sábado, 22 de setembro de 2012

Influências: Evangelion e sua Dualidade entre Música e Imagem


O que torna uma cena animada emblemática? A sequência de ação ou a trilha sonora? Não há uma resposta exata para a questão.

Já cheguei a comentar no twitter, e agora estou comentando aqui, que um dos meus passatempos é ficar revendo cenas marcantes de alguns animes, e Evangelion é aquele que consegue me prender em torno de um vídeo de 10 minutos – e ainda me fazer arrepiar e prender a respiração – de puro êxtase de uma trilha sonora intensa, em meio a sequências fascinantes/arrepiantes e emoções fortes.  E as composições e rearranjos de Shiro Sagisu são o elemento que potencializa aquelas imagens que estamos vendo. Muitas das ideias que o Hideaki Anno quis passar ali só foram possíveis devido à trilha sonora que revelam mais sobre o personagem do que a cena em que ele está envolvido.

E em EVA, é a trilha sonora que dá o tom, muito pela subjetividade do roteiro. Quero comentar rapidamente sobre duas sequências em especial do filme Evangelion: 2.0 You Can (Not) Advance. São dois exemplos parecidos que se distinguem entre si.

Aparentemente o instrumental abaixo é uma referência ao filme The Man Who Stole The Sun (1979), um premiado clássico japonês que conta a história de um professor que decide construir uma bomba nuclear. Durante as preparações para roubar plutônio de uma usina próxima, ele acaba envolvido no sequestro de um ônibus escolar. A moral é que ele salva os estudantes e vira um herói nacional.




Agora, seu objetivo é na verdade chantagear a policia a transmitir um jogo de baseball na tv sem interrupções comerciais. Em seguida, com o sucesso da operação anterior, ele traça um novo objetivo, agora ele quer que o governo permita que os Rolling Stones, que foram impedidos de entrar no país por problemas de drogas, sejam liberados para fazer o show. O longa obviamente traz em seu subtexto uma crítica através de uma sátira recheada de elementos pós-guerra e terrorismo, com cenas emblemáticas como mostrar passo a passo e minuciosamente como construir uma bomba atômica, ou na cena em que o personagem fantasia jogar plutônio na piscina, matando crianças e mulheres. Há a sugestão que a maioria da população perdeu o sentido da realidade e vive num estado letárgico e alienado. O protagonista é um professor insatisfeito, mas não é retratado como um vilão, mas alguém que quer fugir da realidade. Com ele sendo um herói nacional, há uma narrativa repleta de cinismo onde a bomba atômica (o professor) é vista como símbolo da paz contra o reinado do terror.



No vídeo de EVA, vemos essa mesma canção ingênua ao fundo, enquanto Tóquio está despertando depois de inúmeras batalhas violentas e devastadoras, com tudo aparentemente bem, o metrô levando as pessoas que seguem para sua rotina diária como se nada tivesse acontecido, sob uma mascara de aparente tranquilidade, onde os nossos heróis se misturam aos outros estudantes e seguem sua rotina normal e apática. Olhando o vídeo de EVA, nem se parece com uma cidade que serve de palco entre uma guerra sem fim envolvendo Anjos e Robôs. No filme, a música marca o momento em que o professor se revolta após o sequestro e começa a maquinar seu plano, expondo a fragilidade da segurança japonesa.

Agora, este vídeo abaixo, é também de Evangelion: 2.0 You Can (Not) Advance, filme que conseguiu me surpreender até mais do que The End of Evangelion (mas, ainda prefiro este), mas não vou comentar sobre o filme aqui, e sim sobre a eclética canção que dá tom ao clímax do filme; Tsubasa wo Kudasai (Por favor, me dê asas). Certeza que eu não fui a única a ser pega completamente de surpresa com a escolha da trilha sonora. Embora, durante o filme também teve a execução de outra canção infantil – Kyo no Hi Wa Sayonara (Hoje é o Dia de Adeus) –, por ser executada durante uma sequência emblemática, Tsubasa wo Kudasai se torna bem atípica.



