Vamos falar de uma série que ganhou um anime nesta temporada
(Summer 2013*) para o bloco noitaminA, tendo tido uma boa estréia (mas não tem o mesmo timing cômico que no mangá). Mas dessa
vez vou me ater ao mangá, por entender que cada mídia representa a visão de um
autor.
Silver Spoon (Gin no
Saji), mangá de autoria de Hiromu Harakawa e que atualmente conta com 8
volumes (provavelmente já caminhando em
direção ao fim, não só pelos rumos do enredo mas também pela adaptação em anime. O que não
significa que acontecerá agora, ainda podem levar uns 2 anos ou 3. Tempo quando
se trata de mangás é algo muito relativo) é praticamente uma autobiografia
da autora que será eternamente lembrada por seu Fullmetal Alchemist (2001). O seu grande carinho por sua
terra natal, a cidade de Hokkaido, é algo que pode ser sentido nesta obra em
seus pequenos detalhes; as longas retóricas entre os personagens referentes à
visão do homem idílico, as conexões com os animais e natureza, a dura e
regozijante vida das pessoas do campo.
É neste ambiente que Yugo Hachiken, vindo da cidade, é
inserido, servindo como um avatar que ilustra o pensamento comum do homem
metropolitano ao se deparar com um modo de vida tão diferente do que ele
imaginara. Desfaz-se aquela fantasia romântica idílica de um ambiente entediante
e de pura tranqüilidade, juntamente da mascara de Hachiken, que pensou por ser
alguém que sempre ostentou boas notas, ultrapassaria facilmente aqueles
caipiras. O que Hachiken não esperava ao fugir do ambiente sufocante de sua
casa e da pressão acadêmica ao se refugiar no interior em uma escola de
agricultura, é que esta fuga lhe obrigasse a olhar para dentro de si mesmo e
aprendesse por meio de suor e lágrimas que qualquer coisa que você almeje exige
um esforço que só lhe trará satisfação se feito por livre e espontânea vontade.
Hachiken se sente inquieto por não ter um sonho, como os demais, por ter
crescido sob as expectativas do que seu pai queria para ele. Mas aprenderá que
com um sonho ou não, o fardo se torna mais tolerável quando é espontâneo.
"Hachiken! Seja ambicioso!" |
Aki e Hachiken - E este romance que não anda? |
Desse modo, o cenário na zona rural estabelecido em Silver Spoon se torna
uma perfeita alegoria existencial: os personagens ali, por vezes acordam às
três da manhã, antes mesmo do café já começam a limpar estábulos e preparar
tudo para quando as outras pessoas acordarem, o processo diário em manter uma
fazenda escolar agricultural se dê sem percalços. Mas o dia só está começando, depois
do café precisam se envolver em atividades escolares, do clube e então
novamente limpezas até que ao final do dia não estejam sentindo nem mais os pés,
o que exige não apenas um esforço físico, como também psicológico. Porém, é um
processo diário que exige a sua afeição, e aqui Harakawa nos diz o quanto os
animais podem ser sensíveis e o quanto eles são dignos de respeito como
qualquer pessoa. Nos primeiros capítulos, quando Hachiken começa a fazer um
trabalho porco e sem envolvimento algum com o que estava desempenhando, ele é
repreendido severamente. Aquele animal, que irá lhes fornecer carnes
maravilhosas, merece isto? Embora a rotina seja puxada, eles ainda têm tempo de
se comunicarem uns com os outros, de absorverem o que os cerca. Dessa forma, o
esforço empregado se torna satisfatório pelo objetivo traçado.
Como se vê, a escola agrícola representa o ideal humano. O
de você fazer o que gosta ou o que precisa, mas por espontânea vontade, se
envolver emocionalmente com aquilo ao ponto de todo o esforço psicológico e/ou
físico, se tornar ínfimo frente aos resultados colhidos. No entanto, não foge
para uma fantasia utópica, Arakawa sabe que se trata de uma equação paradoxal.
Se Tamako é aquela pessoa pragmática e sensata, que sabe o que quer e tem
personalidade suficiente para fazer coisas que possa parecer questionável (como aceitar fazer um regime - coisa que ela odeia - que lhe deixa
com fome, para ganhar uma forma mais esbelta e atrativa sexualmente ao olhar dos demais, tudo isso em troca de uma
graninha) por motivos nem sempre nobres, o Komaba representa a faceta mais amarga da vida, o que precisa
abrir mão de seus sonhos por um objetivo imediato. Se sente frustrado, mas não
está fugindo, para ele, garantir o futuro de suas irmãzinhas é muito mais
importante. Fazer o quê, às vezes precisamos abnegar de nossos ideais para que
aqueles que amamos mais que tudo possam ter o direito de perseguir os seus, e isto
por uma ótica familiar de criaturinhas que dependem de você. Em outra bela passagem do mangá, Hachiken aprende durante uma competição a importância de segurar firme no cavalo para não cair, mas que as vezes é preciso soltar as rédeas para não ser arrastado. Não é certo
orientar sua escolha pelo sacrifício, mas escolher o caminho pela capacidade de
nos comprometermos com cada passo dado enquanto caminhamos.
