quarta-feira, 10 de julho de 2013

Gantz - Black Ball Z

Saudações do Crítico Nippon!

Eu tinha muitos preconceitos com Gantz. E não era pra menos segundo as imagens que inundam a internet: povoado em um universo extremamente masculino, mostrando as mulheres como meros objetos sexuais gratuitamente, sempre com uma enxurrada de machos alfas para salvá-las. Até aí eu estava certo. É praticamente o roteiro do live de Transformers. Não parecia nada muito além de um hentai minimamente mais elaborado. O que eu não esperava era algo muito além disso. Muito. Beneficiado por uma arte excepcionalmente realista de Hiroya Oku, característica que sempre deu um peso gigantesco à obras fabulosas de seus colegas como Blade, Vagabond e Chonchu, Gantz consegue a proeza de nos envolver de uma maneira espetacular com seus personagens. Sim, as mulheres são todas impecáveis. E mesmo que com menos freqüência que elas, os homens são formados igualmente por uma galeria de modelos. Mas isso é apenas um “extra” visual para um roteiro de ação e carnificina tão envolvente e desesperador como poucos. Sim, os clichês estão por toda parte. Sim, o sexo em momentos inapropriados também. Porém, o mangá contorna isso tudo, e mais, faz isso uma parte coerente dentro de seu próprio universo e regras doentias. São exageros mínimos que em nada diminuem o brilho e a emoção de acompanhar as missões do “quarto da esfera negra” e a dinâmica entre seus imperfeitos heróis.


(Este artigo irá até o volume 30, lançados pela Panini no Brasil. Evitei o máximo de spoilers possível. Leiam os textos da Beta Roberta sobre o live action e o anime – que não assisti)


Kei Kurono morre atropelado por um trem ao tentar salvar alguém. Imediatamente é transportado para uma sala cheio de estranhos – que igualmente passaram pela morte - e com uma esfera negra no centro. A bola passa instruções para vencerem alienígenas com armas e roupas que saem de dentro dela. Quanto mais matarem, mais pontos ganham e, quando chegarem aos 100, tem a escolha de voltar a viver normalmente.

Prefiro não me estender muito na sinopse, pois o suspense faz parte. Começamos personificados na figura de Kurono, o protagonista novato naquelas regras misteriosas. A trama não poderia ser mais batida (morrer e ir para um ‘outro mundo’), há tantos exemplos parecidos que não sei nem por onde começar. E para aqueles que poderiam ter os mesmos preconceitos que eu, continuei receoso no início ao ver que ele era... um típico adolescente que só pensa em mulher. Constantemente podemos ler os balões de seus pensamentos e, a princípio, não se difere muito de qualquer outro que poderia facilmente morrer no início sem que ninguém ligasse. Não há humildade ou nobreza ou sombra de pelo menos um anti herói. No início não, nada. É só um garoto com os hormônios à flor da pele, muitas vezes arrogante e convencido. O surpreendente é que no volume 19 eu estava com lágrimas nos olhos por causa deste mesmo rapaz.






















Hiroya merece créditos por desenvolver sua premissa com toda a calma do mundo. Não há ninguém ali para dar as respostas, apenas mais e mais perguntas. As regras do “Gantz” só são descobertas na prática, na tentativa e erro, o que claro, é o mais fascinante e assustador. Exemplos como “não sair do perímetro” ou terá a cabeça explodida; passando pelo atraso de tiro que as armas tem; entre outros. Assim, o nosso crescimento e o dos personagens é sempre tenso e podendo acabar morto a qualquer momento.

Colocando a regra de, contanto que o personagem não esteja morto, ele voltará para o quarto da esfera intacto ao final das missões, a explosão de braços e pernas é constante. Estratégia parecida que Samura usou em Blade para fazer jorrar sangue com facilidade, tornando seu protagonista imortal. Porém, Gantz entende o grande poder de destruição de suas armas, bem como a proteção dos trajes pretos, e a facilidade que é apenas esperar o tempo da missão acabar e voltar sãos e salvos pro quarto. Desta forma, seus vilões nunca são menos do que “extremamente difíceis”. Geralmente explorando essa força avassaladora dos inimigos, explodindo antagonistas com os exatos mesmos itens que os “heróis” (no caso, o leitor). Colocando limite de pancadas nos trajes super protetores, e aliens que muitas vezes podem penetrar as vestes, os personagens ficam sem opções de sentirem-se seguros, mesmo com acessórios tão poderosos para humanos comuns. É uma falsa sensação de proteção e segurança, e caímos direitinho desde o início.





