Já cheguei a comentar isso aqui com alguns de vocês de forma marginal, mas, assim como a maioria, penso que a canção funcionou muito bem no contexto da cena. Acredito que a ideia não era causar tensão, fazer o sangue correr nas veias (e se o FDP do Anno quisesse, ele conseguiria, bastando incluir outra BGM), é diferente de outros momentos, como por exemplo, em Death And Rebirth com Asuka DEOSA Sohryu mostrando do que uma unidade EVA é capaz (!!!). Quem não se arrepiou ali? A explosão de fúria dela e toda aquela dor interna evidenciada pelo lamento de sua unidade me faz pular, faltando só gritar. Ou sentiu raiva e o sangue pulsar na sequência, em End of Evangelion? Acho que todos ali sentiram muito ódio pelo Shinji.



Aqui, já penso que a intenção era ser contemplativo. E conseguiram, pois fiquei fascinada. A canção é sobre a liberdade; “Se o meu desejo pode se tornar verdade hoje/Então eu desejo ter asas/Por favor, dai-me asas brancas á minhas costas/Assim eu posso ser igual um pássaro/Eu não estava preparado para voar com minhas asas por esse vasto céu/Quero bater minhas asas por este céu livre e repleto de felicidade” e salvação. É perceptível uma ligação direta com a letra de abertura da série clássica, que invoca Shinji a ganhar asas e conquistar o céu, e a cena toda tem um paralelo fantástico com The end of Evangelion, quando o desgraçado do Shinji foi incapaz de ir ao encontro de Asuka.

Toda essa vontade é como se ele não quisesse repetir um erro, mas não apenas isso, era Shinji tentando se libertar do seu casulo, o escapismo, deixando de lado todos os conflitos que possui com seu pai, rompendo com tudo isso e ganhando asas. Também grita em ironia com a já clássica cena em que Rei/Yui rompe com Gendou. Essa verão da música, é cantada pela própria Megumi Hayashibara, dubladora da Rei, e como sempre, Evangelion terminando e deixando aquela pulguinha atrás da orelha.

Tsubasa wo Kudasai é uma clássica canção que tem um significado maior, claro, para os japoneses do que para nós ocidentais. Trata-se de uma canção composta em 1971, tornando se parte do currículo de música na escola japonesa e sendo regravada diversas e diversas vezes. É uma música que ainda meche com psique japonesa, que se divide entre aqueles que já a cantaram, e aqueles que simplesmente já escutaram e a respeitam. Pode não fazer muito sentido para nós, mas é importante lembrar o quanto eles valorizam velhas tradições, mesmo no período de diluição atual. Há teorias borbulhando por aí de que, com aquelas notas de violino irregulares ao final da regravação, o coro de crianças, todos sintonizados em pluralidade (bem típico do espirito de comunidade daquele país, e tá aí o seu sentido para eles), com toda a nação cantando junto, teria ligação com a instrumentalidade. Mas, isso apenas o Anno sabe. Só sei que pelo preview do novo longa, o bicho vai pegar.

Finalizando, é uma canção que fala sobre liberdade, que anda de mãos dada com a salvação. Ao mesmo tempo em que aquela infantilidade e inocência contrastam com o horror e brutalidade das cenas, revela muito do espirito de Shinji naquele momento em uma sincronia perfeita entre sentido e ação [A música e as imagens]. Anno não poderia ter feito uma escolha melhor, e os rearranjos de Shiro Sagisu é incrível [ele inclusive foi premiado pela trilha sonora deste fime]. Essa complexidade é maravilhosa, e é a cara de EVA, afinal, é muito mais do que uma série de ação.

Em comum entre essas duas BGM's que comentei? Ambas são agridoces, mas enquanto uma abre revelando um estado da apatia, a outra fecha o filme com um canto de esperança. 



Ps.: The Man Who Stole The Sun não é um filme perfeito, mas feito de forma ambiciosa e tecnicamente bm produzido, com uma produção sensacional e atuações criveis. Merece a alcunha de clássico e situar nas listas especializadas dos filmes japoneses imperdíveis.  



Obs.: Uma curiosidade irrelevante, mas que faço questão de comentar, é que Tsubasa wo Kudasai [que é figurinha fácil em diversos animes e mangás], também serviu como tema de um importantíssimo capítulo do vibrante e emocionante volume 10 de Oyasumi PunPun. A canção é título de um dos capítulos, onde toda a turma da classe canta a música e aquilo acabou se tornando marcante. Não dá pra comentar sem soltar spoilers, e seria pura maldade de minha parte. Contando, se você ainda não conhece esse mangá genial, o Ninta-Kun está traduzindo ele em seu scanlator, e a qualidade é ótima. Fica a dica.