Ao ser convidada para um concurso de histórias de terror
realizado no castelo de Lord Byron, a inglesa Mary Shelley não imaginava que
estava prestes a dar vida a uma das histórias mais fantásticas da ficção. No inicio, se tratava apenas de um pequeno
conto sobre um jovem estudante suíço que ambicionava desafiar as leis criadas por
Deus, tentando descobrir o segredo da imortalidade. Ao injetar vida a um corpo
morto, a história do dr. Victor Frankenstein além de encantar e inspirar gerações,
passou a ser considerada a primeira obra de ficção científica, gênero literário
que se volta para o mundo da ciência, escrita em 1818. Também se tornou um
marco em relação ao gênero gótico de romances, que marcou a segunda metade do
século XVIII na Inglaterra. Essas histórias são sempre ambientadas em ruínas de
castelos, lugares exóticos, povoado por personagens aristocráticos e
depravados, que ao fim da história recebem um terrível castigo, seja da forma
que for.
Lendo alguma das obras de Suheiro Maruo, dá pra perceber essa influência, mas como contestador que era; indo radicalmente contra preceitos divinos, é comum que em suas histórias que a figura maniqueísta do “mal” sempre predomine como se dissesse: “Deus não existe e você será castigado por ser tão bonzinho, ÓTARIO”. Voltando ao assunto em questão, embora a cultura popular tenha associado o nome Frankenstein à criatura, esta não é nomeada por Mary Shelley dessa forma. Ela é referida como “criatura”, “monstro”, “demônio”, “desgraçado” por seu criador. Porém, após o lançamento do filme Frankenstein em 1933 o público passou a chamar a criatura, da forma ao qual acabou ficando conhecida no imaginário popular; Frankenstein. Esse nome foi adotado oficialmente mais tarde em outros filmes, com o argumento de que o monstro é de certa forma, um “filho” de Victor, portanto pode ser chamado pelo mesmo sobrenome. O que acaba sendo bem irônico, já que Frankenstein sempre foi sinônimo de terror e monstruosidade. Assim, Mary Shelly, filosofa e adere à ambiguidade, invertendo os polos e deixando sutilmente uma pergunta para toda a plateia que assiste: Quem é o verdadeiro monstro? Há algum monstro aqui?
Das obras de Junji Ito, essa é sem dúvidas a que mais se
distância de seu estilo usual. Não é o que os fãs de Ito gostam e estão
acostumados a ver, porém todos são unânimes que essa adaptação realmente ficou
excelente. Nesta adaptação para manga, Junji Ito mantém-se fiel ao espírito do
romance Mary Shelley, fazendo apenas as adaptações necessárias, como condensar
toda a história original e simplificar alguns eventos para que o fluxo da
história não perca o ritmo na banda desenhada. Aqui ele está mais verborrágico,
como não poderia ser diferente, se tratando de uma adaptação de uma obra tão
densa. Também está mais expositivo, porém o seu tom visceral que lhe é tão característico
continua presente. Pra quem leu Uzumaki e Gyo, deve estranhar o fato dele estar
bem contido em Frankenstein, o que é justificado no fato desta adaptação se
mostrar bem ambiciosa. Obviamente, Ito deve ter sentido o peso da
responsabilidade, uma vez que se percebe claramente uma influência da obra em
seu estilo narrativo usual. A parte final acaba se destoando da obra original,
mas também é o ápice, a cereja do bolo, depois de um ritmo excelente ao longo
da história, chegar ao clímax de uma forma impactante. Ai sim, algo que é
realmente a cara de Junji Ito. Afinal, Frankenstein, é trágico, como qualquer
uma das obras de Ito.
A eterna obra de Mary Shelley sobre o hubris da ciência sem
ética, mais do que um conto de terror, é uma peça sobre as consequências da
busca insaciável pelo conhecimento, sendo a história muito mais significativa
que a figura icónica do monstro. Frankenstein não apenas influenciou como
também seria o responsável décadas mais tarde para o renascimento do chamado
terror gótico no final dos anos 1950, ainda que o gênero do horror em si sempre
foi atraído por diversas direções. Criaturas malignas e monstros sempre foram
elementos comuns de se encontrar em obras do gênero, então a diferença mais
marcante no Frankenstein, sem dúvidas foi à inversão de enfoque, priorizando o
cientista e deixando a criatura em segundo plano (Shiki é um bom exemplo do que temos dentro dos animes de terror, onde
há também uma inversão de foco). Com isso os monstros deram lugar a
indivíduos neuróticos e torturados, vagando melancólicos e amargurados por
mansões lúgubres que guardavam aterrorizantes segredos. O horror fica menos palpável
e previsível, rejeitando
em parte o maniqueísmo presente na maioria dos filmes de horror, onde bem e o
mal já não eram mais tão distintos assim, ainda que caminhem para a redenção ou
purgação.
Victor Frankenstein, um jovem universitário, desafiou a
ética coletando ossos dos necrotérios, profanando o corpo dos mortos e as leis
da natureza, ao dar vida ao que ele próprio, depois de horrorizado por seu
intento, denominou como Monstro. O criador então foge da criatura, que se vê
obrigada a vagar sem destino e cometer atrocidades em nome da indiferença com
que é tratado. Como ele próprio diz, ele descobriu o segredo da vida e fez uma
criatura detentora de sentimentos, que lhe exigiu uma companheira para que
pudesse não mais ser solitário. Mas Frankenstein é uma história trágica e é
claro, as coisas sempre vão ir pelo pior caminho possível. Sem dúvidas, uma das
melhores adaptações que Frankenstein já teve. A arte de Junji Ito está belíssima
como já lhe é peculiar, mas em nível completamente diferente. Tá mais sujo,
mais obscuro, mais clássico. Não é brutal, nem tão pouco aterrorizante (nem o original se propôs a ser), mas é
contemplativo e desolador. Frankenstein se mantém vivo, não por causa do
monstro, mas por mostrar as nuances do ser humano e causar identificação ao
leitor.
Autor: Junji Ito
Volumes: 01
Ano: 1987
Demografia: Josei
Gênero: Drama, Horror, Sci-Fi, Sobrenatural,
Revista: Hontou ni Atta Kowai Hanashi
Editora: Asahi Shimbun
Coleção: Itou Junji Kyoufu Manga Collection (16 volumes)