sexta-feira, 12 de julho de 2013

Silver Spoon (2011) - Escolhas & Expectativas


Vamos falar de uma série que ganhou um anime nesta temporada (Summer 2013*) para o bloco noitaminA, tendo tido uma boa estréia (mas não tem o mesmo timing cômico que no mangá). Mas dessa vez vou me ater ao mangá, por entender que cada mídia representa a visão de um autor.

Silver Spoon (Gin no Saji), mangá de autoria de Hiromu Harakawa e que atualmente conta com 8 volumes (provavelmente já caminhando em direção ao fim, não só pelos rumos do enredo mas também pela adaptação em anime. O que não significa que acontecerá agora, ainda podem levar uns 2 anos ou 3. Tempo quando se trata de mangás é algo muito relativo) é praticamente uma autobiografia da autora que será eternamente lembrada por seu Fullmetal Alchemist (2001). O seu grande carinho por sua terra natal, a cidade de Hokkaido, é algo que pode ser sentido nesta obra em seus pequenos detalhes; as longas retóricas entre os personagens referentes à visão do homem idílico, as conexões com os animais e natureza, a dura e regozijante vida das pessoas do campo.

É neste ambiente que Yugo Hachiken, vindo da cidade, é inserido, servindo como um avatar que ilustra o pensamento comum do homem metropolitano ao se deparar com um modo de vida tão diferente do que ele imaginara. Desfaz-se aquela fantasia romântica idílica de um ambiente entediante e de pura tranqüilidade, juntamente da mascara de Hachiken, que pensou por ser alguém que sempre ostentou boas notas, ultrapassaria facilmente aqueles caipiras. O que Hachiken não esperava ao fugir do ambiente sufocante de sua casa e da pressão acadêmica ao se refugiar no interior em uma escola de agricultura, é que esta fuga lhe obrigasse a olhar para dentro de si mesmo e aprendesse por meio de suor e lágrimas que qualquer coisa que você almeje exige um esforço que só lhe trará satisfação se feito por livre e espontânea vontade. Hachiken se sente inquieto por não ter um sonho, como os demais, por ter crescido sob as expectativas do que seu pai queria para ele. Mas aprenderá que com um sonho ou não, o fardo se torna mais tolerável quando é espontâneo.

"Hachiken! Seja ambicioso!"
Silver Spoon foi um mangá que me pegou uma de forma inesperada, quando dei por mim, estava rindo e rindo das tragicômicas desventuras em série de Hachiken, aprendendo com os personagens e também crescendo um pouco mais como pessoa ao lado deles (em maior escala Hachiken, Aki, Komada), me identificando e completamente deslumbrada com a capacidade de Arakawa em tornar aqueles personagens quase possíveis de serem tocados. Para mim se tornou impossível ler sem um sorriso nos lábios ou simplesmente gargalhando. Seu domínio em criar humor de situações tão cotidianas e dramas de um modo que é muito mais um elo emocional entre o leitor e o personagem, que não exige lágrimas ou corações apertados, mas apenas o simples e espontâneo sentimento de “eu te entendo com todo meu espírito”, “eu já passei por isso”, “eu queria ter essa obstinação”. É uma história sobre juventude, não venha me dizer que você foi capaz de passar por este espinhoso caminho sem ter vivido situações ao menos semelhantes à destes personagens. Silver Spoon é sobre a vida. Sobre as escolhas que fazemos e a responsabilidade que tomamos sobre os ombros ao tomá-las. Os conflitos familiares. A pressão que sofremos da família e da sociedade por uma profissão, de querer que sigamos o que eles planejaram, de herdamos o seu fardo. Do medo que representa seguirmos aquilo que sonhamos, rumo a um futuro incerto – seguir o caminho que parece mais auspicioso e seguro, ou se arriscar no que tanto deseja? Para a maioria dos estudantes da escola agrícola, o seu futuro é herdar a fazenda de seus pais, algo certo. Porém, e quando um deles escolhe um caminho diferente, mais tortuoso, porém que lhe dá mais prazer? –, ou o mais puro e sincero baque: de você parar, olhar, e simplesmente não ter a menor idéia do que fazer com a sua vida. Qual caminho trilhar. Não importa qual seja o seu dilema, ambos representam um risco significativo de sua parte.

