e totalmente plausível como personagem. Aliás, irônico o principal vilão, ter conseguido impactar mais com seu conflito pessoal repleto de clichês, do que a heroína carismática.


O argumento de Amon é legitimo e trás um ponto de vista válido com relação aos benders. Não é novo, já vimos isso em diversas HQ’s [de Uncanny X-Men a V for Vendetta] históricas, mas ainda assim é um conflito que convence, apesar de um tanto ofuscado pelo anticlímax final. A cereja do bolo para a personagem Korra acaba sendo o pobríssimo Deus Ex-Machina ao final. Não por ele em si, mas pela forma como foi tratado. Eu já estava aqui totalmente agoniada, imaginando mil coisas, em como Korra iria superar tudo aquilo e claro já devidamente preparada para um cliffhanger poderoso, cruel e instigante, mas aí passaram a borracha em tudo e deslegitimaram o que vemos antes. Logicamente, fiquei incrédula e logo depois desapontada com os produtores de Korra jogando tão no seguro, quando a proposta era o inverso., quando eles tinham uma carta na mão, que os possibilitavam ir além (no caso, o aval para mais temporadas).

Os elementos que compõe o Deus Ex-Machina são válidos, sabemos que o problema da Korra sempre foi sua dificuldade em se conectar com o lado espiritual, e todo o desfecho, além de propícia, já vinha sendo trabalhado (não bem trabalhado, mas vinha), precisando apenas de um empurrãozinho... que veio. Os conflitos provenientes da Dobra de Sangue, também são coerentes, assim como sua resolução (neste ponto, é importante estar a par sobre o universo avatar, dobras e flexões para compreender por completo o Deus Ex). Tanto num caso, quanto no outro, o problema é a execução. Afobada, descaradamente conveniente e na tentativa de criar uma catarse, o resultado acaba sendo o empobrecimento da narrativa, que tinha um grande potencial em ser desencadeada de forma mais soberba em suas sutilezas.

O episódio final é cereja do bolo que coroa uma direção e roteiro equivocado e que acaba sim, tirando um pouquinho do brilho de Korra – Que tem em sua personagem título, o contraste com a grata surpresa que foi a Asami, que se tornou ao lado de Bolin, dois dos personagens mais interessantes da história. Seu drama envolvendo o seu pai, é coroado por um clímax sensacional e uma das melhores sequências em toda a série. É sutil e complexo, na medida. A Lenda de Korra impressiona em suas ótimas sacadas, uma “ação” alucinante, mas acaba sendo brusca demais e pecando ao querer dar um passo maior que suas pernas. É feito de momentos sensacionais como os de Amon no episódio 12, o conflito entre Asami e seu pai, ou embate entre os filhos de Tenzin, junto a Lin Beifong contra invasores [aquilo foi incrivelmente divertido], ou mesmo na emocionante cena onde a mesma Lin Beifong perde suas dobras – Também vale frisar o ótimo trabalho com a trilha sonora. Sequências incríveis, de sacrifícios e esforços, que não são devidamente valorizados na sequência final, uma pretensão de querer quebrar convenções, mas no fim das contas regredir e ser incoerente. O desinspirado Korra VS Amon (que contou com a ajuda nada bem vinda de Mako) apenas reflete bem o espirito da série: algo que prometia, mas não foi. 


Nota: 07/10
Direção: Joaquim Dos Santos, Ki Hyun Ryu
Roteiro: Michael Dante, DiMartino, Bryan Konietzko
Estúdio: Studio Mir
Produção: Nickelodeon Animation Studios
Ano: 2012
Episódios: 12
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[se fode aí Makorra $#@7&8!X%]