segunda-feira, 8 de abril de 2013

Comentários: Suisei no Gargantia – Butcher, Cthulhu, Mechas e Psicodelia


Um episódio que me deixou de boca aberta.

 Que visual. Que mundo fantástico. Conceitos Sci-Fi interessantes. 

Tá, não teve o mesmo impacto que Shingeki no Kyojin ressoou em mim. Mas de alguma forma essa premissa parecia tão vazia e não havia uma base sólida para se apoiar em qualquer argumento além de “é o novo anime do Urobuchi”, que devo dizer que terminei o episódio com a sensação de que fui surpreendida. E... Empolgada pelo que pode vir a seguir.

Sendo este apenas o terceiro projeto (os outros são o esquecido Blassreiter de 2008, o popular Madoka Mágica de 2011, e o polarizado Psycho-Pass de 2012) desenvolvido por Urobuchi exclusivamente para a Tv, como argumentista ou apenas compositor de cenário e enredo para estas mídias (a bem da verdade, todas essas três séries que ele escreveu, o argumento partiu diretamente de seus diretores, com ele criando todo o cenário e o escrevendo), parece que ele ainda tem muitas ideias para mostrar. Dessa vez é um anime mecha, uma temática com o qual ele já trabalhou diversas vezes antes. Demonbane (que, aliás, também teve uma adaptação para anime, e assim como tudo que fora adaptado de suas visual novels para tv antes de Madoka, está no puro ostracismo) e Zoku Satsuriku no Django talvez sejam suas séries que mais se aproxima do conceito de Suisei no Gargantia, por causa dos elementos explícitos dos Mitos de Cthulhu e a ameaça vindo do espaço.


Os primeiros 11 minutos do anime já são blo cartão de visitas, com todas aquelas formas abstratas de organismos vivos e caracóis mutantes. Para o meu pesar, a volta destes elementos só deve acontecer quando o anime chegar próximo ao seu momento crítico, marcando uma possível ruptura de status quo alcançado por Red. Isso me lembra o enredo de ‘The Vision of Escaflowne’, um “clássico” do estúdio  Sunrise esquecido nas sombras de Evangelion (alguns dizem que só se deu mal por ter surgido depois de Eva, sendo eclipsado por ele devido às comparações, mais no sentido de rivalidade do que de conteúdo. São duas obras distintas). Na época este conceito de personagem X vai parar em uma realidade alternativa [ou qualquer besteira similar] e neste lugar ele irá amadurecer e aprender o valor da vida, assim como também se tornando uma peça chave para a sobrevivência daquele mundo frente alguma ameaça, era um clichê constantemente em pauta. Acredito que Gargantia irá seguir o mesmo modelo de coming of age (quando um personagem cresce dentro do enredo, amadurecendo à medida que a trama progride) de Escaflowne, sendo algo menos pautado em slice of life, e se concentrando mais no desbravamento daquele mundo, as dificuldades de integração com a nova cultura e seu povo, e claro, com pitadas humor, romance, aventura e perigos.


Tudo isso culminando num desfecho intenso onde o visitante terá papel fundamental para salvar aquele mundo. Obviamente a Aliança Galáctica se tornará uma ameaça, letal ou não, àquele modo de vida. O porquê é o grande segredo. Em Escaflowne, a heroína acaba indo parar em um momento crucial [quando estava prestes a competir em uma corrida] num mundo que apesar de primitivo, possui tecnologia moderna e mechas de combate. Só que diferente de Gargantia, não trabalha o aspecto Sci-Fi e sim a fantasia, mesmo os mechas são ativados com elementos mágicos. E isto é o mais interessante até então em Gargantia, sua SF (Science Fiction) é muito promissora. A construção de seu universo, a interação de seus personagens com a tecnologia e até mesmo a barreira linguística, tornam a narrativa e a mecânica daquele mundo muito mais rica.