Aki e Hachiken - E este romance que não anda?
Arakawa-sensei não nos dá uma resposta objetiva para a questão, afinal, é subjetivo, mas expressa através das páginas com sua experiência, que você pode recomeçar e que mesmo a fuga pode lhe trazer as respostas que tanto precisa; desde que saiba escutar o que diz a voz que há dentro de seu interior. Dessa forma as respostas vão surgindo naturalmente. Arakawa conseguiu uma forma muito eficaz de passar algumas lições para Hachiken no dia a dia que podem nos servir muito bem. Sem medo de soar piegas – eu me confesso culpada desde já –, digo que na correria das selvas de pedras não temos tempo sequer para olhar para dentro de nós mesmos. Estamos tão ocupados em duelos invisíveis com os outros, que não percebemos que nossos maiores adversários se encontram nós mesmos. Em determinado capítulo, Hachiken cria coragem para voltar à sua casa para pegar algo, e então se depara com antigos colegas, que no primeiro momento ficam apreensivos se deveriam ou não puxar assunto com ele. Por fim, ambos se reconhecem e iniciam uma extensa e divertida conversa sobre os contrastes entre a zona urbana e a zona rural. Após se despedirem, eles comentam em como Hachiken se encontra muito mais acessível e facilmente comunicável que antes, enquanto o próprio reflete que no passado uma conversa tão leve e amigável seria impossível por ele os ver como inimigos [pela mesma vaga na carreira profissional]. Isto ilustra em como ele estava voltado para suas próprias ambições interiores, tão focado em seus objetivos que se esqueceu de olhar em volta. De respirar. Antes mesmo de se formar, ele já estava completamente no automático e sob um forte estresse. Uma perspectiva de vida assombrosa, mas que não difere em nada de nossa realidade, em que mais e mais pessoas acordam depois de muito tempo persistindo naquela profissão que não lhe dá prazer algum e se vêm internamente perdidas e sem rumo.

Desse modo, o cenário na zona rural estabelecido em Silver Spoon se torna uma perfeita alegoria existencial: os personagens ali, por vezes acordam às três da manhã, antes mesmo do café já começam a limpar estábulos e preparar tudo para quando as outras pessoas acordarem, o processo diário em manter uma fazenda escolar agricultural se dê sem percalços. Mas o dia só está começando, depois do café precisam se envolver em atividades escolares, do clube e então novamente limpezas até que ao final do dia não estejam sentindo nem mais os pés, o que exige não apenas um esforço físico, como também psicológico. Porém, é um processo diário que exige a sua afeição, e aqui Harakawa nos diz o quanto os animais podem ser sensíveis e o quanto eles são dignos de respeito como qualquer pessoa. Nos primeiros capítulos, quando Hachiken começa a fazer um trabalho porco e sem envolvimento algum com o que estava desempenhando, ele é repreendido severamente. Aquele animal, que irá lhes fornecer carnes maravilhosas, merece isto? Embora a rotina seja puxada, eles ainda têm tempo de se comunicarem uns com os outros, de absorverem o que os cerca. Dessa forma, o esforço empregado se torna satisfatório pelo objetivo traçado.



Como se vê, a escola agrícola representa o ideal humano. O de você fazer o que gosta ou o que precisa, mas por espontânea vontade, se envolver emocionalmente com aquilo ao ponto de todo o esforço psicológico e/ou físico, se tornar ínfimo frente aos resultados colhidos. No entanto, não foge para uma fantasia utópica, Arakawa sabe que se trata de uma equação paradoxal. Se Tamako é aquela pessoa pragmática e sensata, que sabe o que quer e tem personalidade suficiente para fazer coisas que possa parecer questionável (como aceitar fazer um regime - coisa que ela odeia - que lhe deixa com fome, para ganhar uma forma mais esbelta e atrativa sexualmente ao olhar dos demais, tudo isso em troca de uma graninha) por motivos nem sempre nobres, o Komaba representa a faceta mais amarga da vida, o que precisa abrir mão de seus sonhos por um objetivo imediato. Se sente frustrado, mas não está fugindo, para ele, garantir o futuro de suas irmãzinhas é muito mais importante. Fazer o quê, às vezes precisamos abnegar de nossos ideais para que aqueles que amamos mais que tudo possam ter o direito de perseguir os seus, e isto por uma ótica familiar de criaturinhas que dependem de você. Em outra bela passagem do mangá, Hachiken aprende durante uma competição a importância de segurar firme no cavalo para não cair, mas que as vezes é preciso soltar as rédeas para não ser arrastado. Não é certo orientar sua escolha pelo sacrifício, mas escolher o caminho pela capacidade de nos comprometermos com cada passo dado enquanto caminhamos.

