sábado, 9 de maio de 2015

O Conto da Princesa Kaguya (2014)

Saudações do Crítico Nippon!

Continuando as críticas sobre indicados ao Oscar, que começou com Tatsumi, hoje abordo o indicado japonês a Melhor Animação de 2015. E é óbvio que perdeu porque existem inúmeras premiações no mundo para se levar a sério, mas o Oscar jamais foi uma delas. Aliás, essa premiação estadunidense é como qualquer cerimônia da Rede Globo, servindo apenas para louvar uns aos outros e masturbar a nata de Hollywood. Dito isso, O Conto da Princesa Kaguya certamente é a melhor animação do ano passado, sem sombra de dúvida.



Escrito e dirigido por Isao Takahata baseado em um conto, o mesmo responsável pelo devastador Túmulo dos Vagalumes, conta uma história simples. Um cortador de bambu encontra uma princesa recém-nascida no bambuzal e a leva para casa, adotando-a. Ele e sua esposa começam a perceber que a pequena cresce em uma velocidade anormal, mais rápida. Assim, passam a viver uma vida pacata e rural. Um dia, o pai encontra ouro e roupas saindo do mesmo bambuzal, e decidi que os Céus querem que ele crie a princesa com luxo e conforto. Assim, se mudam para uma grande mansão na cidade, em que a princesa Kaguya começa a receber aulas de etiqueta para se portar como da realeza.

A primeira coisa que chama atenção é justamente a técnica de animação que será utilizada. Bastante diferente do convencional, ela é absolutamente perfeita para a proposta de “lenda” que o filme quer passar. Sempre dando a narrativa um tom fabulesco, quase como um sonho. Embora não seja menos apurada e incrivelmente rica em seus detalhes. A movimentação e cuidado nos gestos de qualquer personagem tem o preciosismo que só o Studio Ghibli poderia oferecer. Exemplos como quando o casal disputa a princesa para pegá-la no colo; ou quando a bebê fica brincando sozinha; quando Sutemaru dá rápidas puxadinhas em uma videira antes de escalar por ela; e também no cuidado quase imperceptível de Lady Sagami arrumando a ponta do vestido da aprendiz enquanto ela reverencia Lorde Akita.


E algo fundamental para que funcione mais que uma história de “a pobre menina rica”, é justamente a calma do roteiro em nos apresentar àquele universo humilde e encantador aos olhos de Kaguya e seus amigos. Algo que, se fosse feito no Cinema ocidental, seria tão abrupto e forçado para reduzir em meia hora o filme. Provavelmente, no ocidente, o pai de Kaguya seria cruel e impiedoso; a pequena teria um romance desde cedo; e a única coisa que representaria saudades seria a perda dos amigos; e Lady Sagami seria uma sadomasoquista das boas maneiras para que o drama ocorresse imediatamente. Mas divago.

O Conto da Princesa Kaguya não é assim. Investe tempo para conhecermos a rotina daquele povo rural, nos brindando com sequências hipnotizantes do trabalho artesanal deles. E a maneira gradual com que cresce a amizade entre as crianças é extremamente orgânica, e seus passeios em comunhão com a natureza nos fazem amar aquele universo, os animais, as plantas, os rios, os pequenos furtos, as pequenas conquistas de caçar um pássaro em grupo. Genuinamente amamos aquele lugar como um todo.

















Assim, ao chegarmos na mansão, tudo acontece de forma igualmente gradual e coerente. Tanto que a primeira reação de Kaguya não é recusar aquele mundo e imediatamente se considerar infeliz longe do mato. Não, pelo contrário, se mostra maravilhada e brinca bastante no decorrer de suas aulas de etiqueta. E Lady Sagami, apesar de rígida e comprometida com seu trabalho, jamais soa como um estereótipo de Cruela Devil, embora pudesse ter ocorrido facilmente. O filme acerta também nos modos do Cortador de Bambu, o pai da princesa. E é fundamental percebermos que ele pensa realmente estar fazendo o melhor para a filha, e que acredita genuinamente ter recebido uma missão divina. Assim, jamais conseguimos realmente sentir muita raiva ou desgosto dele.


Contudo, o mais fascinante do filme certamente é o cuidado dos realizadores com as cores. Assim, Kaguya surge pela primeira vez totalmente envolta de branco, representando sua pureza e inocência. Deste modo, sempre que a vermos na casinha de madeira com jardim, no canto de sua mansão, remetendo a sua vida passada e simples, ela estará em trajes brancos. 


Em contrapartida, tudo que restringe e oprime a individualidade da princesa é representado nas cores verde e vermelho. Como podemos notar na imensa jaula que sua mansão se torna, com verdadeiras ‘grades’ de pano nessas cores. Assim, todos os seus pretendentes, que representam uma prisão à Kaguya, possuem algum detalhe nessas duas cores: seja o colar de um, o pacote de presente do outro, passando pela armadura de outro, a fita saindo do cinto de Vossa Majestade. Aliás, mais tarde, quando este último personagem abraça a princesa contra sua vontade, a textura de seu traje é no mesmo formato de ‘grades’ verdes que a mansão.












Até mesmo o pássaro que ela ganha está dentro de uma gaiola nessas cores, em uma metáfora óbvia de seu estado emocional. Também representado através da carruagem que leva Kaguya para passear, mas sem jamais deixá-la sair, atuando simplesmente como um cárcere com rodas. É simplesmente brilhante a lógica construída através dessas cores.


Com um final que condiz com a história cada vez mais sombria que estava se desenvolvendo, trás momentos que flertam com a metalinguagem. Isto, claro, no sonho de Kaguya voando com Sutemaru, algo que nunca aconteceu, mas que nos enche de alegria na hora, apesar de estarmos apenas sendo enganados. Talvez decepcione alguns, mas no fim, não estamos sendo enganados desde o início, com uma história e personagens obviamente fantasiosos e fundamentalmente falsos? Porém, é justamente pra isso que acompanhamos qualquer tipo de história: o prazer está em sermos enganados.

(Para mais dos meus textos, é só ir no menu 'Crítico Nippon'.)
Twitter: @PedroSEkman 

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