A construção do Universo

A primeira parte da série em seus 11 minutos iniciais é o ponto mais polarizado dessa estreia. Admiradores do gênero mecha certamente saíram decepcionados, pois eles são feios, seu design não foi projetado para combates corpo à corpo, embora como simples dispositivos eles pareçam ser bem dinâmicos, ao contrário das sucatas do Doc (*rindo desgraçadamente aqui*). Abundancia de 3DCG nas formas de vida no espaço, o terror do fãs do gênero. Há abundância de Pew Pew e muitos lasers, mas a ação é muito condensada e o embate entre naves espaciais e espécies alienígenas, denominadas Hideauze, não é particularmente emocionante por a direção optar mostrar e explorar bem pouco deste conflito, além de o pouco que foi mostrado ter se tornado poluição visual.

Quem esperava encontrar em Gargantia uma genuína série de mecha, ouso a dizer que irá se decepcionar. Está longe disso, o argumento do diretor Kazuya Murata e a composição de roteiro do Butcher dão dicas de que irão se distanciar ainda mais deste conceito. Quando o único mecha ofensivo ao alcance dos olhos é basicamente uma IA (Inteligência Artificial) ao melhor estilo HAL 9000 e de tamanho compacto, não há o que esperar em termos de batalha.



Pelo contrário, é a consequência da batalha que mal vemos que realmente se torna importante aqui, se tornando uma exposição necessária para ambientar Red ao novo mundo para o qual ele iria parar. É através deste conflito atmosférico e verbal que manteremos um link com Red e sua essência que irá chocar com a nova cultura [claro que a direção da série irá retomar este prologo, a conflito irá se estender e as coisas ficarão tensas, mas até que isso aconteça muita água deverá rolar por baixo a ponto nestes 13 episódios que a série terá ao todo], prometendo um clímax mais intenso.

Ao invés de visualmente uma bela batalha, Butcher oferece a moda da casa; muitos diálogos, como costumeiro, com a diferença que dessa vez temos um bom diretor para fazer com que estes diálogos soem naturais em termos de audiovisual, sem soar estruturalmente texto de visual e light novel. Apesar de que certamente você não irá lembrar com detalhes de tudo o que foi dito, a estrutura daquele mundo fica marcada no subconsciente. Você sabe que provavelmente Red vive numa ambiente utópico, opressor e altamente militarizado e que isso tornará sua convivência em Gargantia algo complicada. Que a humanidade precisou ir para as estrelas e que na terra a água tomou conta. Estamos diante de trabalho de direção extremamente eficaz, que se mostrará mais evidente na segunda parte do episódio.

Tecnologia

IA, robôs utilizados como dispositivos, sociedade construída em cima de encouraçados lindamente projetados, e provavelmente a série ainda se pautará demasiadamente na mecânica tecnológica. Se prepare, porque se em Pyscho-Pass o Butcher nos mostra sua paixão pela literatura, em Gargantia tem tudo para ser SF. O choque contrastante de tecnologias implícito na ideia de população primitiva vivendo em encouraçados marítimos e aqueles que vivem em naves estelares é algo que se mostra muito promissor. Ambos vivem explorando o que sobrou de vida no universo e vivem a procura de novas fontes de energia e preciosidades. É um argumento meio cínico ao emparelhar seres humanos avançados e primitivos, contrastando-os, e, no entanto, ambos se encontram em situações similares.


Se pessoas vivendo em enormes encouraçados já é algo fascinante, principalmente se a narrativa decidir explorar isto a fundo, a visão do espaço é igualmente belo em todos os seus tons abstratos, com coloração destoante e intensa, além de visualmente alucinógena. Não é um consenso, mas a escolha deste estilo de arte para representar um universo avançado tecnologicamente, oprimido pela extinção eminente e pela perda de recursos naturais, construindo em torno de si uma sociedade utópica, contextualmente é algo muito bom – no entanto fosse qualquer outro compondo este roteiro, provavelmente abriria mão dos elementos místicos (e é por isso que eu adoro o tio Butcher). Eu, ledamente me enganei que Gargantia traria um Urobuchi distante de suas origens, ao me deparar com deuses Cthulhu psicodélicos azucrinando a humanidade no seu habitat natural. Visualmente foi uma experiência fantástica, e mesmo o 3DCG odiado e repugnado, se acentuou perfeitamente nesta atmosfera.