Ajudando na identificação e imersão àquele mundo, a arte fabulosa de seu autor. Cenários reais da capital japonesa (entre outros, futuramente) são uma constante, em quadros gigantescos, muitas e muitas vezes de uma página inteira e até duas. Não apenas as paisagens, mas os próprios humanos e ambientes são vistos com ângulos sempre abertos e vastos. E por falar em humanos, são todos extremamente proporcionais e realistas, com saliva, suor, penteados e expressões faciais sem exageros caricatos ou cartunescos. A sensação é de estar praticamente vendo uma fotonovela de ficção. Notem, por exemplo, a riqueza das pequenas tecnologias e o design pensado nelas para manterem um padrão. Ou também, não somente a riqueza dos prédios, mas os detalhes que Hiroya coloca em cada uma das sacadas, pequenos, porém perceptíveis. Os efeitos mágicos como o laser que os transporta de um local para outro, as bolas de chamas dos dinossauros, raios de alienígenas, são todos colocados com perfeição de computador, fazendo um realismo muito além do que o lápis normal conseguiria. Consequentemente, o perigo se torna mais real e plausível, nada – nada mesmo - comparado às bolas de fogo e raios de algum shonen por aí.

Entretanto, não há como falar da arte sem falar da fabulosa “catástrofe” do fim do mundo, próximo do trigésimo volume. O volume 28 tem ainda menos diálogos do que de costume, e é praticamente todo com quadros de uma página inteira ou duas, mostrando um suspense e uma tensão tão insuportável como verá poucas vezes em outras mídias. O céu ficando vermelho; as naves surgindo aos poucos; depois pernas de robôs em ângulos baixos (o traço deles, aliás, me lembrou os fabulosos cavaleiros de ouro do Episódio G, por Megumu Okada); e planos aéreos em quantidade, como uma verdadeira invasão, mostrando a dimensão colossal para o leitor. Porém, mesmo com essas inúmeras câmeras no céu, passamos muito com ela na altura dos olhos dos humanos, estando no centro nervoso do ataque como um deles. Sem saber para onde correr justamente por já termos visto milhares de quadros de longe da cidade inteira dominada. É uma sensação de impotência que veio justamente com essa habilidade toda não somente de desenhista, mas de um diretor bastante seguro e que sabe aumentar o clima até o limite máximo e, para nossa tortura, com muita calma.




















Com o universo da trama de expandindo cada vez mais, se a principio os heróis pareciam lutar em uma espécie de “Matrix”, aos poucos os alienígenas começam a influenciar no mundo real. Até que chegamos em um ponto de torcer para que os personagens sejam transportados de volta para o quarto da esfera negra, tamanha a tensão que se torna ver tantos inocentes e familiares deles envolvidos. E chegar em um ponto de desejar isso, é uma proeza espetacular. Claro que aí começam algumas características que podem incomodar alguns leitores. Por exemplo, a grande maioria dos humanos vistos no mangá são desprezíveis e burros. Por mais que salas de aula inteira apareçam com alunos esquartejados, e quarteirões inteiros sejam destruídos, ao longo dos 30 volumes só houve alguns poucos comentários de “Deve ser CGI”; “Será que a NASA está envolvida?”; “O governo não quis se pronunciar” e diversas outras escapadas para não perder o foco da ação.

O descaso para com os humanos que não o grupo principal é tanto, que no ataque alienígena mundial, chegamos a acompanhar uma série de alunos aborrecidos por não poderem assistir televisão, ou comemorando que poderão roubar lojas. Assim, claro, não nos importamos de vê-los sendo massacrados mais tarde. E se isso parece um tremendo desperdício de emoção, é totalmente compensado com o núcleo principal. Apresentando-os de forma súbita ao longo das missões, eles crescem gradualmente e, por mais simples que pareçam seus arcos, são feitos com tanta calma e realismo que acabamos nos envolvendo. Desde o jovem e forte Kazou e sua devoção cega pelo irmão menor, evoluindo drasticamente na saga Osaka ao se ver de mãos amarradas contra os alienígenas e buscando apenas salvar os inocentes envolvidos; passando pelo garoto Sakurai e seu mestre Sakata com poderes paranormais (e quando vemos o jovem aprendiz gritando pelo outro, nos sentimos gritando junto, mesmo tendo os conhecido há pouquíssimos volumes); também o lutador Kaze e sua vontade de enfrentar apenas o mais forte (aqui confesso não ter gostado da maneira como ele parece ignorar que foi Kurono quem o derrotou pela primeira vez, já que parecia algo super importante para ele e isso nunca é comentado após a luta) e seu carinho pelo garotinho Takeshi espancado e morto pela família, esses dois rendendo algumas das melhores cenas. Passando pelo nobre e gentil viúvo Suzuki, que logo convida Kaze e Takeshi para morarem com ele. Pequenos detalhes como esse, são a força dos personagens de Gantz. Ainda que muitas vezes seus rostos estejam cheios de lágrimas, são sempre após muito sofrimento e jamais parecendo gratuito tentando forçar algo no leitor.