(vou continuar este raciocínio em outro post na semana que vem)

Arakawa, que deixou Sapporo ainda nova indo em direção à cidade grande, traça aqui um paralelo invertido com um personagem abandonando as origens da cidade e [re] descobrindo um novo mundo. Arakawa, além de revisitar a sua origem, talvez quis mostrar aqui que independente do ambiente, os obstáculos a serem ultrapassados são os mesmos. Porém, vai muito mais além. É um belo contraste de perspectivas, em que a ida de Hachiken para o interior, representa a descoberta de novos valores e sua maturidade como individuo. O que não é algo novo, há séculos o ambiente idílico é visto como fonte de revitalização e de encontro do homem com ele mesmo. Hayao Miyazaki levou uma vida tecendo pérolas que dizem exatamente isto, mas o que Arakawa faz aqui se difere justamente por focar naquele período da juventude em que suas escolham irão definir sua vida. Que tal, que melhor momento para pararmos e nos encontrarmos com nós mesmos, olharmos a grandiosidade do que há à nossa volta, a fim de descobrirmos o que realmente queremos?



O mundo é sempre o mesmo, sempre grandioso e belo, mas podemos vê-lo de tantas formas diferentes dependendo de nossas perspectivas

Saiba mais:

Silver Spoon significa 'Colher de Prata', que cai muito bem no contexto da história. Colher de Prata diz sobre a riqueza herdada de famílias de classe alta ("Ele nasceu com uma colher de prata na boca" – um dito inglês muito comum, “he was born with a silver spoon in his mouth”). Na Idade Média, as pessoas carregavam talheres da mesma forma que carregavam carteiras e dinheiro, porque nos tempos pré-modernos a posse de uma colher de prata representava status social. A posse de uma colher de prata diferenciava os agricultores e artesões de escravos e servos. Pela maioria dos membros das classes fundiárias serem formadas de artesões e agricultores que por sua profissão traziam sujeiras sob as unhas, a colher de prata naquele contexto exercia a função de passaporte e cartão de crédito. A colher de prata acabou se tornando um marcador cultural para a classe média baixa. Não raramente, a colher de prata, por seu valor, era tido como um dos maiores feitos de uma família de classe média. Mais tarde, se tornou expressão inglesa para alguém que nasce em berço de ouro ou que herdou uma grande fortuna. O que se encaixa perfeitamente na história do Colégio Agricultural Yezo, formado principalmente por alunos oriundos de famílias de classe média (em sua maioria baixa, com exceção de Tamako e Ayame, que se tornaram de classe média alta), que irão herdar seus negócios, assim como suas dívidas. Um dos melhores pontos de Silver Spoon é também discutir a falência da classe média baixa, onde a maioria das famílias se encontram com a corda no pescoço, colocando ainda mais peso em cima dos ombros dos alunos, que freqüentam aquela escola justamente para se prepararem para assumir ou ajudar suas famílias com os negócios. Isto deixa personagens como Aki e Komada em posições delicadas no enredo, fazendo com que suas ações e conflitos sejam ótimos de se observar.

Silver Spoon é um mangá premiado, com prestigio e já vendeu milhões. Realmente um sucesso e o carro chefe da revista Shounen Sunday, o que convenhamos, pela temática é algo inesperado mesmo com o nome de Arakawa Vaquinha-sensei envolvido. Lembra um pouco o sucesso de Saint ☆ Young Men, da autora Hikaru Nakamura, que inesperadamente também alcançou o estrelato mesmo com uma tema tão pouco convencional. Enfim, Silver Spoon tem até então um enredo bem redondinho, Arakawa amarra todas pontas e usa de muita sutileza - uma frase, uma atitude diferente do qual não se espera nada, pode ter um clímax dramático lá na frente. Eu também sempre tive os mesmos preconceitos alimentícios do Hachiken, que foram se quebrando aos poucos quando era lei aqui em casa me enviar para a "roça" durante as férias, onde eu cheguei a quase a beber leite diretamente das tetas de vacas. Oh, bem, eu ainda tenho preconceito contra coisas como quiabo e chuchu, mas este não é o ponto.

Avaliação atual: ★ ★ ★ ★ ★
Autora: Hiromu Arakawa
Ano: 2011
Volumes: 08 (em andamento)
Revista: Shounen Sunday (Shogakukan)
Demográfico: Shounen

Leitura Recomendada:
-Verão de 2013: Gin no Saji (Mangatologia)

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