Buracos de minhoca, manipulação de tempo e espaço, sociedades utópicas vivendo em situações limites, humor lateral, espécies superiores, mechas, linha narrativa focada em SF; mais Butcher que isso, impossível. Em tempos de muito technobabble (basicamente conceitos Sci-Fi jogados na tela sem argumentos solidificados pela narrativa, algo como a estrutura de Psycho-Pass), Suisei no gargantilha consegue se estruturar concisamente sem grandes dificuldades.

Personagens

O tom dessa vez é menos crítico, menos obscuro, e mais aventureiro e coloridamente divertido, mas não é tão diferente do que se vê em Zoku Satsuriku no Django, inclusive o tom fetichista com relação às mulheres e o roteiro meio testosteronico, meio pulsante de energia, uma possível tensão sexual e meio atrapalhado ao mesmo tempo, com uma linha de cinismo ao fundo, deverá se destacar aqui.

Sem em Psycho-Pass a escolha do character designer a partir do conceito estabelecido pela Akira Amano já denunciava em como a narrativa seria generosa com as fujoshis, dessa vez ser o autor Hanaharu Naruko, conhecido por suas contribuições fetichistas para o comiket, dá o tom pelo qual a narrativa irá seguir. E então teremos...

Isso...


Isso...


Isso...


E muito mais, claro. É um character designer que é simples, ressaltando o apelo sexual e delicadamente meigo nas garotas com traços redondos e filtros que a deixam com um brilho de bebê e um blush apimentado. Nos homens o traço é mais virial e menos polido, com a exceção de Red, seu bishounen em bodyhugging spacesuit coladinho. Red conseguiu deixar uma boa impressão em mim.

Amy, apesar de bem típica, demonstrou ser uma personagem vibrante e simpática, esperemos que nasça entre os dois uma boa química. Os de fundo também me pareçam interessantes. Algo muito interessante é a forma como foi tratada a barreira linguística entre os personagens. Ao que tudo indica, será logo resolvido, mas é um detalhe nem sempre abordado que torna a escrita com essa temática mais rica.

Em suma

Suisei no Gargantia impressiona pelo visual fantástico, animação fluída e envolvente, cortesia da penca de produtoras com verba pra injetar, encabeçado principalmente pela gigante Bandai. Com isso, bons e variados desenhos de personagens, e mais sequência fluidas de ação, compõe este visual, que só deve ficar atrás da produção mecha do Sunrise, Kakumeiki Valvrave. Há as decisões tomadas que dividiram e ainda vão dividir parte da audiência da série, mas temos um primeiro episódio bem executado no que se propôs. 

Enfim, terminei o episódio com o coração palpitando de ansiedade, por, principalmente o cenário que veremos daqui pra frente (a segunda parte do anime), ter se desenvolvido tão bem. Kazuya Murata executou muito bem essa premissa e ao permitir que a trama da primeira parte girasse estritamente em torno de Red, sua percepção e conflitos, tornou-o um elemento interessante com promessa de bons frutos. Espero não ter minhas expectativas traídas.

Avaliação: ★ ★ ★ ★ ★



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Curiosidade: Me passaram o link de um tweet do Butcher, e neste tweet ele comenta o quão contente está por ter sua série estreando no mesmo dia (domingo) em que ia ao ar a estreia de Yamato 2199, ao qual ele considerava o primeiro anime SF. Curiosa que sou, fiquei como a Chitanda, pensando nisso porque Yamato  não é o primeiro anime de ficção cientifica do Japão. Pesquisando, entendi que muitos críticos e nerds (os verdadeiros), costumam fazer uma diferenciação para Sci-Fi (SF) e Science Fiction. Este termo especifico já se encontra bem démodé, mas basicamente o primeiro seria Beam Spam e Pew Pew (batalha com lasers/tiros pra todo lado), e o segundo um vasto universo cientifico imaginado e explorado pelo autor, tipo Shinsekai Yori

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