Com personagens femininas que variam bastante, Tae-chan parece saber falar apenas o nome do namorado, revelando-se quase um pokêmon. E, sim, Reika revela-se uma mulher mais forte e cheia de energia, e conseguimos entender perfeitamente seu gosto gradual pelo Kurono, tanto que quando o grupo começa a pensar nela como líder, não soa nem um pouco estranho. Porém, sua obsessão pelo protagonista soou demais com certa decisão que ela toma ao chegar aos 100 pontos, e a partir dali enfraquece. Ganhando destaque também, a jovem moça de Osaka, mãe de 23 anos e interessada pelo heróico Katou. Seu crescimento é formidável e sua personalidade é diferente de tudo que estávamos acostumados até então.

Chegamos então, finalmente, à Kei Kurono. E quando sua namorada, Tae-chan, lhe diz “Como você amadureceu tanto? Está diferente (e essa deve ter sido a única frase dela sem imitar um pokêmon) percebemos o quanto isso deve ser estranho para ela que o via apenas fora das missões do quarto da esfera negra. Ajudando nesse crescimento, a escolha do garoto de se manter com a namorada do colégio que ele aprendeu a gostar, ao invés de escolher a modelo Reika, e sendo tentado várias vezes nesse sentido e mantendo-se firme. Porém, não há momento melhor para ver essa mudança do que quando resolvem ressuscita-lo após um incidente e ele aparece com o olhar centrado e sereno, minimamente curioso, bem diferente do garoto cheio de hormônios e agitado dos primeiros volumes. É nesse exato instante que percebemos o líder que este se tornou para a equipe, e afinal, lembramos que Kurono morreu pela primeira vez ao tentar salvar alguém nos trilhos. Já havia uma sementinha plantada ali.





















Com algumas decisões falhas que não consegui absorver nem pelo entretenimento, como por exemplo, a existência de um irmão para Kurono e dos demais vampiros. Eles parecem não ter absolutamente função nenhuma, exceto gerar algumas cenas de ação, mas que não acrescentam nada realmente. Diferente, por exemplo, da mudança de personalidade do Izumi, virando um cara ruim da noite pro dia. Embora tenhamos inúmeros bons momentos com essa virada, e assim, quase esquecemos quão abrupto foi. Desde a rivalidade crescente que ele nutre pelo Kurono; até o massacre que faz na rua, de tirar o fôlego, chegando ao over; passando pela ótima virada do roteiro de fazer o grupo da esfera negra se dividir em dois, lutando uns contra os outros, com Izumi líder do lado oposto; até quando finalmente, ambos os líderes são obrigados a lutar lado a lado. Essas constantes viradas de tabuleiro são geniais.

Gantz é ótimo em brincar com suas regras para fazer gerar tensão. Desde colocar o grupo uns contra os outros; até fazê-los enfrentar os dinossauros corpo a corpo (ou com poderes paranormais, como no caso do mestre e aprendiz), mesmo sem o traje super protetor ou armas; mais tarde acrescentando outras pessoas de quartos com esferas, e descobrimos que alguns deles chegaram aos 100 pontos várias vezes. E quando o grande vilão da saga Osaka traz o corpo morto daquele que mais havia chegado aos 100 pontos (sete vezes), é uma cena forte como poucas. Aliás, a saga de Osaka é tão fabulosa, e meu momento favorito dos 30 primeiros volumes. Não apenas por criar o vilão mais indestrutível até então (quase uma espécie de Majin Boo), mas também por ser uma missão inteirinha sem o grande protagonista Kurono. E assim mesmo, o envolvimento é fantástico e alucinante. Ou seja, que prova maior pode haver de que os personagens foram bem desenvolvidos se a melhor saga acaba sendo aquela sem a ajuda do protagonista (que já elogiei fartamente)?


Estou louco para continuar as futuras missões e ver aonde isso tudo chegará. Infelizmente, algumas respostas que surgiram nos últimos volumes (e que não revelarei) soaram bastante forçadas. Talvez seja a mesma fórmula da série “Lost”, a graça está nas perguntas, não nas respostas. Não as odiei, mas certamente perdeu o brilho, e é preciso uma mente bem aberta para digeri-las. Recheado de sangue e tripas o tempo inteiro, com cenas fortíssimas, muito mais do que o nosso amado Elfen Lied, bem como cenas de nudez (e o volume 30 chega ao over total nesse sentido, com todos andando pelados do início ao fim). Gantz é assustador, fascinante e um entretenimento de primeira. Eu vou até o fim.





(Para mais dos meus textos, é só ir no menu 'Crítico Nippon'.)
@PedroSEkman

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