(vou continuar este raciocínio em outro post na semana que vem)
Arakawa, que deixou Sapporo ainda nova indo em direção à
cidade grande, traça aqui um paralelo invertido com um personagem abandonando
as origens da cidade e [re] descobrindo
um novo mundo. Arakawa, além de revisitar a sua origem, talvez quis mostrar
aqui que independente do ambiente, os obstáculos a serem ultrapassados são os
mesmos. Porém, vai muito mais além. É um belo contraste de perspectivas, em que
a ida de Hachiken para o interior, representa a descoberta de novos valores e
sua maturidade como individuo. O que não é algo novo, há séculos o ambiente
idílico é visto como fonte de revitalização e de encontro do homem com ele
mesmo. Hayao Miyazaki levou uma vida tecendo pérolas que dizem exatamente isto,
mas o que Arakawa faz aqui se difere justamente por focar naquele período da
juventude em que suas escolham irão definir sua vida. Que tal, que melhor
momento para pararmos e nos encontrarmos com nós mesmos, olharmos a grandiosidade do que há à nossa volta, a fim de descobrirmos o
que realmente queremos?
O mundo é sempre o mesmo, sempre grandioso e belo, mas podemos vê-lo de tantas formas diferentes dependendo de nossas perspectivas |
Saiba mais:
Silver Spoon significa 'Colher de Prata', que cai muito bem
no contexto da história. Colher de Prata diz sobre a riqueza herdada de
famílias de classe alta ("Ele nasceu com uma colher de prata na boca"
– um dito inglês muito comum, “he was
born with a silver spoon in his mouth”). Na Idade Média, as pessoas
carregavam talheres da mesma forma que carregavam carteiras e dinheiro, porque
nos tempos pré-modernos a posse de uma colher de prata representava status
social. A posse de uma colher de prata diferenciava os agricultores e artesões
de escravos e servos. Pela maioria dos membros das classes fundiárias serem
formadas de artesões e agricultores que por sua profissão traziam sujeiras sob
as unhas, a colher de prata naquele contexto exercia a função de passaporte e
cartão de crédito. A colher de prata acabou se tornando um marcador cultural
para a classe média baixa. Não raramente, a colher de prata, por seu valor, era
tido como um dos maiores feitos de uma família de classe média. Mais tarde, se
tornou expressão inglesa para alguém que nasce em berço de ouro ou que herdou
uma grande fortuna. O que se encaixa perfeitamente na história do Colégio
Agricultural Yezo, formado principalmente por alunos oriundos de famílias de
classe média (em sua maioria baixa, com
exceção de Tamako e Ayame, que se tornaram de classe média alta), que irão
herdar seus negócios, assim como suas dívidas. Um dos melhores pontos de Silver
Spoon é também discutir a falência da classe média baixa, onde a maioria das
famílias se encontram com a corda no pescoço, colocando ainda mais peso em cima
dos ombros dos alunos, que freqüentam aquela escola justamente para se
prepararem para assumir ou ajudar suas famílias com os negócios. Isto deixa
personagens como Aki e Komada em posições delicadas no enredo, fazendo com que
suas ações e conflitos sejam ótimos de se observar.
Silver Spoon é um mangá premiado, com prestigio e já vendeu milhões. Realmente um sucesso e o carro chefe da revista Shounen Sunday, o que convenhamos, pela temática é algo inesperado mesmo com o nome deArakawa Vaquinha-sensei envolvido. Lembra um pouco o sucesso de Saint ☆ Young Men, da autora Hikaru Nakamura, que inesperadamente também alcançou o estrelato mesmo com uma tema tão pouco convencional. Enfim, Silver Spoon tem até então um enredo bem redondinho, Arakawa amarra todas pontas e usa de muita sutileza - uma frase, uma atitude diferente do qual não se espera nada, pode ter um clímax dramático lá na frente. Eu também sempre tive os mesmos preconceitos alimentícios do Hachiken, que foram se quebrando aos poucos quando era lei aqui em casa me enviar para a "roça" durante as férias, onde eu cheguei a quase a beber leite diretamente das tetas de vacas. Oh, bem, eu ainda tenho preconceito contra coisas como quiabo e chuchu, mas este não é o ponto.
Avaliação atual: ★ ★ ★ ★ ★
Autora: Hiromu Arakawa
Ano: 2011
Volumes: 08 (em andamento)
Revista: Shounen Sunday (Shogakukan)
Demográfico: Shounen
Leitura Recomendada:
-Verão de 2013: Gin no Saji (Mangatologia)
Capas Ampliáveis
Silver Spoon é um mangá premiado, com prestigio e já vendeu milhões. Realmente um sucesso e o carro chefe da revista Shounen Sunday, o que convenhamos, pela temática é algo inesperado mesmo com o nome de
Avaliação atual: ★ ★ ★ ★ ★
Autora: Hiromu Arakawa
Ano: 2011
Volumes: 08 (em andamento)
Revista: Shounen Sunday (Shogakukan)
Demográfico: Shounen
Leitura Recomendada:
-Verão de 2013: Gin no Saji (Mangatologia)
-Mas que vaca é esta Hiromu Arakawa! (All Fiction)
Capas Ampliáveis
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